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Vídeos caseiros

Me espreguiço antes de abrir os olhos e encarar o teto do quarto.

Aos poucos me lembro da discussão com André, o fato de ter quase morrido e isso ser desesperador.

Também tinha Rodrigo, não sabia como ele estava e muito menos o que estava pensando a respeito de mim.

Pensando nele, pego meu celular e ligo novamente, tendo minha chamada indo para a caixa-postal.

Já não tinha dúvidas que ele estava me odiando.

Sento na cama esfregando os olhos, levantando, arrastando meus pés para fora do quarto, dando de cara com uma senhora menor do que eu.

- Ah. Oi! - digo dando um passo para trás.

- Átila mandou entregar isso aqui pra você - Ela me estende roupas.

Franzo o cenho, as pegando.

- Essas roupas não é minha não.

- Ele só pediu pra te dar e o café já tá pronto - Dito isto ela se afasta, me deixando com roupas que não eram minhas.

Sem querer começar o dia com questionamentos, decido tomar um banho primeiro e comer alguma coisa, para só depois fazer os questionamentos necessários.

A roupa em questão que Átila mandou entregar para mim, tinha perfume próprio. Não era cheiro de roupa nova, era perfume mesmo, delicado, doce.

Era um short jeans escuro, não muito curto e um croped branco com lantejoulas.

Aquele era um tipo de roupa que usaria num bloco de carnaval e não em casa. Para ser mais sincera, não fazia muito meu estilo, que era baseado no básico e o básico sempre dava certo.

Me sentindo pronta para pular o carnaval, vou comer. A mesa do café da manhã retangular, tinha novamente todo tipo de comida, desde bolo até salada de fruta.

Se continuasse a ter toda aquela comida pelo tempo que eu continuasse ali, não veria problemas em ajudar Átila.

Já havia comido quase um bolo inteiro, bebido meia jarra de suco, dois pães francês e uma taça média de salada de fruta, quando Átila entra de repente na cozinha, me fazendo quase engasgar.

Coloco a mão na frente da boca, precisando beber mais um pouco de suco para não morrer.

- Já tomou café? - pergunto após engolir.

Ele olha para a mesa sem demonstrar seus sentimentos pela sua expressão e novamente para mim.

- Não tô com fome mas, vá em frente - Ele puxa uma cadeira e se senta, olhando com a atenção a roupa que vestiu - Até o corpo vocês tinham parecido.

- Estou começando a achar que ela era minha gêmea perdida.

- Tem uns pequenos detalhes ainda que não deixa vocês serem idênticas.

Bebo mais um pouco de suco.

- O quê?

- O jeito de falar.

Claro.

- E como vou...?

- Ela tinha Instagram. Vivia postando vídeos e storys.

- Entendi.

- Você só precisa assistir e decorar o jeito dela.

Assinto.

- Entendi - Forço um sorriso. Não me parecia ser uma tarefa difícil, já que não tinha planos para sair daquela casa naquele momento.

Maluh_ofc tinha 10.567 seguidores e seguia apenas 122 pessoas, incluindo Átila. Em seu feed havia mais fotos dela sozinha do que com o marido, as vezes exibindo roupas caras, bebidas e viagens, sozinha.

Átila tinha razão em dizer que nos parecia, realmente nos parecíamos, a não ser pelo cabelo com luzes vermelhas.

Tentava entender como duas pessoas poderiam se parecer tanto, sem ao menos serem parentes e não cheguei em nenhuma conclusão.

O primeiro vídeo que assistir era uma challenge de uma música famosa, ela dançava perfeitamente, enquanto sorria a cada instante para a câmera. Depois foi um daqueles vídeos onde se dublava uma fala e ela também se saia muito bem.

Os vídeos seguintes continuaram a ser de dança e dublagens e tinha bastante likes e comentários.

Quase perto do almoço, já estava mais do que entediada com tantos vídeos. A impressão que tinha era que não terminariam nunca.

A mulher de horas antes, desce a escada de repente com balde, vassoura e rodo.

- Já vou arrumar o almoço - diz ao notar meu olhar.

- Tá bom.

Pelo menos ela trabalhava ali e era a responsável pela comida. Não iria morrer de fome e meu tédio passaria quando almoçasse.

O almoço não demorou a ficar pronto e ela não precisou chamar duas vezes.

- A senhora trabalha aqui? - pergunto nem na metade do meu prato.

- Vai dizer que acordou com aménesia, Malu? - diz com um leve sorriso no rosto.

Arregalo os olhos com o garfo perto da boca.

- Que cabeça a minha - digo continuando a comer.

Ela continua se movendo de um lado para o outro.

- Por que não dormiu no quarto com o Átila?

Você é a Malu, então pense como se fosse casada.

- Hã. Ele é espaçoso as vezes até demais.

- E não vai sair hoje não?

Nego no mesmo instante com a cabeça.

- Não tô afim.

Átila entra novamente de repente na cozinha, se adiantando em pegar um prato no meio da mesa.

- Ela passou, Rô?

A mulher balança a cabeça no mesmo instante.

- Não conseguiu convencer.

Olho para os dois confusa.

Como assim?

- Fez um teste comigo?

- Você tem que ser ela.

- Mas eu não sou, lembra? E mesmo que eu tente, nunca vou conseguir.

- Você vai ter que conseguir, por mim e por você. Se não a gente vai morrer - diz ele sem rodeios, se sentando na cadeira ao lado.

Olho ele de cima abaixo, erguendo as sobrancelhas.

- Você é sempre assim direto?

- Não gosto de enrolação.

- Então você é.

Ele me olha.

- Você não é?

Costumava ser mais...sensível com as palavras, pois havia um ditado que dizia que as palavras machucavam mais do que um tapa e eu mais do que qualquer outra pessoa, entendia isso, já que sofria diariamente com agressões tanto verbais, quanto físicas.

- Não - digo voltando a comer.

Ele faz o mesmo, se virando novamente para mim segundos depois.

- Tem que melhorar.

- Eu sei.

- Malu costumava ser um pouco meiga - Ele continua - Vira e mexe sorria falando.

- Tá dizendo que não sou meiga? - Nunca fui de me importar com as coisas que as pessoas pensavam ao meu respeito, mas por alguma razão, naquele momento, me importei com o que Átila pensava.

- Não disse isso.

- Mas pensou - digo séria - Não sou meiga o suficiente pra você?

Ele dá mais uma garfada na comida, antes de soltar o ar dos pulmões.

- Não deu pra perceber muito - Com o maxilar tencionado, continuo a comer - O que tô dizendo é que não conheço você bem. Não dá pra saber.

- Já entendi.

- Não parece. Tá de bico.

Encaro ele novamente, dessa vez soltando o garfo.

- Não tô de bico.

- Tá sim - Ele dá um meio sorriso.

Solto o ar dos pulmões.

- Você quer me irritar. É isso.

- Impressão sua - diz piscando, antes de levantar e levar o prato dele até a mesa.

Idiota, penso, terminando de comer.

De volta aos meus “estudos”, começo a assistir os storys e a entender aos poucos do que Átila estava falando. O modo que eu falava, era completamente contraditórios ao jeito que Malu falava.

Ela chegava a ser superficial, tudo nela parecia ser programado, até o jeito que Átila disse quando ela sorria.

No banheiro, após conseguir descarregar meu celular, começo meus ensaios. A princípio, meu cérebro só conseguia jogar na minha cara que estava sendo ridícula. Mas depois, sentia como se vestisse aos poucos um personagem.

Quando me senti suficientemente confiante, fui atrás de Átila, o encontrando em frente a tv mexendo no celular.

- Você só esqueceu de dizer que... - Ele se vira automáticamente ao ouvir minha voz - quando me dedico a alguma coisa, sempre dá certo - O timbre da minha voz estava mais suave e o modo que falava quase num sussurro, era a cereja de tudo aquilo.

- Fala outra coisa.

Nervosa, tento pensar em algo elaborado.

- Seu colchão é bom.

Ele ergue as sobrancelhas.

- É mesmo?

- Um dia quando eu tiver dinheiro sobrando, quero saber onde comprou.

- Continua - Um meio sorriso surge em seu rosto.

- E a comida que a Rô, né? - Ele assenti - Também é boa e olha que não como muita coisa por aí.

- Qual teu nome?

Estava prestes a dizer Bruna, quando me detive.

- Malu.

- Maria Luíza - Ele me corrige.

- Maria Luíza - Repito.

- Quantos anos, Maria Luíza?

Esperava que o Instagram não estivesse mentindo.

- 20?

- Isso aí.

Átila suspira.

- O nome do teu pai é Rosalvo e da sua mãe Elisângela. Você ainda tem mais dois irmãos, homens. Mais velhos do que você.

- Sou a caçula então - Concluo.

- E o bebê deles.

Estreito os olhos, sem entender o que exatamente ele quis dizer com bebê.

- Eu trabalho?

- Não.

- Faço alguma coisa da vida, pelo menos?

- Vai na academia e... a gente tem uma cafeteria no centro.

Assinto, dando alguns passos em circulo.

- Tem outra coisa?

- O quê?

- Vamos ter que dormir juntos.

- Por que? Só mora você aqui.

- Precisa ser convincente.

Se era para fazer direito, que fosse então.

Como André mesmo falou, já estava até o pescoço dentro da lama.

Antes que eu perguntasse se havia mais alguma coisa, meu celular começa a tocar no segundo andar, isso me faz correr disparada escada acima e o pegar carregando no banheiro, com um carregador que encontrei no quarto de Átila.

- Alô? - digo sem fôlego.

- Bruna? É do RH da boate Le Reve Club. Tudo bem?

- Eu mesma. Estou...bem.

- Estamos ligando para saber como está. Queremos auxiliá-la da melhor forma possível pelo o que aconteceu.

- Eu estou bem - murmuro.

- Tem certeza? Não se feriu ou nada do tipo?

- Tenho sim - Faço uma breve pausa - E o meu colega? O nome dele é Rodrigo.

- Ele foi baleado no ombro mas está bem. Infelismente tivemos alguns colaboradores que vinheram à óbito e estamos prestando nossas condolências as famílias.

- Entendi.

- Leve o tempo necessário para voltar a trabalhar, tá bom?

- Certo. Obrigada.

- Disponha.

Pelo menos Rodrigo estava bem e me ignorando.

Apenas para me torturar mais uma vez, ligo para ele, só que dessa vez a ligação é aceita.

- Alô - diz uma voz familiar do outro lado.

- Por que está com o celular do Rodrigo?

- Ah. Oi, Bruna! Você sumiu!

O quê aquela vagabunda estava fazendo com o celular do meu namorado?!

- Cadê o Rodrigo?

- Ele está aqui. Quer falar com ele?

Havia ligado para o celular dele, era claro que queria.

- É. Eu quero.

- É a Bruna - Ouço ela dizer e ele murmurar algo - Vai, atende logo - Ele murmura mais alguma coisa e isso é motivo para eu desligar.

A raiva me dominou mais rápido que esperava.

Ele estava com ela agora?

É isso?!

Havia sido trocada mais rápido que pensei que ele faria um dia.

Sentindo a raiva correr pelo meu corpo, vou até o quarto onde dormi na noite anterior, sentando na beirada da cama.

Meu celular começa a tocar de repente em minha mão e o nome de Rodrigo aparece.

Encaro a tela do celular lutando com a vontade de atender e ouvir a desculpa que ele tinha para me dar. Meu coração estava doendo e a vontade de sumir literalmente crescia dentro de mim.

Átila aparece na porta aberta do quarto, encostando a cabeça na soleira.

- Bora continuar?

Fungo sem olhar para ele.

Ser outra pessoa naquele momento, me pareceu um ótimo jeito de fugir da minha própria realidade.

- Já vou descer - digo baixo.

Ele continua me olhando.

- Tá tudo bem?

- Tá - Inspiro profundamente, erguendo a cabeça, encontrando seus olhos.

Sustento o olhar dele até não aguentar mais o contato visual e levantar.

- Vai vir ou não? - pergunto com a voz da Malu.

- Tava bom antes - diz me seguindo.

Continuamos de onde havíamos parado na sala. Átila me dá o máximo de informação possível sobre Malu, tentando lembrar tudo que fosse necessário.

Até aquele momento tudo que eu sabia era que ela tinha dois irmãos mais velhos, seus pais ainda eram vivos e viviam juntos, ela costumava passar muito tempo na cafeteria, não trabalhando, é claro, e estava noiva de Átila, iriam se casar e ela estava feliz (segundo Átila).

Era muita informação de uma vez só, principalmente para mim que já tinha meus próprios problemas.

- Mais alguma coisa? - pergunto cansada.

Átila hesita, fixando o olhar no vazio.

- Átila... - insisto.

- Só uma - O celular dele toca, ele pressiona os lábios, o tirando do bolso da frente da bermuda - O quê? - diz ao atender - Como assim? Vocês não conseguem resolver um problema simples desses?! - Ele levanta saindo pela porta.

Se tivesse ou não mais alguma informação, por aquele dia, não queria mais saber. Minha cabeça estava prestes a explodir e a única coisa que queria, era me desligar da Malu e também da Bruna.

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