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Capítulo 6 O caderno

Filadélfia — Solum, 2029

Os olhos da menina foram se abrindo lentamente. A claridade da lâmpada dificultava sua visão. Apesar de estar melhorando devagar, ainda enxergava embaçado, e foi somente com alguns segundos a mais que sua vista conseguiu se estabilizar. Callia tomou um grande susto com as pessoas que se encontravam ao seu redor. Ela levantou-se rapidamente e gemeu ao sentir dor, levou a mão ao local somente para sentir um grande curativo e perceber que estava quase despida, sendo assistida por aquelas quatro estranhas.

— O que vocês fizeram comigo? Quem são vocês? — Perguntou de vez. Callia tentava lembrar-se do que havia acontecido anteriormente, mas sua cabeça doía bastante, impedindo-a de se recordar.

— Você foi ferida pelos soldados, não se lembra? E perdeu muito sangue. Ainda está muito fraca — a telepata avisou, tentando acalmar a menina.

— Eu posso me curar — a clarividente reiterou, tentando se levantar da cama — não preciso ficar aqui, não preciso que um bando de desconhecidos me olhe como se eu fosse um animal indefeso.

— Ainda vai demorar para que seu processo de cura comece. Seu corpo não está com forças para fazer isso rápido. Alison voltou a responder tranquilamente.

— Por que estou aqui? Quem me trouxe para cá?

— Eu encontrei você desmaiada. Estava sangrando. Você não lembra do que aconteceu? — Bea questionou, esperando pela resposta. A feição de Callia demonstrava confusão.

— Tinha uns caras tentando me capturar, mas eu corri pela floresta... — fechou os olhos tentando recordar-se. Não conseguiu. — É só o que eu me lembro por agora.

— Governo — Lanna disse. Os punhos da criadora de ilusões estavam fechados em ódio.

— O importante é que você nos encontrou e nós vamos cuidar de você porque somos legais — Ariana falou com um tanto de empolgação. O olhar sério de Callia a fez desanimar no mesmo segundo.

— Ainda quero saber onde estou!

— Segura.

— Quem são vocês? — perguntou, olhando diretamente para Lanna. A menina das ilusões sentiu-se intimidada — O que é esse lugar?

— Sua nova casa. Você está segura de tudo aqui e nós... bem, nós somos iguais a você — Alison queria deixá-la à vontade — não com os mesmos poderes, é claro. Quero dizer, você sabe que tem poderes, não sabe?

— Claro que eu sei, não sou nenhuma idiota! — franziu o cenho e levou seu olhar para a carrancuda menina das sombras — O que você sabe fazer?

— Umbracinese, já ouviu falar? Eu controlo as sombras e me alimento de escuridão.

— Que dieta esquisita — zombou, Callia. Beatrice revirou os olhos e cruzou os braços para a ousadia daquela novata. — E você?

— Eu sou telepata, a Lanna cria ilusões e a Ariana...

— Eu faço todo mundo sorrir — ela interrompeu Alison para contar, orgulhosamente, sobre o seu dom.

— Comediante?

Bea prendeu o riso para a grosseria de Callia com a menina da empatia. Para não deixar o peso no clima, a telepata resolveu ser mais direta.

— Ela controla emoções e sentimentos. Pode fazer você gargalhar em meio a dor, mesmo querendo chorar. Pode fazer você se sentir intensamente triste, mesmo que não esteja. Ela pode te manipular através dos seus sentimentos e você nem perceberá. É isso que a Ariana faz — Alison deu o verdadeiro valor ao poder da empatia. A importância que a menina, muitas vezes, duvidava que tinha.

— Interessante — voltou-se para Lanna. Estava curiosa para saber como funcionava aquele poder — Como você cria ilusões?

— Olhos — Lanna cutucou sua amiga para que ela pudesse explicar melhor.

— Bom, você basicamente só precisa olhá-la nos olhos. Se eles mudarem para roxo, você só sabe que a morte está bem próxima.

— Exagero.

— Não é exagero, Lanna, você é humilde demais.

A clarividente levou seu olhar para os intensos olhos verdes que desviaram para o chão. Era realmente uma pena que Callia não pudesse lembrar de onde veio ou quem realmente era. Lanna era instintivamente curiosa.

— Todo mundo aqui tem poderes, então?

— Sim, todos nós temos — a telepata respondeu. — Você precisa de um banho.

— Não é só você que acha isso — Callia rebateu ríspida, odiava ditadores — eu sei das coisas que preciso ou não.

— Certo, Callia. Ariana vai ajudar você.

Alison voltou a responder com a mesma paciência, sabendo que a grosseria da menina era uma forma de defesa. Callia observou Ariana dar um passo à frente e sorrir alegremente.

— Eu não preciso de uma babá louca. Eu posso me cuidar sozinha — mais uma vez Callia tentou levantar-se da cama. Desistiu caindo sentada por tamanha dor.

— Eu acho que você precisa de uma babá, mas eu não sou louca, tá? Me espere, vou no meu quarto pegar alguma roupa para você.

Lanna e Bea se olharam e levaram a mão à boca. Se a menina da empatia foi pegar suas roupas... É, era de se duvidar da aprovação de Callia para as vestimentas de Ariana. Todas viram a menina da empatia sair rapidamente do quarto.

— Isso não vai dar muito certo — Bea sussurrou para Lanna que riu discretamente, imaginando como a novata ficaria — ela praticamente só usa vestidos lilás e rosa, quando não são aqueles estampados com flores e ursinhos.

— Estão falando de mim? — a pergunta ríspida e desprevenida fez Lanna pular no lugar e gelar — Falem para que eu escute, isso é, se forem corajosas mesmo.

Beatrice deu um passo, aproximando-se da sua cama.

— Eu não estava falando de você, se quer saber. Mas já que se permitiu dirigir a palavra a mim rudemente... — a menina das sombras apontou o dedo para a clarividente — baixe sua bola, pois você acabou de chegar. Se você está a salvo agora, abrindo a boca para atirar farpas em nós, por todos os lados, é por minha causa. E já que sou a responsável por isso, posso muito bem terminar o serviço que o governo começou.

— Bea! — Alison a repreendeu — Seja mais educada. Ela acabou de chegar e está atordoada.

— Eu estou muito bem se essa é sua dúvida — respondeu com a mesma grosseria para a menina com telepatia.

— Viu? Ninguém pode ser educado, se não forem educados com você. Não tenho sangue de barata, Alison.

A chegada de Ariana interrompeu a pequena discussão. Todos os presentes levaram seu olhar para a menina que, arregalou os olhos com a atenção recebida.

— Seja o que for, não fui eu!

— Não foi nada, Ariana. Vá fazer o que precisa — ela assentiu para a ordem de Alison.

— Vem, Callia — chamou, esticando a mão de maneira simpática.

— Posso fazer isso sozinha — Callia disse, esforçando-se para conseguir tal feito. Ariana bufou e se aproximou, segurando o braço de Callia para ajudá-la mesmo sem sua autorização.

— Já vi que é teimosa. Só me deixe ajudar.

— Melhor aceitar ou pode ter uma crise de riso — Alison a fez lembrar-se do poder de Ariana.

A menina da empatia ajudou Callia até chegar ao banheiro. Entrou e fechou a porta.

— Já me trouxe. Pode sair

— Não.

— Eu não vou tirar a roupa com você aqui.

— Tome banho de roupa, então. Não vai conseguir sem minha ajuda de qualquer forma. Está machucada.

Callia a olhou e aceitou aquilo como um desafio. Começou a tirar suas roupas de baixo, mas não teve sucesso ao tentar retirar o sutiã, muito menos seu curativo. Ela gemeu de dor.

— Eu avisei — Ariana cantarolou, chegando perto de Callia e desatando o sutiã da menina, tirando com toda cautela o quadrado de esparadrapos da pele da novata — agora entre nesse box!

Empurrou Callia pelas costas com cautela e fechou a porta. A menina fechou a tampa da privada e sentou-se para esperar. Tudo estava indo bem até a Callia grunhir de dor. A água provavelmente bateu no ferimento meio aberto, causando tal reação.

— Que porra!

— Que boca!

— Não estou falando com você.

— Agora está e eu acho melhor você me respeitar porque posso te fazer morrer sentindo ainda mais dor. Seja amigável comigo pois estou sendo com você.

— Isso é uma droga!

— Claro, você só sabe resmungar.

— Estou resmungando porque preciso de um sabonete.

— Oh! Espere um segundo — a menina da empatia levantou-se e procurou por algo no armário da pia do banheiro de Lanna e Bea — encontrei

— abriu o box e o entregou para Callia. Ariana voltou a sentar-se.

— Merda. Eu não alcanço minhas costas. Essa droga de furo ainda dói muito.

— Deixe-me ajudar você.

— Eu não preciso de ajuda.

— Caladinha — ordenou Ariana, abrindo a porta do box e entrando. — Me dê isso aí!

Sem demora, Ariana tratou de tirar toda a sujeira das costas de Callia.

— Se eu realmente não soubesse que você vê o futuro, eu diria que seu poder seria algo como bunda atômica ou coisa igual. Em que loja posso comprar isso?

Callia não queria rir mas não aguentou-se. Ariana estava satisfeita por ter conseguido fazer a menina baixar sua guarda ao menos uma vez. Callia não entendia o motivo de que, mesmo sendo rude com a da empatia, ela não havia desistido de ajudá-la. Ariana era dona de uma bondade incomparável.

— Talvez ela realmente controle os sentimentos — Callia pensou.

Uma vez que o banho foi terminado, Ariana pegou a toalha e entregou a Callia. A clarividente vestiu a roupa que Ariana havia lhe emprestado e as duas saíram do banheiro. A movimentação chamou atenção das três mutantes que estavam à espera. Ao perceber as vestes de Callia, tão igual a da outra menina, Bea e Lanna se seguraram ao máximo para não gargalhar. Tudo o que as diferenciava era a cor do vestido.

— Se antes era ruim, imagina agora que são duas dela — Bea sussurrou para Lanna que levou a mão à boca para impedir a gargalhada de sair. Em seguida ela ficou séria.

— O que foi?

— Shhh — Lanna sussurrou, apontando para a cama. Elas precisavam terminar de arrumar a cama de Bea.

— Acho que está com fome, Callia.

A telepata concluiu, interrompendo a baixa conversa das outras, fazendo Callia animar-se. Ela lembrou-se que, mais cedo, pensou sobre quando iria comer bem outra vez.

— Essa é uma ideia boa — Callia disse, aproximando-se da porta que Alison havia aberto.

— Vou com vocês porque preciso dormir — Ariana agora.

— Então, vamos.

Lanna e Bea às observaram deixar o quarto. Somente quando a porta foi fechada, a menina das sombras decidiu falar abertamente.

— O que foi tudo isso? Você surtou em como a menina chegou e ficou mais preocupada que todo mundo — ela analisou o rosto da garota que tinha como irmã.

A criadora de ilusões sentiu um aperto em seu coração. Callia provavelmente passou por muito antes de chegar na Solum e assim como os outros, perdeu muito também. Lanna não sabia explicar o motivo de sentir tanta vontade em cuidar da novata, mas por outro lado sabia que sua amiga não iria aprovar por puro medo. Talvez Lanna não fosse uma das duronas daquela base.

— Nada.

— Tem certeza?

— Pena.

— Aquela garota é ridícula, Lanna. Posso mudar de ideia depois, mas não sinto um pingo de pena. Garota rude!

A criadora de ilusões respirou fundo, Bea tinha razão. A conversa das duas terminou por ali.

… x ...

Callia andava pelos corredores da Solum com Alison e Ariana. A menina da empatia despediu-se para seguir à sua ala. Callia não conseguiria deixar passar a sua gratidão pela persistência de Ariana em ajudá-la. Havia sido algo nobre, afinal, e para Callia, pessoas nobres deveriam ser reconhecidas. Sim, ainda existia um pingo de humanidade dentro daquele ser ignorante e frio.

— Ei, Ariana! — chamou ao vê-la afastar-se. Ariana parou para olhá-la. — Obrigada!

— Não foi nada — respondeu em meio a um sorriso e uma piscadela.

Depois daquilo, Callia continuou seguindo Alison. A telepata explicava cada parte do lugar. Ela falava sobre os setores, sobre como os quartos eram divididos por duas pessoas, sobre os horários. Callia apenas a ouvia. Quando chegaram no refeitório, que estava totalmente vazio, Alison tratou de preparar alguma coisa para Callia comer. Ela fez algo rápido e nutritivo para alimentar a menina, que naquele momento, necessitava repor o que perdeu. Callia precisou apenas de alguns minutos para terminar tudo. Agora era o momento em que elas precisavam encontrar Ravi. As duas andaram por toda Solum até chegar na sala do chefe. Callia observava todo o percurso. Não conseguia imaginar que aquele lugar era tão grande. Estava tão inerte que nem notou que a telepata havia parado em frente a uma porta metálica.

— Aqui, Callia.

Assim entraram. O homem estava sentado no que parecia ser sua escrivaninha. Ele abriu um grande sorriso ao ver a clarividente.

— Olá, Callia! — Ravi cumprimentou. Ela o olhou desconfiada. — Eu sou Ravi, cuido deste lugar e dos superdotados. Pode sentar-se e ficar à vontade — ele ofereceu, levantando-se e esticando o braço para apontar o lugar onde a menina deveria sentar. Alison ficou ao lado de Callia. — Como está se sentindo?

— Melhor.

— Isso é ótimo — disse alegre — acredito que a tendência é apenas melhorar. — Ele a viu apenas assentir — então, Callia, poderia me dizer como veio parar aqui?

— Queria responder, mas eu não lembro.

— Ela apenas se lembra que estava fugindo dos soldados — Alison ajudou.

— Governo. Era de se imaginar — grunhiu — você consegue lembrar de algo que eles te disseram?

— Aberração. Apenas me lembro que um deles me chamou disso — Callia viu Alison franzir o nariz em uma careta de pena — eu não quero que tenha pena!

— Não é bem assim, Callia. Não é pena, até porque sei como isso dói, já passei pelo mesmo que você — Callia sentiu seu coração apertar, ela conseguia ver a verdade nas palavras de Alison.

— Foi mal.

— É normal que seja arisca, pois acabou de chegar e não confia em ninguém. Nós entendemos. É assim com a maioria. Melhoram com o tempo.

— Eu sou assim mesmo e quem quiser ser meu amigo vai ter que me aturar dessa maneira — Callia falou e viu Ravi esticar as mãos em rendição.

— Você tem preferência para ficar no quarto de alguém?

— Sinceramente, ficar sozinha seria um presente, mas sei que não pode...

— É complicado, Callia — Alison quem disse — apenas Polaris foi colocada sozinha em um quarto porque ela não controla muito bem seus poderes enquanto dorme. Ravi não pode separar um quarto para uma única pessoa porque mais chegarão. Deve existir espaço para todos.

— Exatamente. Não tem ninguém com quem gostaria de dividir um quarto? Ninguém que você possa ter um pouco de afinidade? — ela negativou, mas pareceu pensar. Ravi esperou com paciência.

— Ariana me ajudou, ela insistiu em me ajudar mesmo com a minha teimosia. E mesmo que ela seja uma chata por falar tanto, foi a única que fez eu me sentir confortável.

— Ariana está com as gêmeas — avisou a menina com telepatia.

— Nós podemos resolver isso. Preciso que organize mais tarde, Alison.

— Certo — Alison bocejou — posso me retirar?

— Ainda não. Callia dormirá com você hoje e até que eu termine de conversar com ela, terá que esperar.

— Tudo bem — Alison concordou, aconchegando-se mais a poltrona — estarei aqui, descansando as pálpebras.

— Amanhã você estará em seu novo quarto, Callia.

— Isso é bom — Callia viu Ravi sorrir e o retribuiu com um aceno de cabeça. Notou também que o olhar do homem era curioso. — O que quer saber?

— Eu só preciso saber o motivo de sua vinda para a Filadélfia. Sei que você não é daqui, Callia. Eu tenho os seus registros.

— Infelizmente não consigo responder sua pergunta agora. Nem eu sei o motivo de ter vindo para a Filadélfia, apenas senti.

— Você viu?

— Eu tive algumas visões.

Callia lançou seu olhar para o chão. Ela não gostava de interrogatórios.

— Desculpe-me por tantas perguntas. Sei que ninguém gosta de ser interrogado, mas eu preciso saber um pouco mais sobre você para acrescentar informação em seu registro da Solum. Todos passam por isso, é somente para manter a organização e controle da base.

— Se suas normas me garantem segurança, comida e um lugar para dormir, tudo bem pra mim.

— Certo — ele começou a digitar em seu computador. — Onde estão seus pais?

— Eles não sobreviveram.

— Como todos os outros. É isso que o governo faz, infelizmente. Eles miram em você e se não te acertam, mudam o alvo para o seu ponto mais fraco. Eles sabem que isso os deixa vulneráveis emocionalmente. Eles sabem que vocês vão se jogar no mundo à procura de abrigo, segurança, proteção. O pior de tudo é que se você cruza o caminho do governo e se nega a obedecê-lo, acaba de maneira terrível. É por isso que a Solum existe.

— Meu pai me falou sobre pessoas especiais que foram caçadas. Ele achava que essa minha geração seria a benção que veio para a mudança, mas parece uma piada agora depois de saber disso tudo — Callia olhou para o teto. — Há muito tempo não nascia um superdotado na minha família.

— Seu pai estava certo, não perca a fé. E eu sinto muito por sua perda, Callia.

— Vai passar.

Callia nunca havia sido uma má menina, mas os últimos acontecimentos de sua vida a obrigaram a mudar um pouco. A clarividente tinha um coração de pedra agora.

— Você está certa. Alguma hora terá que passar — Ravi ofereceu um sorriso à menina que dessa vez retribuiu com um fraco. — Mas me diga, Callia, quando isso começou?

— As visões?

— Sim.

— Eu tinha treze anos.

— Como aconteceu?

Callia respirou fundo, quase como se não quisesse lembrar daquele fato. Tomou coragem para começar.

— Alguns dias antes de tê-las eu sentia dores por toda minha cabeça, principalmente nos olhos. Tomei todos os remédios para dor que possam existir, fui ao médico e nada, nunca melhorava e eles sempre falavam que era apenas uma crise de enxaqueca. Em um dos momentos dessa semana atordoada pela dor, eu desmaiei e quando acordei tive a primeira visão.

— Lembra-se dela?

— Não tenho como esquecer. Foi horrível — Callia expressava dor a cada vez que se aprofundava mais em sua própria lembrança. — Havia um menino atravessando a rua, estava embaçado e um pouco escuro. Em seguida ouvi um barulho de carro freando e depois uma pancada — ela fechou os olhos — o menino estava no chão. Eu quis reconhecer o lugar, quis reconhecer a rua, o menino, quis ter feito isso a tempo de tentar impedir, mas não consegui. Então aconteceu.

— Você o conhecia?

— Ele havia acabado de se mudar para a rua da minha casa. Estava brincando de pique com os novos amigos e atravessou sem olhar para os lados, o carro veio e... Você sabe o resto.

— Depois dessa sua primeira visão, o que aconteceu?

— Eu me odiei. Me odiei completa e totalmente. Eu era muito nova e ter visto alguém morrer sem poder ajudar me destruiu de uma forma que, se eu pudesse pagar para tirar isso de mim, eu pagaria — Callia apertou as mãos em punhos. — Não sei se isso funciona como uma benção ou maldição, mas eu odeio.

— Chegaram a piorar?

— Muito. Elas aumentaram quase todos os dias. Coisas de pequena a grande escala. Muitas eu não lembrava depois. Era como se eu entrasse em transe e depois acordasse. Meu corpo começou a falar por si algumas vezes e meu pai terminou por ter uma ideia. Ele colocou uma caneta em minhas mãos e um caderno, ele achava que talvez eu conseguisse passar tudo enquanto o transe dominava meu cérebro.

— E ele estava certo, não é? — Ravi perguntou como se já soubesse a resposta.

— Sim, ele estava. Eu conseguia escrever tudo enquanto previa, desenhar também, às vezes. O interessante é que não só possuía previsões em nossa linguagem, mas em várias outras também, códigos, números, símbolos e eu nunca entendi o motivo disso. Existem escritas em meu caderno que até hoje não consegui descobrir o que há nelas. Não estava em algum alfabeto que eu pudesse entender.

— Onde está esse caderno, Callia?

— Está na minha mochila — ela arregalou os olhos. Não lembrava-se onde havia deixado sua mochila.

— Diga-me que você a trouxe, Callia!

— Eu não larguei um segundo.

— Onde ela está? No quarto da Beatrice?

— Eu realmente não sei. Não consigo lembrar.

— Vamos, Callia! — ele motivava — Lembre-se! Você consegue.

Ao aumentar o tom da voz, Ravi fez Alison despertar com um pulo. Estava muito assustada.

— Onde é a porradaria? — Alison perguntou com os braços encolhidos e os punhos fechados pronta para lutar. Olhou ao seu redor — oh, não há porradaria!

— Eu realmente não me lembro.

— Alison, acorde Beatrice, pergunte onde está a mochila de Callia. Se não estiver no quarto dela prepare-se para voltar às ruínas.

— Por que? O que houve?

— Precisamos do caderno da Callia.

— O que tem no caderno?

— Previsões, Alison, existem previsões.

— Tem mais alguém querendo esse bendito caderno?— Alison tornou a perguntar.

— Uma nação inteira.

A resposta veio rápida e impactante. Sem nem pensar direito, Alison tomou a frente.

— Vamos buscá-lo agora.

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