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Capítulo 10

[Luz]

Por um breve momento minha alma inteira gela por dentro ao som de suas palavras cuspidas com tamanha ferocidade.

A moça está realmente brava constato temerosa. Mas porque motivo, eu me pergunto internamente.

Arregalo os olhos em choque ao chegar a uma conclusão após alguns segundos ponderando sobre o assunto.

Será que Catherine, como a garota diz se chamar, havia descoberto o segredo da família real? Mas como tal informações havia chegado tão rapidamente aos seus ouvidos? Ela poderia ser considerada um perigo para o plano? Tinha algum tipo de espião infiltrado no castelo? E quem seria essa pessoa? Em que eu poderia confiar de verdade naquele lugar, até então, incomum para mim?

E se tudo estiver ameaçado a se espalhar pelo Reino? O que eu poderia fazer para conter os danos? Praticamente nada! Penso começando a entrar em estado de pânico, as batidas do coração aceleradas e a respiração difícil.

E agora?

É de conhecimento geral que rumores uma vez dispersos na boca do povo, são como um pequeno incêndio em uma grande plantação. Ele começa sutil, quase imperceptível até que as chamas do fogo se propagam em grandes proporções, tornando-se terrivelmente prejudicial e irreversível por onde atinge.

-Não vai responder nada, senhorita Luz? Por acaso não tem uma única palavra em sua defesa a me dizer? -a moça se indigna com os braços finos cruzados sobre o peito, enquanto um pé bate de forma rítmica e impaciente no chão de madeira gasta da minha casa.

-Bom, acho que deveria ser mais específica a que assunto está se referindo, senhorita. -digo evasiva sondando primeiro suas intenções na tentativa de ganhar algum tempo, e traçar uma saída estratégica.

-Mas é muito... -ela fecha os punhos e estreita os olhos faiscando de raiva. -Vou me fazer clara então. -ela prossegue se aproximando passo a passo, os lábios crispados como quem se contém para não cometer uma bobagem.

-Eu estou lhe ouvindo, senhorita. -digo com o queixo empinado, decidindo não recuar, e imito sua postura não admitindo ser intimidada por uma mocinha como essa dentro da minha própria casa.

Ah, Deus tenha piedade da minha alma! Penso um tanto apreensiva.

-Você... -ela aponta o dedo indicador em minha direção.

-O que tem eu? -questiono desafiadoramente retribuindo o olhar.

-Você complicou minha vida! -Catherine acusa firmemente gotejando o sentimento de mágoa em cada palavra que pronuncia.

-Como assim? -franzo o cenho ainda sem entende-la.

Essa garota é louca? Eu me pergunto internamente ao fita-la de alto a baixo atentamente. O que há de errado com ela?

-Não sei quais eram suas motivações e nem o que você fez de fato, mas suas atitudes afetaram a vida dos meus irmãos mais novos, e isso me deixou bastante furiosa quando as notícias chegaram aos meus ouvidos.

Ela comenta colocando rigidamente as mãos sobre a cintura enquanto caminha com a coluna ereta feito uma vara de bambu, de um lado para o outro no pequeno espaço que há entre nós.

-Mamãe ficou perdida sem saber como reagir diante da situação, enquanto eu apenas queria acertar a chaleira de chá quente com muita força na cabeça da tal senhorita Luz que tanto era mencionada em meio aos gritos. Com toda sinceridade... mas tive muita vontade de desmaia-la com um golpe bem doloroso naquele instante, garota! Ô se tive! Mas Deus é minha testemunha de que entre o querer e o poder, existe um grande abismo!

Ela diz ao bufar de um modo nada elegante para uma dama, independentemente da classe social a que pertence.

-Olha só, senhorita Catherine, eu não sei quem são seus irmãos e menos ainda, que coisa grave cometi para eles, ao ponto de provoca-la dessa maneira.

Digo com sinceridade ao que ela revira os olhos, provavelmente exausta de discutir sobre o mesmo tópico a vários minutos e não chegarmos a lugar algum.

-Eu tive um dia bem intenso que exigiu muito de mim, minha cabeça está completamente cheia de problemas e como consequência disso, meu corpo também se encontra no limite de suas forças. Então se puder ser sucinta e falar clara e abertamente, para que possamos enfim resolver nossas pendências, eu seria muito grata.

Comento com um suspiro enquanto caminho até a velha cadeira que está próxima da mesa de madeira em que geralmente realizo minhas refeições quando estou em casa, e me sento, sentindo pesar sobre os ombros o impacto de um dia inteiro cobrar seu preço.

-Você iludiu meus irmãos e eles são apenas crianças!

Ela acusa, porém não enxergo mais a raiva anterior em seu olhar, e sim uma profunda tristeza que me corta o coração.

-Eu melhor do que ninguém sei o quanto a situação é difícil para cada um deles, esses meninos estão vivendo uma vida que nenhuma criança deveria viver, cheia de medo, insegurança e falta de recursos essenciais para sobrevivência. Mas... saiba que eu e mamãe fazemos de tudo, senhorita Luz, derramamos nosso suor e sangue todo bendito dia para mantê-los vivos e a salvos, mesmo que para isso a gente tenha que...

Ela engole em seco e desvia o olhar com constrangimento, o rosto pálido tingido de rosa e vergonha, antes de prosseguir.

-...se submeter a certas situações humilhantes e desumanas. Porém nós duas fazemos o que é necessário pelo bem das crianças. -Catherine rapidamente vira as costas ao fim do desabafo na tentativa de ocultar os olhos avermelhados e cheio de lágrimas, contudo eu as enxergo.

Algo se parte dentro de mim ao presenciar o momento de vulnerabilidade da garota a minha frente, tão jovem assim como eu, carregando uma carga pesada demais para uma pessoa sozinha carregar. Sua dor toca o fundo da minha alma. Seus receios mexem comigo fazendo com que eu me coloque em seu lugar, sinta o seu sofrimento como se ferisse minha própria pele.

-Senhorita... -pigarreio com a voz levemente embargada, um nó na garganta e a sensação de que tenho que fazer alguma coisa, qualquer que seja, para ajudar a situação de Catherine e de sua família, agora que me recordo de quem ela está falando.

Os irmãos da moça eram as mesmas crianças que me cercaram em frente a delicatessen no dia em que eu havia realizado o parto do herdeiro do duque, e para as quais eu havia comprado alguns pães. Certamente elas ficaram deslumbradas com tanta comida e devem ter corrido imediatamente para casa contar as novidades a mãe. Todavia com o passar do tempo os alimentos se acabaram e os pobrezinhos esperaram por outro milagre como naquele dia.

Sinto-me um pouco culpada por não ter voltado outra vez no local para saber como os pequeninos se encontravam, se estavam bem. Como pude ser tão desatenta?

De repente uma ideia surge em minha cabeça e eu logo me vejo ansiosa para conta-la Catherine. Não é nada grandioso ou esplêndido, contudo, ainda assim é uma boa ideia. Agora resta apenas saber se a garota geniosa a minha frente aceitará a proposta que eu tenho a lhe fazer.

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