Capítulo 7
Lemi Murabak
Desde o fatídico acidente que deixou minhas pernas deformadas, eu me isolara do mundo. A dor física era insuportável, mas a dor emocional era ainda maior. Eu não queria que ninguém visse minha fraqueza, minhas imperfeições. Vivia em um torpor constante, perdido entre os escombros do meu passado.
No entanto, o destino sempre parece encontrar uma maneira de nos puxar de volta à vida. Meu pai, governante de Karilink, tomou uma decisão que mudaria tudo para mim. Ele fez de mim o próximo governante e, para honrar sua promessa, eu precisava arranjar uma esposa. Uma esposa de mentira, para ser mais preciso.
Nunca me passou pela cabeça que um dia eu precisaria recorrer a tal artifício. A solidão, para mim, era uma escolha deliberada. Mas meu pai, com sua sabedoria, não pensava dessa forma. Ele queria que eu firmasse uma família. E como sempre diziam, o amor pode vir com o tempo.
Ao tomar conhecimento dessa promessa, meu irmão Aslan veio até mim. Seus olhos revelavam preocupação e curiosidade enquanto ele me encarava. Aproximou-se com cautela, sabendo que minha resistência era forte como uma fortaleza.
"Lemi, precisamos conversar. Soube da promessa que você fez para o nosso pai", ele disse com voz hesitante.
"Como você queria que eu agisse? Papai está naquela cama. Segundo nossa mãe, ele tem pouco tempo de vida. Eu não iria negar uma coisa dessas, mesmo não querendo me casar com ninguém."
"Sei que você não quer ninguém em sua vida, ainda mais uma esposa. Mas, talvez, essa seja uma oportunidade para você se abrir para novas possibilidades. Você já sofreu o suficiente, Lemi. Será que não merece um pouco de felicidade?"
"Por que um manco como eu precisa de uma esposa? Só se for para ela ter vergonha."
"Não falei isso, meu irmão. Você sabe que…"
"Aslan, chega desse papo. Eu sei muito bem da minha situação e você não."
"Talvez se você não tivesse fugido, sua família poderia ter te ajudado."
"Foi para isso que me chamou? Para falar de coisas que eu não quero?" Digo com os nervos à flor da pele.
"Vou lhe dar o mesmo conselho que você me deu alguns anos atrás: arrume uma esposa de mentira e case-se com ela, já que você não quer compromisso de verdade com nenhuma mulher."
Suas palavras ecoaram em minha mente, ecoando a verdade que eu tanto me recusava a enxergar. Talvez eu precisasse de alguém, de alguém que pudesse me ajudar a superar meus demônios internos. Mas, como encontrar essa pessoa? Como arrumar uma esposa de mentira?
Os pensamentos estavam inundando minha mente, me afogando na incerteza do meu plano. Será que isso daria certo?
Em meio a essas reflexões, meu irmão Aslan surgiu diante de mim, desviando minha atenção para algo mais urgente. Seus olhos refletiam preocupação e um leve desespero. Eu sabia que alguma coisa séria havia acontecido, algo que o fazia me chamar à sua presença.
"Lemi, eu preciso da tua ajuda", ele começou, sua voz carregada de tensão.
Olhei para ele, notando o peso em suas palavras. Suspirei, pronto para negar o que quer que Aslan fosse me pedir.
"O que está acontecendo, Aslan?" Queria entender o motivo de tanta aflição.
Com um olhar de felicidade, meu irmão me fez uma revelação que me deixou feliz: "Diana está grávida novamente."
A notícia me atingiu como um raio, fazendo-me questionar a rapidez com a qual Aslan estava construindo sua família. Era algo incomum, preocupante até. Eu não conseguia compreender como ele poderia se aventurar nesse caminho tão cheio de responsabilidades.
"Outro filho? Vocês estão querendo povoar Kudsi somente com os seus filhos?"
"Lemi, eu sei que é difícil para você entender. Mas a vida toma rumos inesperados e a felicidade pode chegar quando menos esperamos", ele tentou me tranquilizar, mas a preocupação ainda era latente em seu rosto. "Amo Diana, e nosso amor rende cada vez mais frutos."
Qualquer um que olhasse para seu rosto poderia ver que ele estava feliz, mesmo com tantos problemas e com a doença do nosso pai.
"Mas o que eu quero lhe pedir é outra coisa. Eu não posso me ausentar, Diana tem passado mal neste comecinho de gravidez."
Foi então que ele me revelou o verdadeiro motivo de sua angústia. Algo relacionado aos negócios da nossa família, algo que poderia abalar nossas vidas e comprometer tudo o que construímos.
"Estamos preocupados com nossos negócios, na verdade, a nossa rede de hotéis."
Aslan explicou que algumas ações da rede de hotéis da família haviam sido herdadas por um novo sócio, alguém que não compartilhava dos mesmos valores e desejos. Apesar de oferecerem um valor maior do que o mercado, o homem se recusava a vender as ações.
O destino estava me pregando uma peça, pois eu não queria estar ali, não queria ser governante de nenhum país e nem mesmo me casar, mas eles eram minha família, como eu iria negar algo a eles?
"Aslan, eu não quero me envolver nos negócios da família, você sabe disso", meu tom de voz sério e decidido.
Meu irmão respirou fundo, demonstrando tristeza. Ele me explicou que precisava da minha ajuda para investigar o tal sócio e descobrir seus verdadeiros intentos. Eu era a única pessoa de confiança, a única que poderia ajudá-lo nessa empreitada.
"Ele irá assinar os papéis amanhã, ele mora no Brasil e já entrou em contato conosco para que essa reunião seja feita o mais rápido possível."
"Você quer que eu vá para o Brasil para
bisbilhotar a vida de um novo sócio? Eu tenho outros negócios para tratar, Aslan."
"Lemi, não é um simples sócio!" Ele andou pelo escritório. "Nós ofertamos muito dinheiro pelas ações e ele não aceitou. Receio que esse homem quer algo mais do que as simples ações."
"Está bem, eu vou até o Brasil."
"Nós temos que agir com cautela, meu irmão. Não sabemos quem é esse homem e do que ele é capaz."
"Eu vou tomar cuidado, pode ficar tranquilo." Mas eu tinha que fazer uma pergunta que estava martelando em minha cabeça. "Você acha que o papai…"
"Eu não sei, meu irmão." Seu olhar ficou perdido assim como o meu. "Talvez ele espere que você se case, sabe que quando ele e a mamãe querem casar um filho, eles conseguem. O grande exemplo somos eu e a Aisha. Estamos casados graças aos nossos pais. E, por incrível que pareça, nós estamos felizes."
"Acho que eu nunca saberei o que é felicidade. Talvez Alá tenha me privado desse sentimento."
Assim que saí do escritório, fui para um dos lugares que me trazia tristeza dentro daquela fortaleza que era o palácio. Tudo tinha sido reformado e estava diferente, acho que meu irmão quis mudar tudo para que ninguém se lembrasse do que aconteceu naquele dia.
Mas eu não podia me esquecer, as marcas estavam em minha pele, e a dor ainda era sentida em meu peito. Não me arrependo do que fiz, pois salvei a vida da mulher do meu irmão, mas estar ali me trazia monstros adormecidos, eu não podia negar.
Fiquei parado por um tempo observando cada flor colorida que foi plantada ali, agora formando um lindo jardim que deixava toda a tristeza para trás. Peguei meu celular e liguei para minha secretária, que atendeu depois de vários toques.
"Alisson, nós vamos para o Brasil."
"Como assim?" Escutei sua respiração. "Eu não vou para o Brasil."
"Vou lhe enviar uma mensagem com o horário em que você deve estar no aeroporto. Ou você já sabe, será demitida." Eu sabia que ela ia bufar.
"Sim, senhor Murabak. Eu estarei lá." Sorri ao saber que a tinha em minhas mãos.