· · • • • Cena VI ◗●◖Ágape • • • · ·
— Espera... — a mão de Ágape se estendeu, mas logo voltou a ficar próxima do próprio corpo — isso não é verdade, isso... — estava tentando escolher muito bem as palavras que deixaria sair, que diria para aquele ser de olhos opacos e sorrisos falsos — eu...
— Não precisa se esforçar tanto para falar — um arquear fraco, um que se assemelhava a todos os outros foi pintado naquele rosto bronzeado — você pode até não saber agora, Ágape Lisianto..., porém em algum momento, irá perceber que tem algo em mim que queira.
Algo que queira.
Ela ficou pensando, matutando em sua pequena cabeça pálida.
O que iria querer dele? Oque iria desejar ter daquele ser com o olhar sem brilho e uma aura que apenas demonstrava e confirmava por si só que havia perdido tudo.
Não entendia.
Não entendia como alguém via algo ali para se tirar, para se ter de Cale Lestrad; não quando ela via nele... alguém que deveria receber.
Receber.
Aquela alma parecia não saber o que era isso.
— Você não tem nada, Cale Lestrad... nada que eu precise, e muito menos algo que eu queira — sua postura havia se ajeitado, o tom se tornado sério.
Brilho.
Pela primeira vez naquela noite... aqueles olhos tinham um cintilar; um cintilar que se assemelhava as estrelas no céu.
— Você... saiu do roteiro — o moreno murmurou, murmurou de forma tão baixa que quase não foi escutado pela ruiva — você... volta.
— Volta? Voltar para onde? — a que possuía olhos de jade falou junto a um riso, um completamente sem graça, sem alegria nenhuma.
— Volta... volta pro roteiro — um tom infantil saiu por aqueles lábios finos, tom infantil esse que parecia assustado — ninguém nunca sai do roteiro, ninguém deveria sair do roteiro...
Roteiro.
Então..., ele também sabia de tudo que iria acontecer, também pensava que as pessoas sempre se comportavam de um modo; de um que ele sempre conseguiria prever.
E ela havia saído disso.
Assim como ele havia saído do roteiro dela.
— Não posso voltar para o seu roteiro, assim como você não pode voltar para o meu — a boca rosada e carnuda dizia de forma calma, solene — mas... acho que faz parte, as pessoas saem do roteiro às vezes... eu acho.
— Você sempre parece sair — o de olhos de topázio parecia emburrada ao dizer aquilo, e pela primeira vez... Ágape jurava que ele tinha realmente treze anos — você sempre tem alguma atitude nova, uma reação nova que eu... que eu nunca entendo!
Orgulho.
A única coisa que parecia conter aquelas lágrimas que faziam seus olhos parecerem puramente dourados... era orgulho.
— É tão ruim assim não me entender? — uma leve culpa tomou o peito da ruiva, uma que parecia que ia rasgar o seu peito — é tão... frustrante assim?
— É! — Falou sem nem mesmo segurar, sem nem mesmo pensar antes — como posso prever os seus movimentos? Como posso prever como vai agir? Se portar? — Continuava a dizer com certa revolta, revolta essa que Ágape não conseguia entender.
Às vezes... entender não era tão bom assim.
Às vezes sempre saber como todos iam agir, ou como todos pensavam ou iriam pensar... era extremamente cansativo.
Era... sufocante.
Sufocante por conta do círculo que ela estava geralmente inserida.
— Talvez essa seja a beleza de se estar comigo — a ruiva logo soltou junto a um sorriso gentil — e talvez... isso possa se tornar a graça para você em algum momento — a garota se sentou novamente na beira da ponte, assim dando leves toques ao seu lado – como se assim estivesse chamando a pobre criança perdida da casa Lestrad.
— Duvido que isso em algum momento tenha graça — se sentou ali, mesmo que fosse claramente contra a sua vontade — mas... enfim... — algo claramente voltou garganta abaixo, algo que ele parecia estar sem muita coragem de admitir até para si mesmo — você é estranha.
— É a primeira vez que me dizem isso — os olhos de jade se mostravam incrédulos, um riso nervoso assim saindo por sua boca — mas é... talvez eu realmente seja estranha.
— Talvez, minha cara? — as sobrancelhas do moreno se franziram, o semblante ficando claramente surpreso — você é muito estranha, realmente muito, muito, muito, muito estranha... — seu rosto se tornou carmim após dizer aquilo, provavelmente por ter notado que a delicadeza não estava ali, muito menos os bons modos — me... me desculpa.
Uma gargalhada.
Uma que teria sido muito alta se Ágape não tivesse tapado a própria boca com tanta rapidez.
— Pelo o que está se desculpando? Por ser honesto? Saber dizer a verdade? — Uma pequena lágrima caiu por um dos olhos de jade — está tudo bem... eu realmente sou bem estanha quando quero.
Surpresa.
Isso estava estampado naquela face.
Face essa que havia se aproximado de forma leve por algum motivo.
— Brilha — foi o que o moreno soltou sem mais nem menos — bonito... — transe, ele estar em transe era a única explicação plausível para aquele comportamento.
Comportamento esse que... Ágape não entendia.
A alguns momentos atrás, ele era um Lestrad; um que havia perdido tudo e até mesmo os próprios sentimentos.
Contudo, agora ele estava ali, olhando para os olhos verdes como se fossem a coisa mais bonita naquele plano terrestre.
— Eu quero — falou ao apenas pegar a lágrima que escorria em um de seus dedos — um desejo.
— Como é? — a cabeça pálida como porcelana pendeu para o lado — um... desejo?
— Sim, faça um desejo — o que possuía belos olhos de topázio se resumiu a dizer — um desejo, por uma lágrima.
— Oh... — ficou encarando aquela gota que estava repousando na unha do garoto, aquela que não parecia ser tão especial assim para ser trocada por um desejo — eu... desejo que possa conseguir sorrir de novo, sorrir de verdade.
Se arregalaram.
Aqueles olhos quase dourados, estavam completamente arregalados.
— Por que você... desejaria algo assim para mim?
— Porque eu não quero nada — respondeu de forma rápida — e você, por outro lado... parece precisar mais do que eu.
Sem reação.
Completamente sem reação se encontrava. E talvez isso se devesse ao fato de que o novo arquiduque não sabia como se sentir com aquele comentário.
Arrependimento.
Talvez Ágape deveria ter escolhido melhor as suas palavras.
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