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3. Família D'Auvergne Bretonne

- Eu não quero que ele saiba que eu piloto, Pauline.

- Por quê?

- Porque nosso pai não quer que eu conte para ninguém.

- Eu ainda acho que você deveria assumir ao mundo que ama pilotar e que é melhor que muitos homens.

- Talvez este dia chegue em breve. Mas por hora, não. Eu jamais faria isso sem falar com papai antes.

- Não entendo porque nosso pai sempre a incentivou e é tão orgulhoso de você ser uma ótima pilota e ao mesmo tempo a obriga a fazer disto um segredo.

- Você sabe como ele se sente com relação às filhas...

- Alpemburg é uma droga... O reino decidiu ser machistas justo agora, na minha vez de assumir.

- Claro que isso só aconteceu agora porque você será a primeira rainha. E eu tenho orgulho de você, Pauline.

Ela me abraçou e eu retribuí. Éramos assim, carinhosas uma com a outra, desde sempre.

Um forte flash, seguido do som de foto, fez com que levantássemos da cama rapidamente, com os cabelos desarrumados. E lá estava Aimê, batendo outra foto:

- Isso vai para a minha primeira postagem do dia. Estou pensando na redtag: “Estas princesas descabeladas são o futuro de Alpemburg?”

Ela sorriu debochadamente e eu gritei:

- Eu vou matar você.

Sai correndo enquanto ela já estava fora do quarto, correndo com suas pernas ágeis de criança. A persegui pelo extenso corredor dos quartos e Aimê parou próxima da escadaria, rindo sarcasticamente:

- Você só promete... Mas nunca consegue me pegar.

- Ah, sua monstrinha virtual.

Ela desceu rapidamente a escada, pulando dois degraus por vez. E sumiu pela porta principal, sem deixar vestígios.

Fiquei parada ao pé do último degrau da escadaria, ofegante, colocando minhas mãos no coração, que batia mais forte que o normal.

- Acho que você deveria começar a treinar corridas com as pernas e não só com carros. – observou minha mãe, junto de meu avô.

- Mãe, ela tirou fotos sem permissão. E disse que vai postar...

- Não vai postar porra nenhuma. – disse Satini.

Meu avô olhou para ela repreensivamente.

- Claro que vai. – contestei.

- Se ela fosse postar tudo que fotografa, ela não viveria fora do celular. – disse Satini subindo as escadas.

- Mas ela mal vive fora do celular. – aleguei.

Meu avô veio até mim e abraçou-me com força, erguendo meu corpo para que eu descesse da escada:

- Vai correr amanhã?

- Não.

- Por qual motivo?

- É uma corrida importante. Papai não falou nada sobre eu participar... Além disso... – me calei quando pensei em mencionar o que estava na minha mente.

- Fale, querida.

- Bem... Os Chevalier vão correr, não é mesmo?

- Se fosse para apostar, eu apostaria em você e não em Andrew.

Eu ri:

- Não brinque, vovô. Andrew é bom nisso.

- E você não é boa... É ótima.

- Eu não gostaria de ganhar de Estevan D’Auvergne Bretonne. – brinquei.

- Acho que em breve você superará seu professor... Que é seu próprio pai. – ele sorriu lindamente.

Eu era simplesmente apaixonada por meu avô. Ele era absolutamente incrível. Eu nunca o vi falar uma palavra ofensiva ou que denegrisse de qualquer forma a imagem de alguém. Ele era o tipo de pessoa que só tinha pensamentos bons e altruístas. Só existia uma pessoa que ele literalmente não gostava: o pai de Alef.

Como já mencionei, eu não sabia o que havia acontecido no passado entre ele, minha mãe, meu pai e meu avô. O certo é que ninguém tinha intenção de nos contar. Léia havia deixado o castelo visivelmente descontente, mas não contestou a decisão de meu pai.

O fato é que mesmo Alef e Léia tendo sido afastados, isso não o impediu de continuar vendo Pauline às escondidas. Mas só eu sabia sobre isso. Era um segredo entre nós duas. E embora eu não concordasse com o relacionamento tóxico que eles tinham, nunca trairia a confiança de minha irmã.

- Estressada com a pequena Aimê? – ele perguntou colocando o braço sobre meus ombros.

- Muito... Ela tem o dom de me irritar... Então fica aquela sensação de “eu amo uma monstrinha”. – sorri.

- Que tal um sorvete? Só nós dois? – ele convidou.

- Jura? Durante a manhã? – o abracei. – Claro que aceito.

Quando eu saía com meu avô, íamos sempre no carro dele. Era um dos momentos em que eu me sentia livre. E acostumado com a realeza desde sempre, ele tinha os melhores e mais divertidos disfarces no carro para que passássemos despercebidos em qualquer lugar.

Descemos os degraus até a garagem e em poucos minutos eu já estava sentada na frente, no banco do carona, procurando algo dentro do porta-luvas que me deixasse irreconhecível.

Ele ligou o carro e partimos enquanto eu escolhia um óculos grande, escuro e um boné com o símbolo da bandeira de Alpemburg, onde coloquei meus cabelos compridos e ruivos para dentro.

- O que achou? – perguntei fazendo caras e bocas, divertidamente.

Ele abriu um sorriso largo:

- Parece uma certa pilota de corridas que conheço que sempre disfarça sua verdadeira identidade.

- Ela seria ruiva? – brinquei.

- Ruiva, mistura do pai e da mãe... Mas com os olhos da avó mais linda do mundo inteiro.

- Vovó Pauline... – falei orgulhosa.

- Seus olhos são exatamente como os dela... Verde água, limpos e cristalinos. Foi a única coisa que sua mãe não herdou dela.

- Esta foi a minha herança. – sorri colocando a mão sobre a dele.

Eu sabia o quanto meu avô gostava de falar sobre Pauline, seu único e verdadeiro amor da vida inteira. Ele nunca se envolveu com ninguém depois que ela morreu. E isso já fazia mais de quarenta anos.

- Eu gostava de levar sua mãe para tomar sorvete. – ele disse estacionando em frente à sorveteria.

- Que bom que hoje tomar sorvete não é um sonho, como minha mãe tinha. Deve ter sido horrível viver por dezesseis anos trancada dentro de um castelo, tipo Rapunzel.

- Satini sempre foi forte. E depois que viemos a Alpemburg, vínhamos tomar sorvete todos os dias aqui.

- Agora sobrou sua neta para você pagar o sorvete.

Descemos do carro e Sean foi pegar o sorvete enquanto eu procurei uma mesa vaga na calçada para sentarmos. Ele trouxe-me sorvete de chocolate, como sempre. Minha mãe ainda vinha com ele tomar sorvete, mas com as filhas e as tarefas diárias enquanto rainha, o tempo dela começou a ficar curto. Mas ele tinha eu: a princesa que não era futura rainha, tampouco a famosa digital influencer do castelo. Alexia d’Auvergne Bretonne era só uma garota comum, em busca de si mesma. Romântica, tímida, cheia de pensamentos e ideias, tentando decidir o que fazer do seu futuro.

Pauline não teve muitas escolhas na vida. Seu futuro já estava traçado antes mesmo de ela nascer: ser rainha de Alpemburg. E para isso ela tinha meu pai e minha mãe ao lado dela. Eu me achava com sorte por poder fazer algumas escolhas, que meus pais não influenciavam tanto por eu não ser a filha mais velha. Eu só precisava decidir o que fazer. E só não podia ser pilotar carros, que era a coisa que eu mais amava na vida.

- Vovô... Sabe quanto tempo os Chevalier vão ficar? – perguntei fingindo despretensão.

- Não sei.

- Será que já chegaram em Alpemburg?

- Sim. Estevan me comentou algo sobre eles estarem perto do local onde será a corrida amanhã. Depois irão para o castelo de Alpemburg.

Ele deixou os óculos escuros descansarem bem na ponta do seu nariz, me encarando seriamente:

- Você acha que eu não sei que você gosta de Andrew?

Senti meu coração bater fortemente e fiquei sem jeito.

- Se você corar assim quando olhar para ele, não precisará falar absolutamente nada sobre seus sentimentos... Ele saberá.

- Eu... Não gosto dele. Eu mal o conheço. – menti. – Eu gosto de Gael.

Sean riu divertidamente:

- Sim, você mal conhece Andrew... E o engraçado é que exatamente ele e Henry virão entregar os convites pessoalmente, quando Dereck poderia ter feito isso virtualmente ou ele mesmo ter vindo com Kim para Alpemburg.

- O que você está tentando dizer, vovô?

- Que acho que Andrew também tem interesse em saber o que o tempo fez com você, minha ruiva favorita.

Aquelas palavras mexeram comigo e fizeram meu estômago borbulhar.

- Papai não gosta de Andrew... Não sei como vai ser isso. – falei preocupada.

- Não é que Estevan não goste de Andrew. Ele só não gostou do que houve naquela vez. E entenda, pode ter sido uma brincadeira inocente e um beijo sem segundas intenções... Para você. Porque Andrew Chevalier tinha dezesseis anos.

- Eu estava lá... Não foi com nada com más intenções, acredite.

- Da sua parte, claro que não, Ale.

- Eu juro que da dele também não...

- Enfim, já passou. E não, seu pai não tem nada contra ele. Duvido que Estevan retomará este assunto.

- Torço para que não... Eu me sentiria péssima... Por Andrew.

- Seu pai é um rei... E além de ser parente do pai de Andrew, ele deve muito aos Chevalier.

- Eu discordo da parte “parentes”.

- Magnus e Estevan são primos. E você sabe disso.

- Teoricamente meu pai é primo de segundo grau de Andrew.

- Exato.

- E eu já nem estou mais nesta linha de parentesco.

Ele riu:

- Podemos dizer que não. Mas você já conversou com sua mãe sobre isso?

- Sim... Hoje mesmo no café da manhã.

- E o que ela disse?

- Que meu pai faz questão de tratar como parentesco... Mas que ela não se importa muito com isso.

Ele gargalhou:

- Se ela dissesse o contrário, eu teria uma conversa bem séria com ela.

- Por que exatamente? – perguntei curiosa.

- Deixa para lá... Melhor tomarmos nosso sorvete e falarmos sobre... Gael e seu futuro casamento com ele?

Eu fiz uma careta:

- Não quero casar tão cedo.

Ele riu:

- Entendo...

Quantos segredos eram escondidos de nós? Agora surgia a questão de minha mãe e parentescos... O que Satini Beaumont teria feito no passado relacionado a isso?

Almoçamos todos juntos e à tarde meu pai voltou para casa, a fim de trabalhar com meu avô no motor novo do carro que ele iria usar. Ele havia construído uma pista de corrida próxima ao castelo, onde ele treinava e também me ensinava.

Eu dirigi pela primeira vez com quatorze anos, escondida dele. Com quinze ele acabou me deixando guiar, ficando ao meu lado. Com dezesseis eu já corria melhor que muitos pilotos amadores que tinham um bom tempo de estreia nacional. E hoje, com dezoito, era quase melhor que meu pai. Certamente antes dos vinte anos eu o venceria facilmente numa corrida. O meu segredo: eu não tinha pressa na saída... Nem no meio. E alcançava todos no final. Porque meu objetivo principal sempre foi me divertir e sentir a adrenalina... Perto do fim, meu sangue ficava tão quente que parecia ferver dentro de mim. E tudo que eu queria era mostrar a todos que eu era a melhor em alguma coisa na minha vida. Então eu dava tudo de mim e vencia. Menos meu pai, que sempre estava lá na frente de todos.

Passei a tarde com eles, entendendo melhor sobre o novo motor que meu avô havia criado. Mas não tocamos no assunto “Chevalier”. Até porque meu pai não tinha medo que ninguém tirasse o primeiro lugar, que sempre foi dele em Alpemburg.

Fui dormir mais cedo naquela noite. Porque eu queria que passasse logo o tempo e amanhecesse para eu finalmente ver Andrew Chevalier depois de oito anos.

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