A Nova Babá da Mansão Lancaster
Só três dias depois, eu tenho alta do hospital.
Meu pai vai me buscar, transbordando felicidade e, para o meu alívio, ele me leva direto para casa. Para a nossa casa. Que saudade eu senti do quarto, das minhas coisas, da minha cama! A primeira coisa que faço é me deitar sobre ela, com cuidado por causa da bota, e admirar os meus posteres espalhados pelas paredes.
A noite, meu pai tenta preparar o ensopado de carne, receita da vovó. Eu fico sentada na mesa da cozinha, assistindo ele brigar com o forno enquanto queima a comida. Não poderia ser mais perfeito.
Meu telefone toca. É Mallory. Olho rapidamente para o meu pai, que parece não peceber, concentrado como está. Como eu não atendo, ela manda uma mensagem. Diz que soube do acidente e ficou preocupada. Quer vir me ver, mas meu pai probiu-a de pisar em nossa casa.
Eu custo a acreditar que ele tenha mesmo feito isso. Mallory e eu crescemos juntas. Nossas mães eram melhores amigas e, depois que a mãe dela fugiu com o namorado, deixando-a para ser criada pelos avós, minha mãe prometeu que cuidaria dela. Nós somos muito mais do que amigas, minha mãe sempre dizia isso.
Quando o jantar termina, eu invento uma dor de cabeça e subo direto para o meu quarto. Lá, eu mando uma mensagem e, quinze minutos depois, Mallory está subindo pela janela, a massa de cabelos louros surgindo antes do restante do corpo.
- Seu príncipe chegou- anuncia, sorridente, passando uma perna de cada vez por cima do peitoril e pulando para dentro do quarto. - Vamos embora daqui.
- Para onde? - mostro minha perna - Se você não percebeu, eu estou usando um acessório novo. Não posso escalar muros igual a você.
Ela revira os olhos.
- Isso não vai te impedir. Vamos logo. Eu jogo você daqui de cima se precisar.
- Não dá. Amanhã eu começo em um emprego novo.
Mallory me olha, surpresa. Anda até o meio do quarto e me encara, desconfiada.
- Isso não é sério. Que emprego?
Dou de ombros.
- Babá.
Os olhos de Mallory quase sangram e eu já sei sua reação, antes mesmo de acontecer.
- Que horror! Crianças são pequenos monstros do mundo real- faz uma careta de desgosto. Está usando mais maquiagem do que o necessário para variar, então sei que ela realmente tem planos para essa noite.
Planos que me incluíam, penso com alguma melancolia.
- Elas também odeiam você - provoco, jogando um travesseiro nela.
Mas Mallory não revida. Seus olhos estão fixos em mim com uma expressão de desafio.
- Eu conheço os pais?
Eu suspiro, me deitando na cama devagar. Essa bota estúpida. Eu me sinto tão limitada! Que sensação angustiante, querer me mover mais depressa e não conseguir. Sinto falta da minha liberdade, minha preciosa liberdade. Estranho como a gente não sente falta de uma coisa até perdê-la.
- É do outro lado da cidade - esclareço. - Na casa de um ricaço, Max Lancaster. Vou mostrar ao meu pai que eu posso fazer as coisas diferentes dessa vez.
- Zzzz. Essa bobagem toda está me dando sono - ela bufa, atirando a cabeça para trás. - Você não tem que mudar para ser aceita. Vai perder tempo, deixando sua vida passar enquanto fica presa nesse emprego medíocre.
- Melhor emprego medíocre do que nenhum emprego - eu lembro. - E o Halseys?
- Já disse que não piso lá nunca mais. Voltar para aquela escravidão? E para aquele salário miserável? - ela estufa o peito, com o olhar brilhante de quem tem uma grande coisa para contar. - Além disso, acho que consegui uma coisa bem melhor, Chloe.
- O que?
- Por enquanto é segredo. Mas, se você vier essa noite, vai ser tudo por minha conta - insiste, juntando as mãos em uma súplica desesperada.
Eu rio e balanço a cabeça, recusando.
- Obrigada, mas não posso. Vou acordar cedo amanhã.
- Ah, esqueci. Você tem prioridades agora - ela ironiza, fazendo o caminho de volta até o peitoril.
Mallory sempre foi assim dramática. Mas, para ser justa, sua vida nunca foi fácil. O pai desapareceu assim que ela nasceu e a mãe abriu mão dela quando tinha cinco anos. O avô faleceu há alguns anos também. Agora resta sua avó, bem velhinha.
Perto da sua, minha história parece um conto de fadas.
- Chloe, você acha que nossos caminhos podem estar se separando? - ela me observa da janela com seus olhos tristes cinzentos.
Mesmo surpresa com a sua pergunta, eu não hesito ao responder:
- Não seja idiota, Mallory. Isso nunca vai acontecer
- Já está acontecendo - ela diz em voz baixa, antes de partir.
☆☆☆
Nós podemos brincar na neve? - Evie pergunta, entrelaçando as mãozinhas uma na outra e dando pulinhos. - Só um pouquinho, Chlooooe!
Eu respiro fundo. Lá vem. Essa garotinha sabe mesmo como "pedir favores". Ao seu lado, Maisy me encara com os olhinhos ansiosos.
Desde que cheguei a mansão Lancaster, a cerca de duas horas, essas duas me cercaram e testaram de todas as formas possíveis. Eu me sinto exausta! O dia mal começou e, para piorar, ainda tem a maldita bota. Sempre escutei que cuidar de crianças dá trabalho, mas não imaginava que fosse tão enlouquecedor.
Meu pai tentou me demover da ideia de aceitar esse emprego. Quando não aceitei, disse que pediria a Abigail para segurar a vaga por mais alguns dias, mas eu também rejeitei a ideia. Não podia acabar perdendo a oportunidade. Estou a dezessete dias de tirar a bota, que mal pode haver?
Abigail prometeu me dar todo suporte necessário. Então aqui estou eu, firme forte.
Bom, nem tanto assim.
Mas agora... bem, acho que, de certa forma, Mallory estava certa. Não sobre as crianças serem monstros do mundo real, mas talvez esse emprego não seja mesmo para mim. Sinto que estou roubando a vaga de uma pessoa mais capacitada e, pior, privando as meninas de encontrar alguém que possa cuidar delas como merecem.
- Acho que não. Está frio de verdade lá fora, vocês podem acabar se resfriando - respondo, me esforçando para ser prudente.
Mas Evie inclina a cabecinha para o lado, batendo os cílios docemente sobre aqueles incríveis olhos azuis. Tenho vontade de esganá-la e ao mesmo tempo encher de beijinhos.
- Ah, por favorzinho. É só neve, Chloe! Nosso pai sempre deixa a gente brincar de atirar bolas de neve quando ela não está muito alta.
Eu olho lá para fora, pela janela, e vejo que a neve é pouco mais do que uma camada de gelo que não chegaria aos meus tornozelos.
- Por favor, Chloe. Nós já estamos com as roupas certas - Evie exibe seu casaco e botas, dando uma voltinha na minha frente, e Maisy faz o mesmo, imitando a irmã. Que espertinha!
Meu coração derrete mais um pouco. Essas crianças são tão doces. É uma pena realmente que tenham perdido a mãe tão cedo.
- Certo, mas não demorem - suspiro, já totalmente convencida de que nunca fui tão manipulada em toda a minha vida como nas últimas horas.
Evie abre um sorriso de satisfação mostrando as belas janelinhas no lugar dos dentes da frente.
- Obrigada, você é a melhor babá de tooooodas!
- Sou mesmo - reviro os olhos, sorrindo também. - E não saiam da frente da casa. Vou estar de olho em vocês o tempo todo pela janela. NÃO saiam da frente dessa janela, ok? - digo, apontando para a enorme janela da sala.
As duas meninas acenam com a cabeça para cima e para baixo, saltitando na direção da entrada e batendo a porta atrás delas.
Eu suspiro. Tão lindinhas. Como negar alguma coisa a duas fofuras assim?
Mallory deve ser louca. Crianças não são monstros. São anjinhos terrivelmente adoráveis!
Vejo as duas lá fora, brincando de atirar neve uma na outra, e decido ir até a cozinha, acreditando que irei encontrar Abigail por lá, mas acabo me deparando com uma moça bem mais jovem, de pele morena e cabelos negros presos em um coque.
Ela veste um uniforme azul claro com um avental branco, e está cantarolando com fones de ouvido enquanto tenta pegar uma caixa no alto de um armário.
Eu me aproximo para oferecer ajuda, mas quando nota minha presença, já estou tão perto que ela acaba se assustando.
- Desculpe - eu digo, alarmada, logo após a caixa espatifar-se no chão, espalhando cereal para todos os lados. - Eu queria ajudar você. Que merda que eu fiz!
Ela levanta as sobrancelhas, com um breve sorriso no rosto.
- Não faz mal, mas você vai ter que explicar às meninas. Era a última caixa- me adverte em um tom de profundo pesar.
Ai minha nossa!
- É sério? - pergunto com os olhos arregalados.
Ela coloca uma não no meu braço, dando uma sonora gargalhada.
- Sim, mas Javier irá comprar mais hoje a tarde. Não se preocupe - ela me tranquiliza. É bonita, tem um sorriso branco alegre e olhos castanhos amendoados. - Você é a nova babá, certo?
Eu sorrio de volta para ela.
- Chloe Henderson.
- Judith Torres, a cozinheira. E Javier, meu esposo, é o motorista do Sr Lancaster.
Judith e eu conversamos por alguns minutos, enquanto ela prepara o cereal e também bate uma vitamina. Quando termina, já sei algumas coisas sobre a sua vida. Como chegou nos EUA com o sonho de ser uma grande cantora e então como acabou trabalhando para o Sr Lancaster, há dois anos. E também como conheceu "mi Javier"," como ela o chama com carinho .
- Foi pouco depois de a Sra Lancaster morrer - explica, com semblante triste. - Você pode imaginar como deve ser horrível para uma criança perder a própria mãe?
Eu engulo em seco. Ela percebe minha hesitação e aguarda até que eu tome coragem para começar a revelar minha própria história. Quando termino o desabafo, Judith suspira, obviamente desolada.
- Você ainda sente muita falta da sua mãe, Chloe?
Olho para ela sem saber como começar a responder a pergunta.
- Todos os dias - digo, finalmente.
- Ela morreu há muito tempo?
- Cinco anos.
Judith sai de trás da bancada e senta-se ao meu lado na mesa da cozinha. Segura minhas mãos entre as suas e me olha com profundo carinho.
- Sinto muito - diz. - Você era tão jovem. Deve ter doído tanto...
Ouvimos a porta da frente bater, com tanta força que nós duas pulamos de susto ao mesmo tempo.
Meu coração acelera e, imediatamente, eu me lembro das crianças que deixei brincando no jardim. Como fui esquecer delas?
Passos furiosos na entrada nos chamam a atenção. Judith e eu nos entreolhamos, em expectativa, até que uma voz masculina rompe o silêncio da casa.
- Quantas vezes eu disse que não quero vocês lá fora nesse maldito frio?
Judith permanece sentada, mas eu levanto da cadeira e arrasto minha perna com a bota na direção da sala. Que droga.
Evie e Maisy, cabisbaixas, parecem arrasadas. Eu me compadeço delas de imediato. Nem ao menos parecem as duas menininhas felizes que saíram dali há alguns minutos.
De costas para mim, um homem alto, moreno, vestindo um terno de corte impecável, encara as duas com a musculatura do corpo retesada. Os braços cruzados na frente do peito tornam seus ombros ainda mais largos e os quadris estreitos. Suas pernas são longas e firmes. Pela expressão corporal, ele não está nada satisfeito.
- Bom dia. Sr Lancaster? - minha voz ressoa pela sala e eu percebo, surpresa, que não há o mínimo de receio ou hesitação nela. Pelo contrário, nunca esteve mais firme e segura.
Relutante, o homem tira os olhos das meninas. Devagar, ele se vira na minha direção. Seus impressionantes olhos azuis me congelam dos pés a cabeça.
- Eu sou Max Lancaster - sua apresentação soa mais como uma ameaça, mas eu não me encolho. - Equem é você, afinal?
Eu me aproximo e estendendo minha mão, digo a ele, imperturbável:
- Muito prazer, sou Chloe Henderson, a nova babá.