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4. Andrew Chevalier

Nem bem o dia raiou e eu já estava de pé, indo diretamente para o banho. Havia dormido bem, mas sonhei com Andrew. Eu não conseguia entender como era possível sonhar com aquele homem sendo que o vi pela última vez há mais de oito anos atrás.

Enquanto deixava a água morna escorrer pelo meu corpo, com meus olhos fechados, eu tentava esquecer aquele reencontro que aconteceria em breve. Sabia que estava sendo uma idiota, pois Andrew mal devia lembrar de mim. Meu avô me deixou um pouco esperançosa quando falou que talvez ele tivesse vindo pessoalmente trazer o convite somente para me ver. Eu sabia que aquilo era praticamente impossível. Não conseguia entender o que aquele homem causava em mim... Desde que eu era somente uma criança. Era possível gostar de alguém desde sempre? Eu ri de mim mesma... Estava sendo ainda mais boba agora. Eu tinha certeza de que quando olhasse Andrew, saberia que tudo não passou de uma fixação de criança/adolescente. Ou melhor, quando eu era criança, ele era adolescente, então eu o achava simplesmente perfeito. E agora, que eu era adulta, o idolatrava pelo homem lindo que ele havia se tornado. No fim, constataria que ele era só um homem bonito, nada mais.

Enquanto secava meus cabelos ruivos compridos, me olhei no espelho. Eu precisava fazer uma maquiagem mais forte. Todos diziam que eu não aparentava ter dezoito anos, parecendo mais jovem. Mas naquele momento, eu queria parecer um pouco mais velha. Escolhi um jeans rasgado, que valorizava meu corpo e uma blusa justa simples. Coloquei por cima uma jaqueta e nos pés uma bota de cano curto. Corridas de carro era um lugar que eu costumava me vestir prezando pelo conforto. Deixei meus cabelos soltos e caprichei na máscara para os cílios e delineador. Um batom vermelho, que eu raramente usava, me deixou com semblante mais maduro. Mas olhando minha imagem refletida no espelho, não parecia eu. Ainda assim, era aquilo que eu queria ser naquele dia: uma mulher que impressionasse.

Assim que peguei minha bolsa, o celular tocou. Era Gael. Fiquei na dúvida de atender ou não. Então me dei conta que não havia motivos para não atender. Afinal, era Gael, meu namorado. Por que não atender mesmo?

- Bom dia, princesa. – ouvi a voz dele do outro lado, animado.

- Bom dia, Gael.

- Estou na esperança de ganhar do seu pai hoje.

- Só esperança. – eu ri. – Você sabe que isso é impossível.

- Eu soube que os herdeiros Chevalier vão correr também. Acho um pouco injusto eles virem competir aqui, no nosso reino.

- É uma competição, Gael. Qualquer um pode correr.

- Bem, confesso que não me preocupo em ficar com o segundo lugar. Afinal, toda Alpemburg sabe que ninguém é melhor que Estevan D’Auvergne Bretonne.

- Isso porque Alexia D’Auvergne Bretonne não está correndo. – brinquei.

- Alexia é terceiro lugar.

- Como assim? Você sabe que eu sou melhor que você.

- Eu não concordo com isso não.

- Já provei que sou melhor, Gael. – comecei a ficar brava.

- Não precisa ficar brava, linda. Foi só uma brincadeira.

- Hum, então eu o perdoo.

- Nos vemos daqui a pouco, meu amor. Quero ouvir sua voz gritando meu nome.

- Claro... – “espere sentado”, pensei.

Meu pai e Gael concorrendo. Minha torcida seria para quem? Meu pai, sempre. Nem mesmo Andrew ganharia minha torcida para ele. O rei de Alpemburg era o melhor e ninguém tirava a taça dele. Mas pensando bem, Gael tinha razão. Era um pouco injusto os Chevalier estarem correndo em Alpemburg. Mas de alguma forma deviam ter ganhado algumas competições importantes para estarem numa nacional. Então, de alguma forma, eles deviam ser bons.

Meu pai novamente não tomou café da manhã conosco. Já estava no local onde seria o GP de Alpemburg, o maior evento de corrida de carros do reino. Normalmente eu estaria com ele, usando uma roupa confortável em tecido expansível, sem nenhuma maquiagem e com o boné com o nome do pai mais lindo e perfeito do mundo inteiro: Estevan D.B. Geralmente quando ele ia ao pódio, me chamava para pegar a taça com ele, ou outro tipo de premiação recebida. E as flores sempre eram entregues a mim, mesmo quando minhas irmãs estavam presentes. E quando elas não estavam, só tinha eu para receber mesmo. Eu só perdia as flores para minha mãe. Ele jamais a deixava sem as flores da vitória. E vez ou outra Aimê roubava as flores das mãos dele antes de ser entregues a mim, porque ela era assim: “se quero, é meu”.

Pauline, por sua vez, detestava corrida de carros. Mas vez ou outra comparecia, sempre muito bem arrumada e acenando lindamente como uma futura rainha. Ela achava aquele um dos eventos mais chatos que precisava participar. Mas quando eu corria, no nosso percurso que meu pai fez para nós, ela gostava de assistir. Pauline sempre teve orgulho de me ver fazendo aquilo. E me incentivava a seguir com meu sonho de ganhar o mundo dentro das competições de carro.

Assim que embarcamos no carro real que nos levaria, Pauline me perguntou em voz baixa:

- Preparada?

- Sim. – falei sem ter certeza.

- Você está muito bonita hoje, Alexia. – disse minha mãe. – Devia usar batom vermelho mais vezes. Cai-lhe muito bem.

- Obrigada, mamãe.

- Ela está assim porque vai ver o Andrew. Eu aposto. – Aimê falou debochadamente.

- Sua diabinha. – falei já arrependida de ter dito aquilo.

- Aimê, você está proibida de falar sobre isso com seu primo. – disse minha mãe.

- Posso pedir para ele tirar uma foto comigo para eu postar? – ela tentou, fazendo sinal de oração.

- Não. – mamãe foi curta.

Ela suspirou forte e cruzou os braços, insatisfeita.

Demoramos em torno de quinze minutos para chegarmos ao autódromo de Alpemburg. Minha mãe e Pauline assim que desceram já foram cercadas pela imprensa local e alguns admiradores. Dois seguranças que vinham no carro de trás as ajudaram enquanto eu e Aimê já havíamos acessado o local, sem passar pela entrada comum, por sermos da realeza. Esta era uma das vantagens de ser princesa: raramente eu enfrentava filas. Exceto na escola, que sempre faziam questão de me deixar por último, certamente como castigo por saberem que eu não passava por isso e como forma de fazerem bullying, embora eu não os incomodasse em nada. Era como se dissessem: “ei, aqui você não tem privilégios. Então será a última em tudo”. Então quando eu não era a primeira por ser a princesa, eu era a última por ser só uma aluna de Ensino Médio, tendo os mesmos direitos e deveres que qualquer um. Nunca me deram sequer uma chance de mostrar que eu não era uma má pessoa. E isso foi assim desde o Ensino Fundamental. Eu nunca reclamei com meus pais com relação a isso. Sabia que eles tinham problemas muito maiores que me auxiliar a me entrosar no Ensino Médio. E eu sabia que era temporário. Mais cedo ou mais tarde eu concluiria os estudos e nunca mais voltaria ali, nem veria aquelas pessoas novamente. Eu achava interessante é que não gostavam de mim, mas adoravam meu pai como rei. Vai ver eu realmente não era nada amistosa ou simpática, mesmo não abrindo a minha boca para discutir. O certo é que garotos e garotas entre quinze e dezoito anos conseguiam ser bem cruéis quando queriam. Mas eu era forte. Sobrevivi por quatro anos, sempre tirando as melhores notas, não me importando em ser a última na fila da refeição, da aula de esporte, na hora do chuveiro, com minhas coisas no armário de baixo... Isso não me faria deixar de ser a princesa de Alpemburg. Afinal, eu estava ali só para estudar, nada mais. Amigos eram consequência e namorado eu já tinha: Gael, um homem maduro e responsável, com seus vinte e quatro anos de idade.

Sentei-me com Aimê nas cadeiras reservadas para nós, na primeira fileira. Assim que meu pai nos viu, veio até nós. Procurei pelos Chevalier, mas não os vi. Meu coração já batia tão forte que era como se eu estivesse prestes a ver Andrew a qualquer momento. Papai deu um beijo em cada uma de nós, do lado de fora da arquibancada, dentro da pista e perguntou:

- Onde estão sua mãe e Pauline?

- Ficaram com a imprensa. – expliquei.

- Papai, tire uma foto comigo. – pediu Aimê já posicionada sorrindo forçadamente com o celular na mão.

Claro que meu pai tirou a foto com ela, que postou imediatamente. Meu pai detestava holofotes, mas fazia porque era para ela. Ele ficou longe da mídia até adulto. E assim como foi com ele, tentava me proteger por eu não precisar ficar tão exposta quanto Pauline e não querer a fama, como minha irmã mais nova. O irmão dele, futuro rei, que aparecia na mídia e meu pai, até então, nunca havia sequer tirado uma foto que pudesse expô-lo. Só foram conhecer o rosto dele quando meu tio morreu e ele ficou como novo herdeiro do trono de Alpemburg. E ele sempre dizia que uma das melhores coisas que meus avós fizeram foi protegê-lo daquela forma. Ele sabia que eu era a única filha que ele conseguiria proporcionar o mesmo tipo de privilégio que ele teve. E que lhe fez bem.

Minha mãe e Pauline conseguiram chegar e sentaram-se ao nosso lado. Satini D’Auvergne Bretonne estava simplesmente perfeita, como sempre. E todos em Alpemburg simpatizavam muito com a rainha e o rei. Ainda assim havia resistência com relação à Pauline D’Auvergne Bretonne assumir quando meu pai morresse ou decidisse passar a coroa, junto com toda a responsabilidade, para ela.

Eu ficava o tempo inteiro tentando encontrar meu Chevalier, mesmo com o grande fluxo de pessoas no local da largada. Eu ri de mim mesma. Sequer sabia se ele era como os jornais e internet divulgavam.

Em torno de trinta minutos e os carros já estavam na ordem de largada. Este era um dos momentos que o piloto sentia mais adrenalina, além da chegada. Eu estava ansiosa, já imaginando como meu pai se sentia naquele momento. Geralmente eu tinha um frio na barriga nesta hora. E ele já havia me confessado que sentia a mesma coisa. Eu lembro que quando ele me contou eu ri e disse: “Não sabia que homens também sentiam frio na barriga”. Ele me devolveu o seguinte: “A primeira vez que senti um frio na barriga foi quando vi sua mãe, sentada numa calçada, com os olhos nos meus”. Eu achei aquilo tão fofo. E ele completou: “Quando você sentir isso, saberá que esta é a pessoa com a qual você vai querer passar o restante dos seus dias.” Então eu esperava um dia encontrar o homem que me faria sentir o frio na barriga, como eu sentia na largada da corrida. E para constar: nunca senti frio na barriga com Gael, embora eu gostasse dele. E se não fosse o fato de Andrew Chevalier estar presente naquela corrida e em Alpemburg, mesmo sem “frio na barriga” eu estaria satisfeita com meu namoro morno com Gael.

Finalmente a largada foi sinalizada. E os carros partiram. O ronco dos motores era um dos sons que eu mais gostava de ouvir na vida. Aquela manhã estava agradável. Era primavera e o sol não estava quente, somente nos brindava com sua presença.

Os GP’s de Alpemburg eram sempre grandes eventos e costumavam reunir muitas pessoas, especialmente quando o rei Estevan corria, o que era frequente. Meu pai exigia ingressos pela metade do preço, para que todas as pessoas que quisessem pudessem ter acesso. Geralmente ele abria mão do valor do prêmio recebido em dinheiro para compensar “a perda” que eventualmente os organizadores poderiam ter.

Meu pai saiu na frente e se manteve assim praticamente o tempo inteiro, seguido por nada mais, nada menos, que Andrew Chevalier, surpreendendo a todos. Eu mesma achava que Andrew era muito mais um metido a piloto do que um piloto de verdade. Mas percebi que ele era habilidoso vendo a forma como ele dirigia. Na última volta, claro que eu não estava mais sentada... Estava de pé, quase dentro da pista, roendo minhas unhas porque Andrew estava praticamente encostado no meu pai. Sequer vi a posição de Gael ou Henry. Meu coração batia tão forte e eu gritava sem parar:

- Segura, pai! Você consegue!

Mas incrivelmente, meu pai perdeu a invencibilidade em Alpemburg para Andrew Chevalier, o garoto de Noriah Sul, príncipe sem coroa, filho de Magnus, o queridinho do mundo inteiro.

Fiquei parada incrédula, olhando os carros diminuírem a velocidade. Certamente meu pai ficaria arrasado, embora soubesse perder. Mas perder em Alpemburg seria decepcionante para ele.

- Papai vai ficar chateado? – Aimê me perguntou tristemente.

- Eu acho que ele vai superar. – coloquei meu braço sobre os ombros dela.

- Vamos até o pódio? Eu quero as suas flores.

Eu ri:

- Ok, vamos lá para você roubas as minhas flores.

- Mamãe, vamos até o pódio? – ela pegou as mãos de minha mãe.

- Claro... Embora o humor de seu pai vai estar péssimo. – ela disse.

Então seguimos, eu, minha mãe e minhas irmãs até o pódio. Eu já não estava mais tão curiosa com Andrew... Consolar meu pai era minha prioridade naquele momento.

Até vê-lo... Ah, meu coração ficou entre parar e não bater nunca mais, me levando à morte; ou bater tão forte a ponto de me infartar. Porque Andrew Chevalier não era como eu esperava ou imaginava... Ele era simplesmente muito melhor do que nos meus sonhos. Ele estava junto de meu pai e Henry, que eu acredito que havia tirado o terceiro lugar, por estar no pódio também. Henry havia mudado pouco do que eu lembrava dele. Ainda parecia o garoto de oito anos atrás, debochado, divertido, cabelos escuros não muito curtos, numa espécie de corte displicente. A pele era alva e os olhos claros,confundindo entre o mel e o verde. Ele sorriu na nossa direção, provavelmente nos reconhecendo por causa de minha mãe.

Então meus olhos encontraram os de Andrew. E eu senti o frio na barriga que meu pai disse que só se sentia com o amor da sua vida. E não... Eu não podia sentir aquilo com ele. O sangue parecia ferver dentro de mim e minhas pernas tremiam ferozmente, quase me impedindo de caminhar. Então eu parei, antes que eu derretesse feito sorvete ao sol, sem chegar ao meu destino. Eu poderia, ou melhor, “eu deveria” tirar os meus olhos dos dele... Mas não conseguia. Era como se eu tivesse completamente hipnotizada.

Pauline me pegou pelo braço, me apoiando no seu corpo e disse no meu ouvido:

- Respira e limpa a boca porque sua baba está escorrendo. – ela começou a rir.

- Eu vou morrer. – falei ofegante e tentando puxar o ar profundamente.

- É melhor você se recompor antes de ser apresentada oficialmente a ele.

- Vou tentar... – foquei meu olhar no chão.

As premiações foram anunciadas e Andrew recebeu o colar de flores, que era sempre de meu pai e consequentemente meu.

Olhei para meu pai, que não parecia muito triste. Pelo contrário, ele sorria e conversava com os Chevalier divertidamente. Assim que a imprensa saiu de perto, eles conseguiram descer. Então Andrew e Henry acompanharam meu pai até nós.

Conforme ele chegava perto, minha barriga começava a doer cada vez mais e meu tremor voltou. Por que eu tinha que ser assim, tão idiota?

- Meninas, estes são seus primos, Andrew e Henry.

“Primos”... Claro que meu pai tinha que usar esta palavra para cortar qualquer clima que pudesse existir. Andrew estava com os cabelos curtos, mas não muito. Estavam levemente arrepiados, deixando-o ainda mais perfeitos. Ele tinha cabelos claros, mas não muito loiros. Os olhos eram avelã, muito parecidos com os do meu pai. Ele era alto... Mais do que eu. Continuava magro, mas eu imaginava músculos debaixo daquele macacão. E a barba estava crescida, talvez há uns três dias sem fazer.

Começamos a nos cumprimentar todos educadamente. Quando ele chegou até mim, meu pai disse:

- Esta é Alexia. Filha, Andrew, seu primo. Não sei se você ainda lembra dele.

Andrew olhou no fundo dos meus olhos, pegou minha mão e me deu um beijo demorado no rosto, dizendo em tom baixo no meu ouvido:

- Oi, esposa.

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