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· · • • • Cena VII◗●◖ Cale • • • · ·

Ágape Lisianto era estranha – muito estranha para uma garota de sua idade com os propósitos que diziam ter –, tudo que Cale esperava daquela garota, parecia ser o oposto ao que ela lhe mostrava; sempre o oposto.

— Estranha — ele repetiu ainda dentro da carruagem, o rosto apoiado em uma das mãos, os olhos viajando pelas janelas de vidro embaçadas pela noite fria.

Talvez não fosse Ágape ser estranha que realmente o incomodava – se deu conta enquanto seu rosto queimava; queimava com a lembrança de como havia agido em frente a ela.

Havia falado demais.

Pensado demais.

Mas no fim da noite, uma Lisianto seria sempre uma Lisianto e Cale – era um Lestrad.

O problema era que na vida de Cale - não havia tempo para se perder pensando em uma garota, ou nas formas como suas estranhezas se encaixavam na visão social sobre ela. Não.

A vida de Cale era um conturbado misto de coisas, missões extra oficiais, resoluções políticas a serem cuidadas por baixo dos panos – e atitudes que a coroa não poderia admitir ou apoiar –, mas que, de alguma forma, sempre acabava caindo em seu colo.

— No fim, esse é o trabalho dos Lestrad — o mordomo lhe disse enquanto limpava sua mesa — desde o primeiro momento, desde o juramento de lealdade, foi Lestrad quem fez de tudo para que o coração de nossa rainha estivesse seguro e calmo.

Cale quis rir, os dedos dedilhando a folha em branco que agora estava sobre sua mesa escura.

Aquela era uma forma bonita do homem da rainha dizer: Lestrad é o seu cãozinho, sempre foi e sempre será; não existe para vocês um papel diferente desse, então venha, vamos, seja gentil e tome a culpa por ela. Mate por ela.

Um suspiro longo escapou pelos lábios claros e finos.

— Se aceitar esse trabalho, posso me ausentar dos próximos eventos sociais? — Foi sua ideia de barganha.

Seria uma ótima forma de se livrar de coisas incomodas, situações que fizessem sua pequena cabecinha de cabelos negros se desvencilhar do proposito inicial.

— Creio que não seja possível — os lábios do homem a sua frente se frisaram — os próximos eventos são de extrema importância.

— Assim como acalmar o coração de sua majestade, a rainha — Cale devolveu, os olhos fixos no homem que já não tinha mais 20 anos para discutir tão fielmente com ele — é uma troca justa, confesse. Resolvo tudo que me mandar resolver, irei treinar o dobro de tempo e farei todos os trabalhos sujos que me mandarem, mas em troca... me poupe dos próximos 7 bailes e recuse qualquer maldito convite que me enviarem.

A boca do homem se abriu, mas logo em seguida se fechou.

Era obvio que o arquiduque conhecia bem o suficiente aquele tipo de barganha e embora o homem da rainha se questionasse sobre como uma criança de 13 a 14 anos conseguia ir tão além em uma discussão como aquela – ele apenas aceitou, porque era Cale Lestrad e os Lestrad nunca haviam sido nem um sinônimo de pureza e infantilidade.

Atitudes como aquelas eram um lembrete constante do que Cale era capaz de fazer; afinal, era a criança que massacrou toda a sua família e linhagens.

— Que seja — simplesmente soltou — mas deve resolver TODOS os casos em 2 semanas.

Os lábios do garoto se arquearam em um imenso sorriso que parecia longo demais para uma criança, satisfeito demais para alguém que teria que matar outras pessoas com o fim de conseguir o que queria.

— Obrigado, meu caro Viener — soltou, os dedos deslizando pelos cabelos negros e bagunçados, os jogando para trás de forma quase teatral — agora me deixe sozinho, preciso me organizar antes de concluir três dos meus trabalhos.

Por um momento, Veiner pensou em se perguntar sobre “como” aquilo poderia ser possível, mas em dado momento – ele havia desistido disso e apenas abandonado a ideia de surpresa em relação àquele garoto amaldiçoado.

Cale sorriu.

Um sorriso triunfante de quem sabia que poderia enfim desfrutar de sua própria companhia.

Por duas lindas e curtas semanas, nem mesmo Viener entrou em sua sala; ninguém invadiu seus aposentos e seu treino foi feito no silêncio da madrugada enquanto todos ainda dormiam em suas camas quentes e conchegantes.

Por duas semanas. Cale teve exatamente o que desejou durante tanto tempo de sua vida – e durante essas duas semanas, ele reservou 4 dias para resolver os problemas da rainha.

Primeiro, vinha o tráfico ilegal de drogas no cais; um problema que Cale resolveu rapidamente ao se disfarçar de criança de rua e invadir o lugar com apenas uma adaga em mãos. Após matar sete traficantes e muitos compradores, ele juntou provas e entregou o conde Killian que era responsável por cuidar de tudo atrás das cortinas.

Depois, veio o tráfico humano e casas de prostituição.

Esse foi um pouco mais chato, já que seu rosto infantil não o permitia entrar tão livremente, então, Cale usou um dos seus. Adam.

Um garoto de 19 anos que jurou lealdade a ele após ser salvo de sua avó.

Outra vez - fácil.

Apenas dois dias foram gastos no segundo caso.

E por fim, veio os diversos desaparecimentos nas ruas de Londres.

“Fácil demais” Cale pensou enquanto se jogava na cama “mas creio que a rainha não vai querer lidar com isso de verdade, então sobrará para mim no fim das contas” e assim foi.

Apenas crianças estavam desaparecendo, apenas crianças carentes que simplesmente sumiam. Era curioso que todas essas crianças houvessem tido contato com a igreja antes de desaparecerem – e sem pensar duas vezes, o arquiduque jogou para Viener a resposta que todos evitariam até o último segundo.

— Esses pobres desgraçados estão sendo levados pela igreja. Se são para tráfico humano, prostituição infantil, rituais macabros ou simplesmente como experimentos para sua “guerra santa”, eu não sei — deu de ombros, os papeis sendo jogados aos pés do mordomo — mas eu sei o que irei fazer agora, irei tirar enfim as minhas amadas e desejadas férias.

Os lábios rosados se arqueavam em uma meia-lua perfeita, os olhos de topázio brilhando com a ideia de não precisar socializar ou sequer aparecer em qualquer evento durante os próximos 9 meses. Mas para o azar do duque – ele havia tomado a atenção de duas criaturas um tanto quanto insistentes e quando se absteve de aparecer em público por 7 longos meses, uma carruagem com o símbolo de uma rosa dourada, parou em frente a mansão Lestrad.

Viener não o questionou sobre desejar ou não receber visitas e enquanto brandia sua lâmina com os cabelos bagunçados e o rosto avermelhado pela luz do sol – uma voz cantante falou.

— Você não pode fugir da gente, Calezinho.

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