Infiltrada na toca do Alfa
O ar daquela manhã estava estranho, Emília sentiu que havia algo de errado quando não conseguiu ouvir as típicas brigas dos jovens. Sua filha Ava era aquela quem mais se destacava, com uma personalidade forte e sempre com uma resposta precisa para aqueles que a desafiavam. A jovem era vista por todos como um espírito livre, selvagem e indomável. Não ouvir nada era um claro sinal de alerta para Emília.
Ao caminhar pelo acampamento, Emília notou que outros jovens também não estavam presentes. Ela caminhou cada vez mais rápido, o desespero começando a crescer dentro de seu peito. Outros membros do acampamento se juntaram a busca pelo grupo, mas não encontraram nenhum rastro. Um dos homens encontrou indícios de que as crianças haviam saído dos limites impostos.
Os humanos conseguiram criar um sistema de segurança, que escondia seu cheiro dos lobisomens. De tempos em tempos, grupos de lobisomens rondavam as florestas em busca de humanos fugitivos. O acampamento em que Emília havia se refugiado há treze anos, ficava perigosamente próximo ao território de Kaiser. Mesmo sabendo dos riscos, a jovem humana desesperada de tantos anos não tinha outra escolha, se não se unir aquelas pessoas para ficar segura.
Enquanto Emília ia ao encontro do homem que descobriu a rota de fuga dos jovens, um som alto foi ouvido. Não muito longe dali, o grupo de caça dos lobos se movia e os jovens desaparecidos estavam correndo grande risco. Todos no acampamento entraram em alerta, buscando qualquer objeto que conseguissem utilizar como arma para se defenderem. Emília observou com atenção, então viu, surgindo em meio a densa vegetação, um dos jovens que havia desaparecido.
Cansado pela longa e incessante corrida, o jovem rapaz caiu de joelhos ao avistar seus companheiros do acampamento. Dois homens o pegaram e levaram para uma das cabanas, onde lhe deram água e deitaram em uma cama. Emília queria lhe perguntar sobre Ava, mas sabia que o estado do rapaz era delicado.
― Senhora, ― o jovem chamou quando percebeu que Emília se levantou para sair. ― Por favor… Por favor, ajude-os.
O corpo de Emília começou a tremer. O homem que era considerado o líder daquele grupo, Gregório, se aproximou do jovem e tapou a visão de Emília.
― Descanse rapaz, você precisa se recuperar. ― Gregório instruiu o rapaz, mas seu tom de voz parecia mais uma ameaça enquanto sua mão apertava a do rapaz com um pouco mais de força do que o necessário.
― Não dá tempo, eles foram levados. Todos eles! ― as palavras daquele rapaz rasgaram o coração de Emília, que desabou de joelhos no chão frio da cabana.
Os humanos capturados pelos lobisomens tinham dois destinos, morte ou escravidão. Se o humano se mostrasse impossível de ser domado, era executado. Emília conhecia muito bem a personalidade explosiva de sua filha e temia que o pior acontecesse a ela.
Em uma explosão de adrenalina, sem tempo para pensar muito, Emília correu até sua cabana e juntou apenas os itens mais importantes para seu plano. Um homem que vinha se mostrando interessado em Emília há algum tempo, percebeu seus planos e a seguiu.
― Sabe que será inútil ir atrás dela. ― ele disse, tentando dissuadir Emília, que não lhe dava nenhuma atenção. ― Você vai acabar sendo morta junto da sua filha.
Em fúria, Emília se virou para o homem com um olhar gélido que o fez dar um passo para trás.
― Se não pretende vir comigo ou me ajudar a juntar minhas coisas, apenas saia do meu caminho e não atrapalhe. ― jogando a bolsa de lona sobre o ombro, Emília abandonou o acampamento debaixo de olhares me mesclavam pena, incredulidade e medo.
Já era tarde quando Emília alcançou as margens da floresta. Os caminhões já estavam longe, mas os rastros eram frescos e ela poderia segui-los até ser encontrada por outro grupo de busca lobisomem.
Ao ficar tanto tempo no acampamento, ver o mundo depois de tantos anos era uma experiência completamente incrível para Emília. Tudo estava diferente, das ruas aos prédios. As pessoas caminhavam tranquilamente, porém era visível as divisões de níveis entre eles. Um som alto assustou a mulher humana, que se escondeu junto as paredes de um prédio.
Caminhões carregados de humanos capturados atravessavam as ruas. Mulheres e crianças choravam abraçadas, tremendo a separação quando chegassem ao seu destino. Homens gritavam e se debatiam, se recusando a ceder as vontades de seus captores. Emília observava a distância, pensando em uma forma de subir naquele caminhão.
Olhando ao redor, Emília percebeu algumas garrafas de vidro quebradas, um plano elaborado já se formando em sua cabeça. Ela correu, pegou algumas garrafas e as lançou com todas as suas forças na rua. O som surpreendeu o motorista, que tentou desviar dos objetos, mas ainda sim um dos pneus do caminhão acabou sendo atingido, forçando o motorista a parar o veículo.
― Mas que merda está acontecendo? ― um grande lobo saiu da caçamba de trás do caminhão, indo ao encontro do motorista, que olhava irritado para o problema diante dele.
― Você é cego por acaso? A porcaria do pneu furou. ― o motorista respondeu irritado, passando a mão pelo pescoço.
Atrasos não eram tolerados pelo Rei Alfa, todos os lobos que estavam ali sabiam disso. O trabalho precisaria ser feito rápido e dependeria de todos.
Quando todos os lobisomens se afastaram o suficiente, Emília se aproximou e subiu na caçamba, surpreendendo a todos que estavam ali. Com agilidade, ela de prendeu nas correntes, entre uma mulher corpulenta e um homem que dormia profundamente.
― Você é louca por acaso? ― a mulher moveu os lábios na direção de Emília, pois sabia que o mais leve sussurro poderia ser ouvido.
― Eles levaram a minha filha. ― Emília respondeu da mesma forma.
Nada mais foi dito. A mulher se acomodou em seu lugar, entendendo que faria o mesmo se ainda tivesse seus filhos com ela e algum deles fosse capturado. Os lobisomens terminaram de consertar o caminhão e a viagem prosseguiu, nenhum deles reparou na nova passageira de cabeça baixa, sentada ao fundo do caminhão, mas reclamaram do horrível som que o homem que dormia estava produzindo.
Não havia espaço para erros, Emília precisava descobrir para onde sua filha havia sido enviada antes que Kaiser a descobrisse. Mas já era tarde de mais e Emília descobriria muito em breve que seu maior segredo seria revelado diante de todo um mundo, dominado pelos lobisomens.