Capítulo 07
Levanto cedo, compro alguma coisa para comer na padaria e já saio pro QG, o carregamento está chegando e Heloísa já está indo rumo ao galpão de descarrego, ela e Val são bem competentes na função delas e já organizaram tudo para distribuição e armazenamento.
Olho minha agenda em cima da mesa, pego meu telefone e não tem nada, ou melhor, tem várias mensagens mas nenhuma que satisfaça esse sentimento de ansiedade, é como se eu estivesse esperando algo acontecer ou alguém me procurar, mas nenhuma das duas coisas estão passíveis de acontecer.
Viajo nos meus pensamentos e lembro de Tom, como será que ele está depois dos últimos acontecimentos? Sinto vontade de mandar uma mensagem, mas melhor esperar um pouco, está muito recente, ele deve estar tentando pôr ordem no Morro, principalmente agora que Dono rodou.
— Oi?... Chefinha?... Rafaela? — Val me chama
— Oi! Estava pensando em algumas coisas… está aí a muito tempo? — Saio do transe sem me dar conta de quanto tempo fiquei viajando.
— Não, acabei de chegar! Só vim te dizer que já descarregou… mandei nossas armas pro paiol, e as mercadorias já foram todas distribuídas. Só está em cima a do Tom, a senhora não me falou o que é pra fazer com ela. — Ela pergunta parada na porta.
— Coloca junto com a nossa, pode guardar como se fosse nossa!
— Mas a senhora sabe que responsabilidade é dele né? Depois que descarrega ele tem que resgatar e caso de desacerto a gente não tem nada com isso!
— Só faz o que estou dizendo! A mercadoria do Tom vai ficar no nosso barracão e pronto, quando ele puder e quiser ele busca— A voz sai um pouco mais seca do que eu gostaria, contudo deixo- a sair sem dizer mais uma palavra.
Por alguma razão que não é apenas a consideração de corre, eu me importo com Tom mas preciso ignorar esse lado emotivo, não posso misturar as coisas, não mesmo.
Saio para averiguar algumas coisas no morro, mas encontro Sereia arrastando uma mala pelas ruas com cara de brava, sorrio pequeno, caminho em sua direção, por sua expressão sei que ela não está no seu melhor humor mas não me contenho.
— Dormiu com a vó atrás do Toco? — Provoco e ela bufa. — Bom dia Sereia!!
— Me erra Flávia! … Ao invés de me torrar podia vir me ajudar a carregar esse trambolho até a casa da minha mãe— Ela fala ainda mais irritada e eu caio na gargalhada.
— Vem, vou te ajudar, mas eu quero saber o que aconteceu que você está chegando aqui assim… que eu me lembre tem uns anos já que você saiu daqui para casar e disse que nunca mais colocaria os pés aqui outra vez… — Questiono realmente curiosa, pois de fato ela já estava sumida daqui muitos anos.
Chegamos no barraco de dona Odete, que já foi logo abraçando a filha e me recebendo com um sorriso acolhedor, como sabe que amo café ela sai para coar um fresquinho e eu aproveito para conversar com a Sereia que está péssima.
— Quer conversar agora, ou pode ser outro dia?
— Não tem o que conversar, eu fui jogada na rua como se fosse um lixo… uma favelada! Essa foi a expressão que aquele ordinário filha da puta me usou… F A V E L A D A!! Me fez sair sem um real mesmo depois desses anos todos cuidando dele.
— Calma, o que aconteceu pra ele agir assim? — pergunto tentando entender, pois ela está muito abalada e não consegue explicar nada direito.
— Resumindo, ele arrumou uma burguesinha e me descartou, assim como se eu fosse um lixo… me humilhou jogando todas as minhas coisas no meio da rua…
Enquanto ela mais chora do que narra, dona Odete entra com o café e nos serve, depois passamos braços envolta da filha e a consola. É uma situação delicada, deve ser analisada mas sei que o assunto não cabe envolvimento de ninguém, eles não são criminosos e ele nem é do morro, melhor deixar eles amadurecerem a mente.
— Dona Odete, mas que cafezinho acertado heim!!! Muito obrigada de coração, estava ótimo… — Agradeço colocando a xícara sobre a mesinha e volto meu olhar para Sereia. — Eu estava indo ver algumas ações e projetos para o morro, quer ir comigo?? Assim você se distrai, se acalma…
— Vai minha filha, Vai ser bom!! — D. Odete reforça
— Tudo bem! Vamos, vai ser bom… — Sereia fala pegando sua bolsa e dando um beijo na testa da sua mãe.
Saímos de braços dados como nos tempos de adolescência, ela vai me contando sobre a vida dela esses anos todos que esteve fora e eu sobre os perrengues que passei quando Thiago foi preso, sobre minha prisão e agora nossa separação.
Foram tantos acontecimentos que nem parece que foram só três anos de casamento, eu heim… Sereia viveu bem, viagens internacionais, luxo e conforto, só esqueceu de fazer o pé de meia, achou que ele não iria trocá-la assim como fez com a anterior.
Visitamos os serviços sociais da comunidade, e dei atenção no andamento do morro, depois de findar minhas obrigações nós sentamos no barzinho do seu Juca para tomar uma gelada e comemorar o retorno da minha amiga, é tão bom ter uma amiga por perto… As meninas são ótimas no que fazem mas são só parceiras nos negócios, nenhuma é amiga do dia a dia.
— E depois do Thiago, não se envolveu com mais ninguém? — Sereia pergunta levando a garrafinha de cerveja na boca.
— completamente fechada para esse tipo de envolvimento… Assumindo o morro, não tenho tempo pra cuidar de marmanjo não.
— Iiiiih!!! Vai me dizer que não tirou nem as teia de aranha? Nenhumazinha depois que saiu da casa de pedra?
— Nada!! Só trabalho…— viajo alguns segundos nos pensamentos e a Sereia me tira do transe.
— Desembucha que eu te conheço, tá interessada em alguém, quem??? Por que não pegou ainda garota!!???
— Não é bem interessada… Tem um irmão aí que tem aliança com a gente e dá maior força desde que eu entrei nos trabalhos, PORÉM, eu não me envolvo com ninguém que eu faça corre.
— Larga de ser besta, se joga na felicidade… Não precisa casar não, pega e fode gostoso depois vida que segue… tira essa teia de aranha, libera esses hormônios, eu heim! — Ela fala e eu caio na gargalhada.
— Definitivamente NÃO!
— E quem é ele, garota? Eu conheço?
— Conhece não é de outro morro, inclusive ele nem deve querer nada comigo, as mina pira nele… é o sub do Dono, sabe como é né!
— Tu não se compara com essas pivetas! Você é a dona da porra toda, você manda e desmanda, tu acha que ele não te quer? Além de tudo é linda.
— Tava precisando de uma amiga para me iludir, onde agradeço seu ex por devolver você pra minha vida? — Provoco gargalhando e ela me joga uma bolinha de guardanapo.
Ficamos até anoitecer bebendo e fofocando, até minha mãe ligar e me mandar ir embora pra casa que hoje ela me quer dormindo lá, eu obedeço é claro, a única pessoa que vai mandar em mim a vida toda será ela.