capítulo 4
Ian
Não sei o que está acontecendo comigo.Desde que comecei a conversar com aquela estranha, não paro de pensar nela ou em como ela pode ser, na cor de seus olhos, dos cabelos, em como se veste... As únicas coisas que sei dela até o momento é que tem uma tatuagem, que sua pele é pálida, quetrabalha na minha empresa e que é tímida.Mas, por trás do seu anonimato, é sincera e provocante.
Todo esse mistério está me deixando louco; e uma mulher nunca conseguiu isso de mim.Estou fascinado por ela como se fosse uma necessidade saber sua identidade, seu nome, onde vive e com quem.
Não acho que o passarinho tenha algum namorado, mas pode ter algum pretendente.
Hoje, mesmo, senti que deveria sair do meu escritório só para buscar por uma pessoa que eu nem sabia quem era.
É loucura.Estou ficando louco.
O pior de tudo é que sempre quero mais dela: mais informações e mais uma mensagem.
Ela foi a primeira mulher que me fez dizer tudo aquilo sobre mim, porque a maioria que sai comigo só fala banalidades, enche o saco e me faz desejar que as horas passem rápido.Diferentemente do que a estranha causa em mim.
Em qual departamento ela trabalha? RH?É uma secretária?Assistente pessoal?Técnica de manutenção? É um mistério.
Hoje terei uma visitação com um dos nossos novos clientes. O homem é daqueles que não acredita nas novas tecnologias, mas, ironicamente, precisa de proteção virtual para os seus dados.Tudo hoje em dia gira em torno delas, como a internet. Se não se sabe guardar adequadamente os dados da sua empresa, seja banco, construtora, etc., corre-se o risco de ser roubado pelos hackers ou, como os antigos os chamam, “piratas virtuais”.Essa gente rouba tudo que você tem para ganhar.
Apesar de ser difícil gerir números e dados de outras empresas, meu pai foi um homem muito cuidadoso e sabia que, para não errar, teria que sempre inovar e buscar novas maneiras de proteger tais informações.
Minha cabeça oscila entre o trabalho, o novo cliente e a estranha do celular. Passei a frequentar espaços onde os funcionários frequentam e a observar tudo e todos. Até agora, dentro do elevador social, procuro por respostas.
As mulheres lindas com seus terninhos e vestidos justos estão caladas. Eu não sou o único homem aqui, mas ninguém, nem mesmo o cara de óculos estranhos, diz um “pio”.
Segundo a estranha, todos me acham um vilão.E ela tem razão. Desde que pus os pés neste lugar, tenho sido um bundão.Fui muito bemeducado com os melhores princípios, e tudo mais, porém quando estou estressado ou de saco cheio, estouro e não penso muito nas pessoas ao meu redor.
Agora, eu não queroser um tarado que está tentando ver uma parte do corpo de alguma mulher. Sendo assim, impeço meus olhos de procurarem por um pulso com uma tatuagem de pássaros voando.É difícil.
Você é um tarado, Ian!
Ela diria isso.Rio do meu próprio pensamento e do da mulher que, ultimamente, está tirando o meu juízo.
Dou graças a Deus quando chego ao meu andar. O clima no elevador estava estranho.As pessoas ficam assim quando estão perto de mim.O que só comprova que sou um homem odiável.
— Bom dia, senhor Novack!— Mia me cumprimentou, entregando-memeu café antes mesmo de eu entrar no escritório. — A visita com o senhor Phil está marcada para daqui a dez minutos.Ele insiste para que o senhor o acompanhe.
“Ótimo!”Como se eu não tivesse outras coisas para fazer!
Phil é o dono de uma das maiores empresas de publicidade do país, e já fazia um tempo que ele e meu pai estavamconversando sobre um acordo. O homemdemorou para aceitar que uma empresa como a TEC Corporation poderia proteger o seu dinheiro. Até parece que ainda vive no século passado, onde tudo era armazenado em gavetas e escrito em papéis que só juntavam poeira.No novo século, tudo que fazemos, até mesmo criação de projetos, é colocado em HD’s ou em bancos de dados. Empresas como a dele dependem de servidores modernos para que nada seja perdido.
Contudo, o que é facilitado, também pode ser uma porta para roubos. Antes alguém tinha que passar por um segurança armado para pegar a papelada que poderia arruinar um negócio, como contratos e muito mais, porém, para isso hoje em dia, é necessário apenas um bom conhecimento e ferramentas capazes de alcançar computadores até do outro lado do mundo.Ninguém está seguro de ser roubado, no entanto dificultamos os idiotas de conseguir esse feito.
— Ok, Mia.Prepare tudo para mais tarde!—avisei, tentando não ficar de mau humor só porque um velho amigo de meu pai precisa da minha presença para acreditar que a TEC Corporation é capaz de fazer o seu trabalho: cuidar do patrimônio virtual de um bilionário qualquer. — Remarque a reunião das 10 horas para às 14horas!Farei o possível para que isso acabe logo.
***
—É muita tecnologia. —O homem está abismado com a sala onde éarmazenada milhares de combinações numéricas que representam os dados de cada empresa para a qual trabalhamos. —Nunca vi algo igual.
—Todos os anos essa ala cresce para acompanhar o número de empresas com quem temos parcerias. —Observo atentamente o senhor Phil, que se estica, tentando ver até onde vão os equipamentos da sala. — Tudo é monitorado vinte e quatro horas por diae temos um sistema de climatização para que os servidores não se danifiquem. Além do mais, nossos funcionários são capacitados para resolver qualquer problema.
— E vocês cobrem qualquer prejuízo se isso acontecer? —Levanta as sobrancelhas grossas ao me olhar.
— Claro. —Coloco um sorriso no rosto, sendo que não estou nada feliz. — Sabemos como é importante manter tudo em ordem, para que nada dê errado, Phil. As manutenções são constantes, e não é só na sede que temos este extenso equipamento que está vendo. —Eu o acompanho para fora do local, indo em direção à sala onde os engenheiros e técnicos trabalham. — Em Los Angeles está o que meu pai chama de “cérebro”. É parecido com o que acabou de ver, só que cinco vezes maior; e os servidores se comunicam entre si, permitindo que saibamos de tudo em tempo real, tanto em Nova York, quanto em Los Angeles.
Sua expressão de surpresa me alegra. Eleé tão difícil quanto convencer um certo passarinho a me encontrar pessoalmente.Mas, diferentemente de como é com ela, vou conseguir fechar o negócio com esse homem.
— Seu pai tinha razão. — chamou minha atenção. — Você é bom nos negócios e um ótimo negociador.
— Nunca ouvi meu pai falar essas coisas sobre mim. —Lembro-me da nossa última briga, antes de ele sair irritado do meu apartamento e ir à festa que eu devia ter ido.
—Ele sempre reconheceu a sua capacidade.Mas, não pode mentir,dizendo que não era um imprudente com as mulheres. Asnotícias saíam sobre você nos noticiários de fofoca. — brincou.
— É.Eu não posso. —Sinto-me ainda mais culpado.
Entramos na sala onde todos trabalham para manter tudo em ordem. Sem os engenheiros, não somos nada. Ainda não sei como funciona essa parte, mas também não preciso. Eu cuido da administração e deixo essaárea para os que amam as coisas confusas que estão nas telas dos computadores agora. O local não é tão fechado e todos estãoem seus lugares, com vários monitores, fios, e com uma climatização especial. Eu nunca tinha entrado aqui. Milton é o chefe desse setor, eé ele quem nos explicará tudo.
— Bem...É aqui onde tudo acontece, Phil. Este é Milton, chefe do setor, e quem realmente sabe o que acontece nessa sala.
O homem baixinho, quase careca e de sorriso que vai de orelha a orelha, cumprimenta o nosso visitante e logo começa a sua palestra sobre todo o processo. Eu deveria prestar atenção nisso também.Não porqueiria me ajudar a convencer Phil a nos contratar, e sim porque gostaria de saber mais sobre tudo, já que agora sou eu quem administro a TEC Corporation. O problema é que passoo tempo inteiro tentando achar alguém que não quer ser achada. Poderia deixar isso de lado e respeitar o anonimato dela, porém é impossível impediros meus olhos de buscar por ela, mesmo não sabendo como achá-la.
Está difícil parar de pensar nessa mulher ou na possibilidade de estar sendo enganado e, na verdade, estar conversando com um estranho que sente a necessidade de brincar comigo.Apesar da foto que recebi do seu pulso, pode ser isso.
Milton e Phil estão andando pelo espaço em minha frente enquanto eu nem escuto o que eles dizem.Até que uma coisa no meio do caminho chama a minha atenção. Embora não tenha inspecionado este lugar, sei que aqui dentro não há tantas mulheres. Milton me disse uma vez que dentre todos os engenheiros diurnos, só há uma delas, a melhor entre todos.E estou a uns passos dela agora.O mais interessante de tudo é que sua nuca, a cor dos seus cabelos e sua pele clara não me são estranhos.
Eu posso estar ficando louco, já que pareço fantasiar ultimamente. O passarinho que me perturba é anônimo, portanto minha cabeça tenta, a todo custo,moldar uma pessoa física para ele.Mas devo confessar que, em algum momento, já vi tais características.
Tudo está começando a ficar estranho, pois ela parece perceber que eu a encaro; toca na nuca com desconforto.Um de seus colegas me olha com estranheza.
Quando percebo o quão ridículo estoudemonstrando ser, afasto-me, indo de encontro aos dois homens que passeiam pelo setor de monitoramento.
Pego o meu celular e digito uma mensagem à mulher que está me deixando louco.
“Você é culpada por estar me deixando louco, passarinho. Passei a manhã toda andando pela empresa e foi impossível não a procurar em cada canto. Deve, pelo menos, dizer para mim em qual setor trabalha, só para me libertar dessa loucura.”
É obvio que ela não me dirá,mas, mesmo assim,pedi. O mais interessante é ouvir o som de uma notificação chegar em um celular de dentro da sala. É um barulho sutil e breve que esquenta meus miolos.
Acho que estou ficando louco.
— Devo confessar que não entendi muito bemo que disse, mas me passou muita segurança. —falou Phil, trazendo-me de volta à realidade.
A verdade é que a história com a estranha está me deixando tão fora de mim, que me irrita. Assim, decido que o melhor para a minha sanidade mental é esquecê-la. Nunca nos encontraremos eela continuará brincando com minha cabeça. Já estou cheio.
— Podemos terminar o nosso tour agora.Estou convencido de que a melhor coisa a se fazer é contratar os serviços daqui.
Confirmo com a cabeça. Preciso voltar ao meu trabalho, às reuniões intermináveis e à minha breve paz. A última opção seique não durará, pois são muitas as questões que me levam ao estresse; e a tal desconhecida está se tornando uma delas.
Ao passar novamente pela mulher em frente ao computador, que parece concentrada na tela,sintooutra vez aquela sensação de semelhança.
— Isso já está indo longe demais. —falei a mim mesmo, condenando-me.
***
A reunião foi mais do que chata,foi quase insuportável. Já estive emmuitos lugares onde o assunto me desse muito sono ou onde o palestrante que estava me passando a sua ideia,não parecesse bom no que fazia.
Mesmo dizendo que me esqueceida mulher, minha mente idiota me trai.Na verdade, não para de pensar na funcionáriaque vi mais cedo, na sala dos computadores.Eu devia ter falado algo e, pelo menos, visto o seu rosto.
Ao pegar o meu telefone, que havia deixado de lado,vejo uma única mensagem. É da anônima.
“Acho que isso passou dos limites. Nós dois não podemos ser amigos e você ainda insiste em me conhecer. E, mesmo eu sabendo que não é tudo aquilo que os outros falam, ainda me sinto confiante em apenas conversarmos por mensagens. Acredite: não sou nada interessante. E você é meu patrão. Querendo ou não, é melhor que as coisas continuem como estão: relação de chefe e funcionária. Foi culpa minha começarmos, e até gosto de conversar com você, mas o problema é que isso esteja atrapalhando o meu e o seu trabalho. Então, creio que o melhor a fazermos é parar de escrever um para o outro.”
Tenho que reler a mensagem várias vezes para acreditar no que está escrito. Não era para ser nada de mais, poisela é uma pessoa anônima com quem me esbarrei há alguns dias.Não sei como vive ou quais são os seus princípios, portanto deveria levar tudo na maior tranquilidade.
Como se, em um passe de mágica, eu fosse me esquecer de tudo! E, olha que nem foi grande coisa.
Olho as horas e constato que já deveria estar saindo do escritório.Mas, infelizmente, meu corpo demora a reagir e o silêncio se torna estranho.
Uma nova mensagem chegaemmeu celular, que está sobre a mesa, e corro para ver quem é o remetente.Decepciono-me por não ser de quem eu esperava que fosse.
“Já faz um tempo que não nos vemos. Que tal aproveitarmos que estou na cidade e conversarmos um pouco?”
Já estou farto de apenas conversar. Eloísa não é a pessoa que eu escolheria para uma conversa. Minha intenção com ela é outra.