Capítulo 4
Vamos lá Beatriz, acorde.
Volte Beatriz.
Abra os olhos, por favor...
Ela não está respondendo.
Por favor, Beatriz, não me abandone.
Vou tentar mais uma vez.
Um, dois, três, quatro.
Vamos lá, Bee.
Espera, ela está respirando...
Acho que ela está voltando.
Abra os olhos Beatriz.
Isso, abra os olhos.
Cuspa fora toda água...
Calma, calma.
Alguém chame uma ambulância, rápido!
Você vai ficar bem.
Eu estou aqui com você.
Não feche os olhos...
— Hugo? – pergunta Beatriz, desnorteada. Está tão escuro que não consegue ver quem segura sua cabeça. Então uma forte luz surge, fazendo seus olhos arderem.
Quando abre os olhos novamente, consegue ver quem é: Flávio. Ele está todo molhado e olha preocupado para Bia. Ela tenta falar algo, mas ele coloca os dedos levemente sobre os lábios dela:
— Não se esforce. Tente tossir, precisa expelir o máximo de água, tudo bem? – pede Flávio, que em seguida olha para as pernas de Beatriz meio cobertas pelo vestido verde que ela usa — Tente mexer suas pernas.
Ela o obedece prontamente. Ele sorri satisfeito em ver que nada tão grave parece ter acontecido. Beatriz sente a água tocando levemente seus pés. Olha novamente para Flávio que ainda está agachado próximo a ela segurando sua cabeça. Ele fala com outra pessoa que está fora de seu campo de visão. Enquanto o observa, nota que ele entrou com seu belo terno e sapatos pretos no mar. Como ele sabia onde eu estava? pergunta-se Beatriz. Flávio é um homem bonito, seus cabelos loiros estão batendo no colarinho da camisa, sua barba está feita e mesmo molhado, o cheiro do pós-barba inunda as narinas de Beatriz. Seu corpo está bem mais musculoso do que a última vez em que se encontraram.
— Precisamos sair da areia e esperar a ambulância no calçadão. – explica Flávio interrompendo os pensamentos de Beatriz. Sem perguntar se tem algum problema, ele a coloca em seus braços — Pronta?
— Não me leve para o hospital – implora Beatriz nos braços de Flávio — Já dei matéria suficiente para as revistas. É capaz de falarem que tentei suicídio.
— Tentou? – pergunta Flávio encarando Beatriz, intrigado.
— Não…. – responde Beatriz, insegura. — Eu só queria fugir.
— E decidiu fugir para dentro do mar? Não foi uma escolha muito sábia – zomba Flávio — Tudo bem, para onde quer ir?
— Para casa, o Antônio pode me levar – tenta descer, mas os braços de Flávio a prendem ainda mais — Pode me soltar, por favor?
— Não acho uma boa ideia o Antônio levá-la. Os paparazzis irão atrás de você. – pensa um pouco e determina — Você vai para minha casa, eu vou te levar.
— Não preciso, eu posso me cuidar.
— Deu para ver – retruca Flávio olhando para o corpo molhado de Beatriz. — Está decidido, irá para minha casa hoje. Você precisa de uma boa noite de sono.
Beatriz pensa em protestar, mas prefere não fazê-lo, os braços de Flávio estão confortáveis. Encosta seu rosto no peito dele e se deixa levar até a BMW 760li prata que pertence ao loiro. Entram no carro e seguem em direção à Santa Teresa.
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O tamanho da casa estilo colonial feita de arenito amarelo claro que pertence a Flávio, deixa Beatriz deslumbrada. Todas as janelas mantêm o estilo do século XIX. As portas principais são feitas de madeira bordo. Ainda estão com essa casa?, pensa Beatriz, admirada enquanto espera Flávio entregar o carro para o motorista.
— Espero que ainda se lembre da casa da minha família – responde Flávio lendo a mente de Beatriz.
As portas se abrem e um homem de cabelos grisalhos e bigode, aparenta ter cinquenta anos, pelo uniforme – túnica branca e calça social preta – está os esperando com toalhas de banho.
— Senhor – fala o mordomo entregando a toalha para Flávio — O quarto de hóspedes já está pronto, como solicitou. Algo mais?
— Acho que não – responde Flávio. Então ele olha para Beatriz e pergunta. — Gostaria alguma coisa?
—Roupas – responde Beatriz com um sorriso amarelo olhando para seu vestido molhado. — Roupas limpas, se possível.
— Não se preocupe, eu já providenciei isso com Roberto – afirma Flávio sorrindo tentando tranquilizar Bia. — Quer comer algo? Lógico, depois do banho. Eu acabei de lembrar que não ficamos para o jantar.
— Eu não estou com fome, obrigada – mente Beatriz. Seu estômago ronca desesperado por comida, ainda mais depois do afogamento — Não quero incomodar mais ainda.
— Isso deixou de ser uma opção desde que você decidiu curtir uma praia – retruca Flávio — Sem contar o faro de estar me devendo os aperitivos da festa que peguei para você com tanto carinho – faz beicinho para Beatriz que agora sorri para ele. Ele a convenceu.
— Tudo bem, mas agora eu realmente preciso tomar um banho.
— Certo. Roberto, peça a Marta que prepare algo para esses dois mortos de fome, cheios de areia, por gentileza – pede Flávio olhando para Roberto que responde com um aceno de cabeça, deixando Beatriz e Flávio no saguão de entrada.
— Venha – chama Flávio dando um passo para o lado, acolhendo Beatriz para dentro da casa.
As paredes são brancas e com vários quadros pendurados, alguns, Beatriz conhece, outros parecem ser retratos dos antepassados de Flávio. No teto, lustres antigos de cristal. O piso de madeira parece ter sido encerado recentemente de tão brilhoso. Eles seguem até o final do corredor onde tem uma belíssima escada principal que os leva para o segundo andar.
Flávio a leva para o quarto de hóspedes que é do tamanho do quarto principal do duplex de Beatriz, com uma sala íntima onde o homem para bem no centro.
— Fique à vontade. Tem roupas no closet. Qualquer coisa estou no meu quarto que é no final do corredor – explica Flávio que vai em direção à porta do quarto — Se quiser, eu te espero para irmos comer.
— Muito obrigada – agradece Beatriz passando as mãos nos cabelos cheios de areia — Acho que vou demorar um pouco para me arrumar, se quiser pode ir à frente. Só me ensine onde fica a cozinha.
— Posso fazer melhor, eu trago a comida para cá e fazemos um belo piquenique no seu quarto. O que acha? – propõe Flávio, entusiasmado com a ideia que teve.
— Como você achar melhor – responde Beatriz, tímida.
— Então está decidido – afirma Flávio sorrindo —Piquenique no quarto de hóspedes. Até daqui a pouco – fecha a porta deixando Beatriz sozinha.
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Quem tem roupas de mulher guardada no closet? Ainda mais morando sozinho? pensa Beatriz, curiosa, enquanto escolhe uma roupa para vestir. Até onde já sabe, todos os Wilkinson decidiram residir de forma permanente na Inglaterra, com exceção de Flávio que fica em ponte aérea entre os dois países, sabe se lá por qual motivo. Ali estão peças de roupas femininas de todos os estilos e tamanhos, apesar da diversidade, ela finalmente escolhe um conjunto de moletom rosa claro, uma camiseta e uma calcinha que está embalada.
Vai para o banheiro todo em branco e preto, abre a ducha e deixa que a água quente tomar conta de seu corpo e mente. Enquanto se ensaboa, escuta a voz de Hugo em sua cabeça:
"Acabou o que tínhamos. O nosso casamento não existe mais!
“Entenda de uma vez por todas que acabou.”
“Acabou”
Suas lágrimas se misturam com a água do chuveiro, não consegue acreditar que ele falou aquilo. Ela não aceita que tudo acabou. Então a raiva toma conta de Bia que passa a bater na parede do banheiro com suas mãos enquanto diz para si mesma:
— Chega de sofrer por ele! – soca a parede com força.
—Nunca mais vou implorar por você! – soca novamente.
— As últimas lágrimas caíram hoje por você, Hugo – soca mais uma vez.
— Acabou!
Beatriz dá uma sequência de socos, cada vez mais forte enquanto suas lágrimas escorrem pelo seu rosto. Quando finalmente parou, Beatriz está sentada no chão, suas mãos vermelhas e seu coração despedaçado.
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Flávio terminava de tirar o vinho da cesta e colocar em cima da toalha de mesa, quando Beatriz volta à sala. Tudo está pronto para o piquenique dos dois que incluía a salada de salmão feita por Marta. Beatriz senta do outro lado da toalha de mesa ficando de frente para Flávio que serve o vinho. Ele parece bem descontraído com a camisa pólo bege que deixa um pouco dos pêlos saírem e uma bermuda da mesma cor que marca suas coxas grossas e definidas. Seus cabelos ainda estão molhados e seu perfume invade todo o ambiente. Como ele está bonito, pensa Beatriz ruborizando diante do sorriso dele.
— Desculpe-me, eu realmente preciso perguntar: A quem pertencem aquelas roupas no quarto? – pergunta Beatriz enquanto pega a taça que Flávio lhe oferece — Obrigada.
— Por nada. Respondendo sua pergunta, aquelas roupas não pertencem a ninguém – responde Flávio servindo a salada nos pratos.
— E por que tem aquelas roupas? – pergunta Beatriz, curiosa, bebendo um gole de vinho.
— Bem, acho que você descobriu o meu segredo. Aquelas roupas são para as mulheres que eu salvo na praia toda noite. Se você soubesse a quantidade de mulheres que tentam conhecer o fundo do mar… – ironiza, enquanto sorri ao ver o olhar de espanto de Bia — Brincadeira, minha mãe sempre disse que devemos deixar roupas disponíveis para os nossos possíveis hóspedes. Acabou se tornando um costume, um bom costume.
— Sim, passarei a realizá-lo em casa – afirma Beatriz sorrindo de volta. Pega o prato que acabara de ser servido por Flávio e respira sentindo o cheiro de salmão — Amo, salada de salmão.
— Gosta? – pergunta Flávio dando uma garfada em seu prato – Marta colocou um pouco de limão para dar uma acidez.
— Amo – responde Beatriz comendo um pouco — Está muito bom. Acho que compensa bastante o jantar perdido.
— Sim.
— Eu tenho que falar com a Sônia – recorda Beatriz com o rosto entristecido — Pedir desculpas pelo que eu fiz… Ela não merecia…
— Desculpa, mas foi a melhor parte do jantar – comenta Flávio limpando os lábios com o guardanapo — Pareceu àqueles dramalhões mexicanos. Você era Rosa Mosqueta, Hugo era Augusto Fernando, minha prima era aqueles figurantes que ficam fazendo caras e bocas. Foi perfeito! Dava para escrever uma novela. Já tenho até o nome: La Rosa Mosqueta.
— Como você é insensível! – Beatriz batendo levemente no braço de Flávio. Mas ela acaba cedendo à brincadeira de Flávio — Meu nome não seria Rosa Mosqueta… Seria Carmem – respira fundo e sua expressão fica séria —Só espero que meu dramalhão mexicano não saia em nenhuma capa de revista.
— A parte do afogamento tenho certeza que não sairá – revela Flávio encarando Beatriz.
— Como pode ter tanta certeza?– pergunta Beatriz parando a taça nos lábios.
— Eu fui bem generoso com eles para que não fossem até a praia – responde ele bebendo mais um gole de vinho.
— Como sabia que eu estava lá? – pergunta Beatriz, curiosa. Ela tenta se lembrar, mas não se recorda de ninguém na praia.
— Eu fui atrás de você. Achei que fosse tomar alguma decisão trágica. E estava certo – responde Flávio.
— Eu não tentei me matar, se é isso que está passando pela sua cabeça. Eu só quis sumir um pouco. Só queria que me deixassem em paz.
— Você ficaria em paz para sempre, no ritmo em que estava indo – provoca Flávio.
— Você é tão rude – retruca Beatriz tentando segurar o riso. Como ele consegue me irritar e fazer rir ao mesmo tempo? — Obrigada, por tudo.
— Disponha, sempre estarei aqui por você – responde Flávio com um olhar enigmático.
— Quanto tempo ficará no Rio de Janeiro,dessa vez? – pergunta Beatriz mudando de assunto. A última frase dita por Flávio, deixa sua face pegando fogo. Como ele consegue me deixar sem graça, sem dizer nada?
— Até o fim de semana, quando será o casamento de Sônia. Embarco no domingo à noite para Inglaterra. E na terça pretendo estar a caminho do Egito, a negócios.– levanta a taça para Beatriz, brindando — Vida de antiquário.
— Vida difícil – zomba Beatriz com um sorriso. Coloca a taça no chão — Por que tão pouco tempo na Inglaterra?
— Só passarei para comemorar o aniversário da minha mãe.
— Ela não virá ao casamento? – pergunta Bia. Sônia é a sobrinha mais querida da mãe de Flávio o que é estranho ela não comparecer ao casamento.
— Minha mãe não pretende vir. Por mais que goste de Sônia…. Conflitos familiares são complicados. Então mandou seu representante – responde Flávio apontando para si mesmo, rindo.
— Achei que estava na cidade porque tinha assuntos inacabados – recorda Beatriz fitando Flávio — Pelo menos foi o que disse hoje.
— E tenho, aproveitei a oportunidade para isso. Quero ir embora com todos os campos da minha vida resolvidos – responde Flávio encarando Beatriz. Seus lábios estão entreabertos, parece que tinha algo mais a dizer para ela. Seu olhar deixa Beatriz vermelha. O que ele quer dizer?
— Está tarde. É melhor irmos dormir – comenta Beatriz mudando de assunto novamente — Tenho de estar em casa bem cedo, antes dos paparazzis… Sabe… Eu não preciso…
— Tudo bem – responde Flávio que rapidamente começa a recolher os utensílios — Vou levar as coisas de volta para a cozinha.
— Eu vou te ajudar – oferece Beatriz pegando as taças de vinho que coloca na cesta. Flávio segura levemente seu punho.
— Não precisa. É melhor você ir dormir, terá um dia cheio amanhã – argumenta sem olhar para Bia. Antes que ela conseguisse formular uma frase, Flávio já saía pela porta com a cesta.
Ela ainda fica um tempo, sentada no chão, pensando no que foi que disse para ele sair tão rápido. Sem chegar a nenhuma conclusão lógica, se levanta e vai para o quarto, onde deita na cama e pela primeira vez, dorme sem pensar em Hugo.