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CAPÍTULO 4

 

 Algumas horas antes...

 Vila de Imlil, Marrocos.

 

 —Samara... Você tem que se apressar... Não se preocupe mais com os vegetais, afinal, você não vai precisar mais disso.

 Samara observava Hagar, enquanto suas mãos tremiam de medo. Ajustou a mochila ao seu corpo e segurou o véu com mais força.

 —Estou morrendo de medo... Não consigo deixar de pensar que esse homem consiga me encontrar a qualquer momento.

 Hagar saiu de trás da barraca de legumes e veio segurar as mãos dela.

 —Vai ser muito rápido, além disso, Jalil estará com você, vá agora....

 Samara apertou os lábios. A vontade de chorar se gerou em sua garganta ao saber que sua amiga de infância, Hagar, não estaria mais em sua vida de agora em diante.

 No entanto, ela não estava se despedindo porque queria deixar sua cidade, mas sim porque estava fugindo do seu pai Ali, pois, a essa altura, sua vida dependia disso.

 Há alguns meses, sua mãe, Fátima, tinha falecido em sua própria casa, e Ali nem sequer havia lhe dado a sua mãe um enterro adequado.

 Ela era a única razão pela qual permanecia naquela casa, porque desde que se lembrava, ela sempre quis fugir com sua mãe das garras do Ali.

 Samara morava no vilarejo de Imlil. Tinha uma pequena barraca de legumes que administrava com sua mãe desde criança, onde trabalhavam para sobreviver.

 Embora estudasse em uma escola rural, com apenas cinco crianças de diferentes idades, Fátima sempre a instruía em casa, ensinando-a a desenvolver muito bem o inglês. Embora em suas lembranças, ela sempre conseguiu se sair bem com essa língua.

 Isso lhes deu uma vantagem nas vendas e, embora o vilarejo de Imlil não fosse muito turístico quanto os outros, ela atendia a qualquer estrangeiro, fazendo com que seus ganhos do dia fossem melhores do que os ganhos de um mês.

 Durante esse tempo todo, elas sofreram todos os tipos de abuso do pai Ali; a mãe sempre a lembrava de ter fé que ele mudaria, mas esse dia nunca chegou, apesar de suas orações.

 Praticamente, surras e insultos eram o pão de cada dia.

 Eles ainda não sabiam do que a mãe dela tinha morrido, Ali nunca a levou para um posto de saúde mesmo quando ela tossia impiedosamente, e Samara tinha que se virar para conseguir fazer um chá para aliviar os problemas de saúde da Fátima.

 A Samara conhecia poucas pessoas, pois o mercado de verduras era o único lugar para onde ela tinha permissão de ir, além de ser o único meio de subsistência da casa, e Ali bebia em excesso e era muito exigente.

 Hagar foi sua primeira e única amiga, e Samara se lembrava vagamente de que, no início, ela tinha dificuldade para se comunicar em sua língua materna, mas não sabia por quê.

 Todos diziam que ela se parecia com sua avó, a mãe da Fátima, que a deserdou por ter fugido de casa para morar com o Ali antes do casamento.

 A Samara abraçou Hagar enquanto as lágrimas brotavam em seus olhos e ela não conseguia contê-las.

 —Vou sentir muito a sua falta....

 Hagar a afastou, e era evidente que seus olhos também estavam cheios de lágrimas.

 —Você será muito feliz a partir de agora... você vai ver que o Jalil é um bom rapaz e a ama como ninguém.

 Samara assentiu com a cabeça e, entre elas se enxugaram as bochechas.

 —Espero vê-la novamente...

 —Você vai pensar nisso mais tarde —insistiu sua amiga Hagar, olhando para os dois lados—. Vá agora, tenho medo de pensar que o seu pai vai aparecer a qualquer momento....

 Samara olhou para sua pequena barraca de legumes, a mesma que a Fátima usava ano após ano e onde ela a tinha visto chorar em desespero por coisas que, na época, ela não conseguia entender.

 Sua mãe tinha sido muito mística em muitas ocasiões, mas agora ela entendia que provavelmente, ela mesma a tinha segurado para escapar do pai.

 Talvez a Fátima sonhasse com uma família feliz, talvez fosse isso que sua mãe quisesse para ela.

 Caminhando rapidamente e cobrindo o rosto, ela correu para o terminal de transporte onde se encontraria com o Jalil.

 Samara tinha um enorme nó na garganta e seu coração estava acelerado.

 Embora ela fosse fazer 20 anos em alguns meses, o Jalil era apenas dois anos mais velho. Ele também era inexperiente, com uma família rígida, mas compartilhava os mesmos sonhos que ela de viver uma vida tranquila e livre.

 Assim, eles iriam para a principal cidade do Marrocos, Rabat, onde encontrá-los seria muito difícil para ambas famílias. Eles tentariam a sorte e tentariam reunir os recursos necessários para ir para a França, um país onde não se sentiriam perseguidos.

 Samara amava muito Jalil, eles haviam basicamente crescido juntos e, na adolescência, perceberam que não era apenas a amizade que os tornava compatíveis.

 O Jalil lhe deu seu primeiro beijo quando tinha 15 anos, e eles mal se abraçaram às pressas quando ela fez 18 anos.

 A estação de ônibus estava frente aos seus olhos, ainda não conseguia ver o Jalil em lugar nenhum e, embora o clima estivesse frio, seu corpo estava suando com a expectativa do momento.

 Pegou seu pequeno telefone nas mãos, percebendo que eram nove da manhã, exatamente como Jalil tinha planejado, e quando mais cinco minutos se passaram, ela começou a se preocupar e olhou em volta desesperadamente.

 —Onde você está? —Samara perguntou a si mesma em um sussurro, enquanto a fila à sua frente começava a entrar no ônibus.

 E esse era o ônibus dela.

 Pressionando os lábios, ela começou a sentir medo, mas então se lembrou do Jalil dizendo que ela deveria entrar no ônibus, mesmo que ele estivesse atrasado.

 Ela começou a andar na fila e procurou o dinheiro que tinha para as passagens. A fila andava um passo de cada vez e, quando ela chegou à porta do ônibus, uma mão áspera a puxou para fora da fila.

 Seus olhos se arregalaram quando ela viu o Ali e mais três homens apertando os ombros do Jalil.

 Sua garganta ficou seca quando os olhos de Jalil olharam para ela com um sinal de que ele se sentia culpado por esse acontecimento.

 —Ande sem fazer barulho... porque seu namoradinho sofrerá as consequências se você fizer alguma besteira...

 Samara assentiu rapidamente diante da ameaça e começou a andar, até que tanto Ali quanto os três homens desconhecidos tomaram a direção dos becos. E assim que as pessoas pararam de passar pelo local, ela e o Jalil foram bruscamente colados à parede.

 —Sinto muito, Sam... esse desgraçado nos descobriu...

 Ela negou rapidamente, mas Ali se aproximou para dar um golpe no estômago do Jalil que o deixou sem fôlego. Até o fez cair no chão.

 —Papai, não...!

 Ela se jogou no chão para ajudar Jalil, mas os braços de seu pai a pegaram como uma boneca de pano.

 —Eu não sabia que você queria tanto ir para a cidade... você deveria ter me contado, sua filha maldita!

 Um tapa em sua bochecha a deixou atordoada instantaneamente, e ela teve que ficar parada para manter o equilíbrio e esperar para se recuperar.

 Ela ouviu Jalil insultando seu pai, mas os três homens começaram a bater nele sem piedade.

 Eles iriam matá-lo se continuassem.

 —Ali... por favor! Pare! Farei o que você quiser, por favor, não....

 Ali levantou a mão para dizer aos homens que parassem, enquanto Jalil soltava um bocado de sangue pela boca.

 —Bom, princesinha do papai, já que você quer tanto ir para a cidade, vou propor uma mudança.

 —Não...! Não aceite nada desse homem, Sam... ele não vai... —seu namorado tentou intervir, mas seu pescoço estava preso e um dos homens de Ali começou a apertá-lo enquanto Samara entrava em desespero.

 —Ali! —ela gritou aterrorizada.

 —Você virá comigo para a cidade, Samara, e vai se comportar, porque assim que você começar a me dar problemas, darei a ordem para matar esse imprestável.

 Ela assentiu rapidamente com lágrimas escorrendo pelo rosto.

 —Farei o que você mandar, farei, mas deixe-o ir, você vai matá-lo.

 Jalil foi solto no chão e ela correu para agarrar seu rosto.

 —Jalil...!

 O garoto tossiu, enchendo seu rosto com um pouco de sangue, mas ela o abraçou.

 —Me perdoe, Sam... Me perdoe...

 Jalil começou a chorar e Samara soltou um soluço ao ver que o que eles tinham planejado por meses, havia desmoronado em um segundo.

 Esses homens vasculharam suas roupas e mochila e lhes tiraram o dinheiro que tinham poupado com tanto sacrifício.

 Ali ria como um demônio enquanto pegava o dinheiro e depois a tirou do Jalil, que foi deixado deitado no chão, enquanto seu próprio pai a carregava para longe do local.

 Samara se virou para olhar o namorado, que estava se levantando do chão, e pensou que talvez essa fosse a última vez que ela o veria...

 Tudo foi deixado naquele olhar, seus sonhos, a esperança de ser livre e, acima de tudo, a ilusão de ter uma vida em paz...

  

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