Onde Ele Está?
Meus olhos se arregalaram para a diretora na porta, Rosa estava tão mais velha do que eu me lembrava, mas era impossível não reconhecer, mesmo em seus oitenta anos.
- Olá, Isabela.
Eu não sabia se devia me desculpar por estar fora do dormitório ou fingir que não sabia onde estava.
- Não precisa ter medo, querida - Rosa disse com a voz calma - Cristian me procurou a meio século, pediu que eu viesse te encontrar.
- Onde ele está?
Ela não respondeu, presumi que por ser madrugada ele não poderia entrar na escola sem que fizessem perguntas. A diretora me deu uma capa e pediu para que eu vestisse o capuz. A seguir em silêncio pelo corredor, sem nenhum sinal da luta que vi minutos antes.
Quando atravessamos os portões do internato ela voltou a falar, explicando o que podíamos andar até o vilarejo e depois, pegar um atalho pela floresta até o lago.
- Já passou por aqui antes - eu assenti - você e Cristian eram mesmo excepcionais - ela disse em meio a um sorriso.
Me mantive em silêncio por todo o trajeto observando todas as pequenas mudanças do local. Rosa me ofereceu o braço assim que chegamos no vilarejo de modo que eu não pude ver muito dos estabelecimentos apagados e logo pegamos o atalho.
Andar depois daqueles minutos intensos que passei ainda me deixava um pouco enjoada, assim que paramos coloquei as mãos no joelhos e me abaixei para respirar um pouco. Senti a mão de Rosa nos meu ombro esfregando levemente como se quisesse me consolar, me achei ridícula, me esforcei para levantar o rosto e vi que estava à beira de um lago, estava escuro mas era possível ver através da luz na varanda da pequena casa.
Descemos pelo caminho de cascalho, Rosa destrancou a port e entrou sem notar que eu ainda estava parada na varanda.
Enfiei a mão no bolso novamente, apenas para sentir a única prova da promessa de Cristian.
- Você vai ficar aqui por enquanto, não é muito mas servirá.
- Cristian vem me encontrar aqui? - minhas palavras foram ríspidas.
- Ah, Isa - ela assumiu um ar de pena que me enjoou - ele não vem.
- Claro que vem, ele me prometeu. Ele sempre cumpre suas promessas, a menos que ele esteja morto - pensar nisso me apavorou - ele está morto?
- Não há uma forma fácil de dizer isso. Cristian tem mais de 70 anos agora e…
- Eu não me importo.
- Imagino que não, por agora. Mas se falar com ele pode ser pior, é melhor que as coisas já começam assim como deve ser.
Eu não ia aceitar assim tão fácil, mas entendi que não tinha escolha no momento. Era melhor que Rosa achasse que eu seria fácil de lidar.
- Preciso voltar à escola agora, mas venho todas as noites para ver como está e amanhã conversaremos melhor.
- Diretora? - ela se virou para mim certamente torcendo para que não perguntasse sobre meus pais ou meus antigos amigos, mas eu ainda não estava pronta para isso - Obrigada.
- É o mínimo que posso fazer. E sinto muito, Isa.
Rosa partiu e quando me vi sozinha naquela casa estranha no, com móveis estranhos e abarrotada de enfeites e almofadas, finalmente senti um peso de 56 anos. Eu estava ali, estava viva e a mesma garota de 16 anos que deixou o namorado para viver em um tempo que não conhecia confiando em sua promessa mas além disso eu não era ninguém.
Não havia nenhuma pessoa que se lembrasse de mim, todas as minhas coisas, roupas, livros, sapatos se tornaram ultrapassados. No quarto, penduradas em cabides no guarda-roupa, haviam roupas e acessórios que eu jamais pensaria usar, tecidos que eu nem mesmo conhecia. E o que houve com o verde militar?
A única coisa que eu tinha era o bilhete de Cristian em meu bolso e a promessa que ele me fez. Abri a folha de caderno em cima da escrivaninha e encarei as palavras mais uma vez.
"Meia-noite no corredor.
Não se atrase.
Amo você."
Olhei no relógio que marcava duas da manhã, estava atrasada, mesmo assim desejei que o bilhete fosse para aquele momento, que eu podia sair desse quarto e ele estaria ali do lado de fora, encostado na parede com a postura ereta e tensa, perfeito como na primeira vez.
Passei o dia seguinte vasculhando gavetas cheias de fotografias antigas e documentos sem valor. Rosa havia colocado cercas nos arredores de forma que não conseguiram ir muito longe da casa.
- Como se sente? - Ela perguntou enquanto ainda tirava o casaco na porta.
- Fisicamente bem.
- Vejo que encontrou as roupas. Serviram bem.
- Sim, diretora. Obrigada por isso - observei ela colocar sacolas com verduras frescas na mesa da cozinha e não pude esperar mais - posso lhe fazer uma pergunta?
- Você pode fazer todas elas.
Ela se sentou em uma cadeira de balanço na varanda, eu tomei um lugar no chão a sua frente, balançando um pé no lago, o ar quente de verão trazia inúmeros vagalumes para a superfície da água criando um véu luminoso por uma vasta extensão.
- Por onde quer começar?
Cristian.
- Meus pais estão vivos?
- Sua mãe sim, mas está internada no Santa Cecília com demência severa, seu pai se foi há alguns anos.
- Posso vê-la?
- Não acho que seja uma boa ideia, por enquanto. Isso pode confundir as coisas para vocês duas.
- Eles superaram?
- Tiveram outro filho mas não acho que superaram seu desaparecimento.
- Eu tenho irmão? - Perguntei com uma animação exagerada.
- Isa, você não pode procurar pela sua família ou amigos antigos. O que você e Cristian fizeram, mesmo que acidentalmente, é um crime muito grave, viagens no tempo através de feitiços ocultistas são extremamente condenáveis pela igreja católica. Até mesmo se souberem que eu os acobertei... - ela respirou profundamente - eu sinto muito que essa seja sua vida agora, mas como o tempo você vai entender que é o melhor para todos.
- Vou ter que viver escondida agora? E sozinha?
- Não está sozinha, eu estou aqui - seu sorriso me fez sorrir também. Na escola você estará segura, depois das férias volta para cursar seu último ano. Enquanto estiver na minha casa você é minha sobrinha.
- E meu nome?
- Bem, vamos manter Isabela Maria, mas com Solares no lugar de Esposito. Você começa em junho, mas até lá serão quatro meses Para você pôr a cabeça no lugar e aprender algumas coisas sobre os dias de hoje.
Evitei tocar no nome de Cristian nos outros dias, Rosa não entenderia, voltar para a escola seria bom, eu teria mais liberdade para descobrir onde ele estava e mandaria uma carta.
Tinha certeza que Cristian teria uma explicação para tudo isso.