06.Você é minha
Anne Turner
Eu odiava o escuro, não me remetia a coisas boas. Sentada neste porão, sem claridade externa alguma, havia me cansado de chorar e decidi. Se em todos esses dias e anos em que chorei nada mudou, de que adiantaria desperdiçar lágrimas?
Fui até a porta do porão e como imaginei, trancada.
“Merda!”, murmurei passando a mão entre os cabelos”. Não, não, não! Tenho que encontrar um jeito de sair desse lugar, minha tia irá me deixar aqui e só me tirar para fazer o que ela desejar".
Suspirei, meu coração ainda batia fortemente. Procurei possíveis formas de sair, e bufei com a frustração.
Era inútil.
Eles haviam me deixado com fome. Mas tudo bem, hoje foi um novo dia. Me sentia como uma mercadoria danificada.
De repente ouvi batidas na porta, e meu nome ser pronunciado em um pequeno sussurro.
“Anne”, a pessoa do outro lado da porta falou”.
Em seguida, o silêncio se instalou, e vi um prato de comida sendo passado debaixo da porta.
Era Valerie.
“Olha Anne, não sou muito sua fã, mas não vou concordar em ver você passar fome”.
“Obrigada, Valerie. “Agradeci”.
“Não conte para eles. Por favor”, disse e ouvi seus passos se retirando. “
Ataquei o prato de comida rapidamente, agradecendo por isso. Talvez Valerie não fosse tão má, ela só foi criada de uma maneira com que ela achasse normal ser assim.
E eu entendia isso. Ninguém escolhe ser ruim, na maioria das vezes apenas foram criados assim.
Após comer tudo, eu tomei um banho no banheiro que havia nesse lixo de porão. Após fazer minha higiene, me deitei novamente.
Estou a beira do pânico, respirando regularmente para não enlouquecer.
Vejo a carranca de Amélia na porta, e ela coloca uma roupa na cama, que suponho ser para eu vestir. A encaro, sem olhar em seus olhos, o medo corre por minha espinha, eu não quero mais apanhar.
“Pode levantar Anne”, sua voz áspera ecoou sobre o porão". Você irá auxiliar na preparação do jantar, mas não apareça perante aos meus convidados, estamos entendidas?
"S-sim", murmurei."
Me levantei da cama lentamente, saindo do porão e a seguindo pela casa. Eu não iria reclamar, pelo menos não estava na prisão. Um dia essa realidade iria mudar para melhor.
Suspirei, e chegando na cozinha, comecei a ajudar a lavar as louças, cortar legumes, entre outras coisas. A figura séria da cozinheira não abria brechas para sorrisos. Então só me concentrei no meu trabalho.
O dia passa rapidamente, anoitecendo em Portland. Tomo um banho, e me visto rapidamente.
Uma vez por ano, meus tios dão esse jantar, normalmente sempre aparecem várias pessoas, e eles discutem algumas coisas cujo assunto eu não faço ideia. Ela nunca deixa com que eu apareça, então fico nos bastidores, quase ninguém sabe da sobrinha bastarda.
Seguro a bandeja e entrego para outra moça servi-los, e assim vai. Uma sucessão de bandejas a serem entregues.
Era um saco.
Sinto um cheiro familiar, algo que eu não sabia explicar porque estava sentindo e fico atordoada. Meu corpo dava sinais de que eu não estava bem, algo dentro de mim, gritava.
“Eu vou ao banheiro, pode segurar para mim?” Entrego a bandeja cheia de carnes para a cozinheira”.
A senhora de quase cinquenta anos me olhou com uma expressão irritada.
"Não demore, menina, não posso cuidar disso sozinha".
Assenti e saí o mais rápido que eu conseguia, o caminho para o banheiro era há uns dois corredores da cozinha.
Sinto uma leve batida no meu corpo, e ergo a cabeça olhando para figura alta e impotente em minha frente, cuja identidade eu sabia.
"Você”. A voz grave disse.
Sinto um milhão de calafrios percorrerem o meu corpo, e me viro para olhar em seu rosto, era ele. William Carter, o que ele fazia aqui? Devia ser convidado dos meus tios, mas nunca o vi aqui antes.
Eu não tinha palavras para formular depois daquela vergonha na delegacia.
“Oi”, sussurrei.”
“Sabia que iria lhe encontrar aqui."
Um súbito rosnado sai de seus lábios, e meus olhos encontram o dele, minhas bochechas imediatamente ficaram vermelhas. Por que diabos esse homem me causava isso?
Ele se aproximou mais de mim, e quase me inclinei imaginando como seria pressionar os lábios dele contra o meu.
Eu precisava quebrar o silêncio, ele ia achar que eu era louca, e ele era bem mais velho que eu. Já que eu tinha vinte e dois, subjugava que ele pudesse ter uns trinta e alguma coisa, pelo menos por sua aparência.
"Por que está nervosa garota?" ele pergunta.
Balancei a cabeça em negação. Ele sorriu.
"Não estou nervosa, senhor", mudei de assunto,"Eu não tive oportunidade de agradecer por ter me salvo da prisão”, gaguejei envergonhada.”
“Irá me agradecer Anne, muito,", ele disse saindo de minha presença."
Agradecer muito? O que ele queria dizer com isso?
Meu coração acelerou com suas palavras, mas me mantive firme.
Um pigarreio me voltou a atenção, era a bruxa da minha tia.
"Anne, querida, não incomode os convidados", ela disse em um tom doce."
Que cobra falsa.
"Ela não está me incomodando, Amélia.", ele disse". Preciso conversar com você, e seu companheiro, agora!"
Minha tia baixou a cabeça, e assentiu chamando ele para seguir até o escritório.
A curiosidade falou mais alto, mas resolvi não espiar, seria castigada por isso.
Voltei aos meus afazeres, e continuei a ajeitar as comidas nas bandejas, limpar a cozinha, enfim, todas essas coisas chatas.
Foi quando pude sentir uma mão me puxando pelo braço. Era minha tia, ela não parecia furiosa, mas parecia calma. Ela me puxou em direção ao porão, e não me deu oportunidade nem de recuar.
Chegando ao porão, ela abriu a porta e me pediu para entrar.
"Vista-se," ela disse quebrando o silêncio".
"Não estou entendendo", falei baixinho".
"Você não precisa questionar, nada Anne, apenas tire esse uniforme e vista uma roupa, não sei o que ele viu em você", ela sussurrou me olhando de cima a baixo".
Do que ela estava falando?
Meu coração batia rápido, peguei o primeiro vestido que encontrei e o vesti.
"Anda garota".
"Para onde estou indo?", perguntei.
"Olha sua órfã…", ela dá passos se aproximando de mim" Não me irrite, não queria entregar a minha escrava, a única parte boa disso. É que seremos beneficiados. Pegue as suas coisas, ande.
Peguei meu ursinho, a única recordação que eu tinha do dia em que perdi meus pais, e algumas roupas velhas que eu possuía, não tinha nada, além disso.
Ela me segurou novamente pelos braços e me conduziu até o andar de cima, desesperada perguntei novamente o que estava acontecendo.
"Por favor… Me diga o que está ocorrendo", segurei a barra de seu vestido e falei entre soluços.
Ela me olhou dando um sorriso maléfico "Irá com o senhor Carter. Você é dele agora, Anne, e acho melhor fazer o que ele quer, ele não tem uma boa fama com as mulheres".
Meu mundo desabou. Era como se houvessem aberto um buraco no meio do chão, e eu tivesse caído dentro dele.
Fui vendida.
Chegamos até a sala, e eu não conseguia controlar minhas lágrimas, olhei para meu tio, e para Valerie, tentando implorar por piedade, mas os mesmos não demonstraram nada e desviaram o olhar.
William Carter se aproximou de mim analisando-me, e eu me perguntava por que ele estava fazendo isso comigo.
"Vamos", sua voz grossa penetrou em meu ouvido".
"Eu não vou a lugar nenhum!" gritei ainda sem entender."
"Você não sabe quem está enfrentando garota, não me desobedeça", ele disse me desferindo um tapa no rosto" Agora você é minha e ninguém ira te defender."
O olhei sentindo uma lágrima solitária escorrer, me perguntando como pude sentir uma mínima atração por esse monstro naquela festa.
Enquanto eu olhava para trás, Valerie e meus tios me encaravam, como eles puderam, me vender…
O homem me levava pelo braço, sua força era descomunal. Ele parou diante do carro e me olha fixamente, em seguida roça o nariz sobre mim como se estivesse me sentindo, o que me causa um arrepio em minha espinha.
"Antes de entrar nesse carro, quero que saiba as regras. Primeiro. Você é minha, até eu decidir que não me interessa mais. Você irá obedecer cada ordem sem questionar, e irá me ajudar a cozinhar e a limpar por enquanto"
Eu o encaro sem saber o que dizer, mas sei que se ceder seria melhor.
"S-sim" gaguejo."
Engulo o seco. Pelo menos ele não me machucou mais, embora eu não saiba por quanto tempo.