Capítulo V
Acordei com um canto de pássaros, o cheiro de flores no ar e o calor aconchegante dos lençóis quase me deram vontade de não abrir os olhos.
Mas eu precisa saber o que tinha acontecido comigo, onde eu estava e quem diabos era aquele homem de preto no meu quarto.
Abri meus olhos e quase fiquei cega com a claridade. Pisquei várias vezes até que meus olhos conseguissem ficar abertos sem doer e encarei as paredes confusas. Ao invés de estar cercada pelas habituais paredes verde-claro do quarto que eu tanto amava, eu estava encarando paredes rosa bebê coberta por flores.
Eu já tinha visto esse quarto antes, só não conseguia me lembrar onde. Quem morava ali? E o mais importante, porque eu estava ali?
Ergui meu tronco da cama e o quarto todo girou, me fazendo cair contra os travesseiros macios novamente. Que merda estava acontecendo comigo?
— Ei, vamos com calma. Você passou por maus bocados nos últimos dias. — uma mulher loira entrou no quarto já falando.
Sua voz era quase um cantarolar dos pássaros e o seu rosto tão doce e amigável, que até a repreensão pareceu uma coisa boa.
Os olhos escuros como a noite me encaravam com genuíno interesse e ela me abriu um sorriso branco e largo, com direito até a covinha.
— Quem é você? E onde estou?
Aquele cheiro no ar, parecia o parque quando estávamos na primavera e todas as flores desabrochavam juntas, inundando toda a cidade com um perfume único.
— Eu me chamo Flora. Sou amiga da Agnes, estou aqui cuidando de você.
— Cuidando de mim? O que aconteceu? Onde está Agnes?
Não esperei por uma resposta, eu me ergui da cama mesmo tonta. Apoiei minha mão na cama e obriguei meus pés a funcionar.
Mesmo me sentindo fraca eu andei até o parapeito da janela e olhei pelo vidro, em busca de qualquer memória, qualquer coisa que me ajudasse a lembrar onde eu estava.
O jardim parecia não ter fim, eu não conseguia identificar nada que me recordasse algo assim.
— O que aconteceu aqui? — a voz familiar de Alice me encheu de alívio. — Quem disse que você pode sair da cama mocinha?
— Alice! Graças a Deus. — suspirei aliviada quando ela chegou mais perto e me amparou em seus braços. — Onde estamos e porque me sinto como se tivesse sido atropelada várias vezes?
Minha amiga me encarou por longos segundos, seu silêncio começou a pesar uma tonelada, até que ela me puxou de volta para a cama.
Com cuidado Alice me ajudou a sentar e depois ocupou o lugar ao meu lado.
— Estamos na casa da minha vó. Lembra que vínhamos pra cá quando éramos pequenas?
Então era isso, fazia anos que eu não visitava a vovó Blanca, como me acostumei a chamá-la. Esse era o motivo do lugar parecer tão familiar e ao mesmo tempo ser tão difícil de lembrar com exatidão.
Desde que minha mãe e Will ficaram juntos eu não a visitava. Mamãe sempre disse o quanto vovó Blanca era importante, ela até mesmo ajudou no meu parto.
Mas por algum motivo ela se afastou de todos depois que Will chegou.
Isso me fez lembrar, Will...
— Onde está Will? — questionei é assisti minha amiga olhar em volta, como se fosse achar a resposta em algum lugar ali. — Tinha alguém no meu quarto quando desmaiei, chamei por ele e o ouvi dizer que tudo ficaria bem, mas então eu apaguei.
Alice respirou fundo e se virou para Flora, as duas trocaram um olhar esquisito e mesmo sem dizer nada, a outra pareceu entender o recado.
— Vou chamar a Agnes. Tudo vai ficar bem, menina. — Flora disse com a voz que parecia ser capaz de apaziguar uma guerra.
Mas foi só ela deixar o quarto para que eu me preocupasse com outras coisas.
O que elas estavam escondendo de mim? O que poderia ter acontecido com Will?
— Desde quanto você pisa em ovos para falar alguma coisa?
— Fica calma, minha mãe vai poder te explicar melhor o que aconteceu, mas o cretino está bem.
— Alice! — a repreendi imediatamente e ela revirou os olhos.
Ela estava prestes a protestar quando Agnes entrou no quarto, calando nós duas.
— Ai querida é tão bom te ver acordada! Ficamos muito preocupadas com você.
Tia Agnes era a cópia de Alice, loira, magra, alta, com uma beleza de dar inveja em muita gente.
Apesar de ter cinquenta e dois anos, ela não aparentava mais do que quarenta. Eu admirava isso nela, não só isso é claro, a personalidade dela contava com uma mulher decidida, independente, de grande fé e um coração maior ainda.
— Mãe, Bri quer saber o que aconteceu.
— Oh querida, foi muito difícil tudo o que você passou. Por sorte chegamos a tempo, antes que William conseguisse te tirar da cidade...
— O que?
— Ele já tinha colocado você dentro do carro e estava indo embora, mas conseguimos interceptar o carro na estrada e pegar você de volta.
Isso não era verdade, ele não estaria me levando para fora da cidade quando eu estava praticamente morrendo. Não, não posso acreditar nisso!
— Ele não faria isso, acho que vocês se enganaram. — protestei sabendo que o homem que me criou, que cuidou de mim mesmo depois da minha mãe partir, não faria algo assim comigo. —Ele deveria estar me levando para o Hospital, quando viu que eu não estava bem!
— Eu queria que isso fosse verdade, do fundo do coração queria mesmo. Mas o que descobrimos é que William colocou o veneno na sua comida. Você não estava tendo uma reação tarde ao álcool ou algo parecido, ele envenenou você.
— Mentira! — foi a primeira coisa que veio a minha mente e eu gritei.
Ele jamais faria isso, ele me tratava como pai, me chamava de filha, sempre cuidou de mim e da minha mãe.
— Eu não esperaria que você acreditasse em tudo tão rápido, até porque ele esteve ao seu lado todos esses anos. — Agnes falou devagar, como se falasse com uma criança assustada. — Mas a verdade é essa querida, por sorte encontramos o veneno na cozinha, ou seria muito difícil descobrir uma cura.
Empurrei a mão de Alice e tentei me afastar delas. Eu não ia cair naquela conversa, estava indo longe de mais toda essa confusão.
— Eu vou embora! Vou para casa e vou avisar Will que aceito sair de Salem, vocês foram longe de mais inventando isso!
Dei alguns passos incertos, enquanto elas falavam e falavam, mas minha cabeça tinha dado um nó, eu não conseguia processar mais nada.
Todas as informações se embaralharam na minha mente: Envenamento, Will tentando me matar e me tirar da cidade, elas me salvando, o homem de preto e aquele sonho estranho.
— Amiga não temos porque mentir. — Alice apareceu ao meu lado, me apoiando para que eu não caísse. — Se quiser ir até sua casa eu te levo, mas você precisa descansar. William não está na casa que era da sua mãe. Ele correu, fugindo para bem longe como o rato que é!
— Alice, olhe o que fala!
— Ela precisa saber mamãe! — ela protestou, se virando para mim e despejando a verdade. — Você ficou desacordada por uma semana inteira e depois ia e voltava, despertando aos poucos. — falou me assustando. Eu tinha ficado apagada naquela cama por mais de uma semana? — Nós ficamos do seu lado, trouxemos você para a casa de Blanca e cuidamos de você!
— Quanto tempo eu dormi?
— Quase três semanas, você tem um guardião muito forte. — Agnes disse com a voz amável, chamando minha atenção novamente. — Vocês dois tem!
Franzi o cenho em confusão, de quem ela estava falando? Não havia mais ninguém no quarto além de mim, Alice e ela.
— Você está grávida, Bri! — Alice respondeu minha pergunta silenciosa e eu a encarei como se ela tivesse duas cabeças.
Grávida? Eu? Não podia ser, não tinha como! Eu nunca dormi com homem nenhum...
Parker! Os olhos cor de ouro e cabelos selvagens vieram a minha mente e eu suspirei com as lembranças quentes que preencheram meus pensamentos.
Eu não podia acreditar que estava grávida! Tinha visto o homem uma vez só, não dividimos nada mais do que uma noite e eu estava grávida dele?
Três semanas, tinha passado três semanas desacordada. Então isso queria dizer...
O ar ficou rarefeito e minha respiração ficou presa na garganta.
Minha vida tinha virado de ponta cabeça da noite para o dia e eu não tinha a menor ideia do que iria fazer agora.
Como eu sustentaria um filho? O que diabos ia fazer da minha vida, agora que Will sumiu? E se ele tinha mesmo tentado me matar, quem era esse homem que convivi minha vida toda?
— Nós vamos precisar ir até a LYNC. Vocês precisam de proteção e só Parker pode fazer isso.
— Do que você está falando, Alice? Que proteção?
— Não ligue pra ela querida. Alice fala muito quando não deve, não se preocupe, vamos cuidar de tudo. — Agnes tomou a frente tentando calar a filha. — Você só precisa descansar. Já recebeu informações de mais para um dia.
Eu quis protestar, mas Vó Blanca entrou no quarto, com seu perfume de flores trazendo a calmaria com ela.
— Minha menina, precisa dormir um pouco. Vai acordar bem melhor.
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, suas mãos cobriram meu rosto e com um beijo na testa ela me fez voltar para a cama. O sono me tomou rapidamente e eu adormeci em segundos.