Capítulo 5 - Há vagas
Ouvi gritos. Não sabia se era sonho ou realidade, pois meus olhos ainda estavam fechados. Logo ouvi as vozes cada vez mais próximas. Uma claridade passeou sobre minhas pálpebras e ouvi o barulho da janela se abrindo:
- Acorde, Kat... Acorde.
Abri meus olhos e o sol cegou meus olhos. Fechei-os novamente, preguiçosa:
- Que houve? Se não ganhamos na loteria, qual motivo desta gritaria toda?
- Levante-se daí agora, Katrina Lee. – disse minha mãe seriamente.
Ergui meu corpo, me recostando na cabeceira dura e desconfortável.
- O que houve?
- Encontrei um emprego para você.
- Então... Já vou começar? – perguntei ironizando a forma como fui acordada.
- Vamos lá, Kat. Se mexa que você tem muito a fazer.
Levantei confusa e cambaleante. Leon me olhava atento, junto de minha mãe. Ela trazia nas mãos o Jornal Real de Noriah Sul.
- Hum... Vaga de emprego no Jornal Real? – perguntei.
- Sim... Dama da companhia da rainha. – minha mãe disse sorridente.
- O quê? – perguntei perplexa. – Você acha que eu estou apta a este emprego? Dentro do castelo?
- Claro que sim... Você é Katrina Lee.
- Mãe... Eu não poderia.
- Por quê? – perguntou ela me olhando seriamente.
- Mãe, eu nunca me vi dentro do castelo de Noriah... Eu nem sou a favor da monarquia... Eu não gosto da forma como a rainha Anne conduz o país. E eu poderia listar outras coisas menos importantes caso queira.
- Não me importa o que você pensa, Kat. Importa que é o emprego dos sonhos de qualquer garota da sua idade. Não só pelo salário, que é o melhor comparando a qualquer emprego que você poderia arranjar. É o fato de você estar dentro do castelo de Noriah, junto da rainha.
- Mãe... Jamais me escolheriam.
- Então você vai dar um jeito de ser escolhida. Porque você é Katrina Lee e nós precisamos deste dinheiro e deste prestígio para recuperar nossa dignidade na cidade.
Embora eu achasse que ser escolhida para este emprego fosse algo impossível, minha mãe tinha razão: eu poderia pelo menos tentar. Peguei o jornal e vi o anúncio, que ocupava uma página inteira. Era o emprego do ano. E adivinha só? A mulher escolhida seria da classe D em diante. Desentendidos achariam que a rainha Anne era uma pessoa maravilhosa, dando oportunidade de emprego aos menos favorecidos. Eu, lendo aquilo, já entendia a verdadeira razão daquilo tudo: popularidade da monarquia. Eles precisavam estar na mídia e que passasse uma boa impressão ao povo.
Enquanto ia para mesa tomar café da manhã aproveitei para ler o restante do Jornal Real. Só tinha leite para o desjejum. Olhei para minha mãe preocupada.
- Temos mais alimentos, mas vou economizar. – ela disse.
- Eu entendo. – falei.
- Mas... Leon comeu?
- Sim.
- Ele ganhou mais do que um copo de leite, não é?
Ela balançou a cabeça afirmativamente. Olhei para ele brincando com seus carrinhos no meio da sala, pouco preocupado com o que estava acontecendo naquele momento. Eu não queria que Leon passasse por dificuldades. Ele era apenas uma criança e não tinha culpa de nada. A responsabilidade pesou ainda mais sobre mim.
- Amanhã pode dar meu leite para ele.
- Não precisa... Como falei, somente um modo de economizar. Amanhã podemos comer o pão sem o leite.
- Mãe... Eu vou conseguir este emprego.
- Eu sei disto. Nunca desacreditei em você, Kat. Você nasceu para brilhar...
- Mãe, obrigada por confiar tanto tem mim.
- Você sempre foi inteligente, desde criança. Conforme foi crescendo, sempre soube o que queria da vida. E você vai conseguir tudo que quiser nesta vida... Eu sei disto.
- Obrigada... Por estar sempre conosco. – eu coloquei minha mão carinhosamente sobre a dela. – Pode guardar meu leite... Eu estou sem fome.
Ela não hesitou e guardou. Perguntei:
- Papai bebeu leite?
- Sim. Um copo. Não deveria, mas ganhou.
Eu ri. Ela não tinha jeito. Fui até o quarto dar bom dia e fazer um carinho nele. Sei o quanto ele gostava da atenção que eu lhe dava. Adolfo Lee já estava acordado, recostado na cabeceira da cama. Ele ainda estava pálido e parece que nunca ganhava peso. O médico dissera que não adiantava ele ficar em hospital. Estava em depressão profunda, síndrome de pânico, anemia e um problema no ritmo de batimentos cardíacos. Caso houvesse piora, seria internado. Mas não havia nenhuma piora... Nem melhora. Ele estava sempre do mesmo jeito. E o maior problema que ele carregava não era no corpo... Estava dentro do coração. O arrependimento por tudo que ele havia feito para própria família. Um homem viciado em jogos que perdeu absolutamente tudo que tinha, incluindo casa e dignidade. Os cabelos negros dele já tinham vários fios brancos crescendo. Ele não costumava cortar sempre, então ficavam no meio termo. Ele costumava ter a barba sempre bem aparada, mas ultimamente estava crescida. Já não tinha vontade de ficar apresentável. Não tinha motivos para isso, pois a casa era o único lugar que ele ficava. Os olhos azuis tão claros que dava para ver a própria imagem refletida neles eram de uma tristeza sem fim... Eu queria muito meu pai de volta, sorrindo, feliz, fazendo brincadeiras conosco... Mas isso implicava um pai que quase todas as noites saía para jogar tudo que tinha no bolso. Então o melhor era ele estar em casa. Era seguro para ele e para todos nós.
- Tudo isso é por minha culpa. – ele lamentou.
Nossa casa era pequena. Então era fácil ouvir tudo que acontecia de um cômodo para outro. Mesmo que mamãe não tivesse lhe dito que não tínhamos comida, ele já estaria a par ouvindo o que se passava.
- Pai, tudo vai ficar bem. – eu disse tentando animá-lo. - Eu vou tentar conseguir um emprego.
- Eu ouvi sobre a vaga para dama de companhia da rainha Anne.
- Sim... Mas não vou ficar empolgada com isso, pai. Você sabe quantas pessoas se inscreverão para esta vaga?
- Sei... Mais de cem mil... Chutando por baixo.
- Exato... Por que eu seria escolhida?
- Bem, porque você tem uma carta na manga.
Olhei para ele confusa:
- Não... Eu não tenho.
- Tem.
- Como assim, papai?
- Eu já fiz tantas coisas erradas... E sou o responsável por você sair da faculdade e ter que procurar um emprego para cuidar da família...
- Pai, eu já disse...
- Me deixe terminar, Kat. Eu posso ajudar. Eu não vou perder a oportunidade de fazer isso.
- Mas... Como faria isso?
- Querida, faça a inscrição e espere.
Eu saí de lá cheia de dúvidas. Meu pai nunca me pareceu alguém que pudesse ajudar... Mas não custava dar uma chance. Peguei o Jornal Real novamente. Ele era de tiragem semanal, então sempre tinha muitas notícias quando o recebíamos. Todas as casas recebiam um, com as notícias da realeza e o que a monarquia fazia de bem pelo país. Então nele não continha nenhuma notícia trágica ou ruim. E era o único jornal permitido no país. Havia grupos contra a monarquia que entregavam panfletos atacando a rainha. Eram caçados e jogados na cadeira quando encontrados. Mas isso não era muito problema na nossa classe. Ninguém dava importância para nós, nem mesmo a monarquia. Então a panfletagem corria a solta sem muito problema. Mas os grupos que eram contra o sistema se encontravam secretamente. E era preciso ter muito cuidado, pois alguém poderia não ser de confiança e dedurar o grupo. Isso sim era um problema, pois geralmente pequenos grupos acuados denunciavam os grandes grupos por trás.
Abri o Jornal e bla, bla, bla... As mesmas notícias de sempre. Meia página anunciava o namoro do príncipe Magnus com Vitória Grimaldo, uma jovem pertencente à da Classe A. Havia foto dos dois, mas não juntos e sim separados. Será que não tinham tido um encontro de verdade para que pudessem postar uma foto dos dois juntos? Eu ri... Maldita realeza, cheia de mentiras e agora casamentos arranjados. Vitória era uma garota bastante conhecida. Bonita, rica e de uma família influente dentro do castelo. Se não me engano o pai dela tinha título de Duque... Então acho que ela era uma Duquesa. Mas tanto fazia, pois em breve ela seria a Princesa Vitória Grimaldo Chevalier. A foto do príncipe não estava muito boa. E eu percebia que eram sempre assim. Deviam usar sempre a mesma. Será que ele não gostava de fotografar? O príncipe tinha 25 anos. Eu nunca o vi sorrindo, nem em fotos nem na TV. Ele era sempre muito sério. Embora eu não gostasse de nada que vinha da realeza, eu não achava ruim o discurso dele. Mesmo na TV ele parecia uma pessoa preocupada. A testa dele estava sempre enrugada, demonstrando preocupação. Sim... Eu observava isso. Assim como a Rainha Anne Marie estava sempre sorrindo, mas não fazia nada para ajudar o povo. No fim eu sabia que tudo só mudaria no dia que ela saísse do poder. E existia a esperança de que o filho dela fosse uma pessoa melhor. Dereck, o príncipe mais novo, devia ter mais ou menos a minha idade. Embora ninguém da realeza tivesse rede social, ele tinha vários perfis fakes. Algumas garotas achavam que ele poderia estar por detrás de algum deles. Era um homem que adorava aparecer. Aproveitava bem sua vida agindo como um playboy. Viajava o mundo, vivia em boates cheias de mulheres bonitas e ricas ao seu lado.
Liguei para Kim:
- Oi, amigo.
- Kat, querida. Não vou aguentar ficar sem você na faculdade.
Eu ri:
- Claro que vai... Nossos corações estão interligados 24 horas por dia e você sabe disso. – brinquei.
- Acho que você vai ter que trabalhar comigo no salão à tarde... Tem esta opção.
- Obrigada, Kim. Mas por enquanto vou tentar outra coisa. Eu não sei fazer nada no seu salão... Você sabe disto.
- Eu posso ensiná-la, baby. Não é difícil.
- Você é o melhor cabeleireiro e maquiador que existe. Quem se arriscaria a dar os cabelos para mim?
Ele riu:
- Não brinca!
- Kim, obrigada mesmo por tentar me ajudar. Mas eu preciso de mais grana que um Free lancer no seu salão...
- Eu sei... Mas ainda é uma opção, caso tenha dificuldade.
- Sim... Mas adivinha? Minha mãe acha que eu posso ser a dama de companhia da rainha.
Ouvi a risada sem fim dele do outro lado da linha:
- Isso é a coisa mais engraçada que Laura já falou na vida.
Eu ri:
- Pois então... Ela falou sério.
- Ela sabe que Kat Lee é contra a monarquia?
- De certa forma sim... Mas não tudo, não é mesmo?
- De qualquer forma, você não conseguiria o emprego.
- Eu sei... O pior é que meu pai disse que tem uma carta na manga.
Começamos a rir os dois. Realmente era engraçado. Minha mãe achar que eu conseguiria ser escolhida dama de companhia da Rainha e meu pai, um perdedor, achar que poderia de alguma forma ajudar. Hilário era a palavra.