Capítulo 6 - Somos amigos
¤ Por Lili James | Brooklyn, Nova Iorque ¤
Entender que estava de volta à realidade não era tão bom quanto imaginei. Não estava mais sob a pressão de uma farsa entre a família e amigos de Henry, mas estava sob uma nuvem melancólica de fatos. O fim de semana foi tão incrível e relaxante, que parecia ter me feito esquecer que metade daquilo era uma mentira.
Meu namorado não existe, o homem ao meu lado era um ricasso, que tentava esconder embaixo do tapete a guerra que travava contra o pai pela presidência da empresa. Minha cabeça dava um nó a cada minuto que meu cérebro fervia tentando acompanhar toda essa loucura, em busca de qualquer solução mais viável, que pudesse me tirar desse rolo que parecia aumentar cada dia mais.
Por mais que a consciência sobre a mentira pesasse, tudo em torno disso parecia fluir e dar certo. Nós dois já conduziamos a situação naturalmente sem levantar suspeitas. No fundo, eu já sabia que não teria mais volta, assim que me colocasse ao seu lado de frente para as câmeras e sua família, mas não dava para negar o aperto alarmanete em meu peito pensando no resultado que tudo isso nos dará.
Ao menos teria meu trabalho para me distrair, e, agora também, os meus estudos. Tinha uma pilha de deveres para fazer e livros para ler, mas acima de tudo, estava feliz pelo o compromisso, e estava decidida a dar o melhor de mim, acima de qualquer cansaço.
Já se passavam das duas horas da tarde, e não havia ligado ou mandado uma mensagem para Henry, para saber como o mesmo estava depois da viajem, ou se ele virá hoje para me levar pra casa, como insistia em fazer quase sempre. Eu queria saber se era a única que sentia estar enlouquecendo com essa situação, será que ele não se sentia nem um pouco parecido?
Contudo, não poderia negar a aproximação que esses compromissos me fez sentir por Henry, tendo em vista que temos conversado bastante, eu poderia realmente chamá-lo de amigo. Um sentimento e título que poucos conquistaram em minha vida.
Eu me pergunto, se um dia poderia contar a história da minha vida para ele, e como ele reagiria com os fatos. Quase todos nós temos um passado que gostaríamos de manter no esquecimento, ou fingir que nunca aconteceu, e talvez o melhor a ser feito seja isso. Não desejo ter o olhar de pena dele para mim.
— E como tem sido com Henry? – Samy me puxou para a sala de volta.
— Ele é cada vez mais interessante – eu falei, sinceramente.
— Ele não te pressiona com nada não? – ela ainda estava preocupada com isso.
— Não, ele é muito educado...
— O que você quer dizer com isso? – eu estava olhando fixamente para o teto, e por um momento imaginei o rosto dele na superfície branca.
— Um cavalheiro.
— Ah... – ela não pareceu convencida, e com receio de ela tentar se aprofundar no assunto, decido ir para o quarto, já que havia tarefas a fazer da faculdade.
Passei o resto da noite com a cara nos livros, eu precisava focar o máximo que pudesse, detestava tirar notas ruins ou sentir que estava ficando para trás nas disciplinas. Sempre fui boa aluna no ensino médio.
Quando cai na cama, exausta, meu celular tocou. Meu coração bateu forte quando vi o nome dele na tela, e suspirei dramaticamente antes de lhe cumprimentar.
— Boa noite!
— Boa noite, anjo – eu sorri feito boba.
— Já é bem tarde... – argumentei.
— Desculpe, só pensei que poderiamos sair amanhã. Que tal almoçarmos juntos?
— Ah, tudo bem...
— Se não quiser, tudo bem.
— Eu quero sim, mas tem algum motivo especial? Surgiu algum problema? – me preocupei, esperando ansiosamente pela resposta.
— Não, é só um encontro entre amigos.
— Amigos... – eu meditei com a palavra sem me dar conta.
— Oh, esqueci, me desculpe. Entre namorados, eu quis dizer – eu gargalhei nervosa. E ele também riu do outro lado.
— Idiota...
— Então, você almoça comigo?
— Sim.
— E como foi seu dia?
— O de sempre, mas estava estudando.
— Hum, gosto de ouvir isso, dê o seu melhor, estou torcendo por você. – Por um momento me senti tímida.
— Obrigada, Henry. E o seu dia?
— Estressante, mas nada demais.
— Lili!? – ouvi Samy me chamar da sala.
— Se importa se eu desligar? Minha amiga está me chamando...
— Claro que não, anjo, amanhã conversamos. – Por que quando ele me chama de anjo eu me sinto estranha?
— Até amanhã então!
— Até, Lili — e então ele desligou.
Eu corri para a sala, me espantando com a visita em minha sala. O namorado de Samy estava ao lado de um rapaz que me era muito familiar. Seus olhos se prenderam em mim, e parecia que ele partilhava da confusão. Assim que ele sorriu, eu me lembrei do garoto sorridente que sempre me cumprimenta na universidade quando chego. qual era mesmo o nome dele?
— Boa noite! – eu cumprimei, chegando perto dos três.
— Boa noite, Lili! – Steve e Samy olharam para ele, que continuava a sorrir para mim.
— Vocês já se conhecem? – Steve pergunta olhando para mim, e acenando com um sorriso também.
— Ela é da minha turma – ele responde. Eu apenas sorri, sem jeito, já que não lembrava do seu nome. — Sou o Liam, está lembrada de mim?
— Claro, Liam! – sorri contente, era esse nome mesmo. Ele foi o primeiro a falar comigo na sala. — Tudo bem? O que faz aqui?
— Liam é irmão do Steve – Samy respondeu, com uma piscadela.
— Que bom que já se conhecem! — claro que sim, como poderia me esquecer? Liam, com sua presença notável, beleza inegável, também bastante simpático, e até onde vi, muito popular.
— Sentem-se, estávamos mesmo de bobeira! – puxou o namorado para o sofá, eu me aproximei para sentar no sofá menor e Liam senta-se ao meu lado.
— Só estávamos passando aqui perto. Vocês já jantaram? – Steve perguntou, afagando os cabelos da amada.
— Sim, Pizza, e ainda tem se quiserem! – Samy respondeu.
— Não, obrigado. – Liam respondeu. Ele me olhou novamente, e sorriu.
— Na verdade, eu quero – Steve disse, olhando para Samy. Aposto que ele só queria ficar sozinho com ela por um momento.
— Vem, Lili faz companhia pro Liam por enquanto! – ''ótimo''.
— Sim... – e se afastaram.
— As provas estão chegando, está nervosa? – ele puxou conversa, quando ficamos sozinhos.
— Demais, estava estudando antes de você chegar.
— Estou te atrapalhando? Fique à vontade para ir estudar...
— Não, eu já tinha acabado, não se preocupe – ele sorriu. Eu não conseguia parar de olhar em seus olhos, eram tão risonhos, chamativos, tão claros quanto os de Henry.
— Perdão pela pergunta, mas você namora? – perguntou depois de um tempo, me deixando acanhada.
— Sim, por quê? – observei de relance para o Notebook na mesinha, desviando de seu olhar.
Se eu não tivesse ouvido Samy me chamar poderia estar falando até agora com Henry talvez, não precisaria ficar passando por isso, quer dizer, um garoto que pergunta a você se namora, não quer dizer que ele está interessado em você, não é?
Não que eu não tivesse gostado de fazer um amigo na sala, um colega mais precisamente, mas eu evitava conversar sobre meu namoro com Henry com outras pessoas. Contudo, não poderia negar à esse garoto, que já tinha compromisso com outra pessoa.
— Seria por isso o motivo de não conversamos tanto na faculdade?
— Nossa, claro que não... — Pisquei confusa. — Ele não me impede de nada, eu só sou meio antisócial as vezes.
— Ah, me desculpe! Não quis insinuar...
— Tudo bem! — cruzei as pernas, nervosa, chamando um pouco de sua atenção sem querer.
— Então — ele desviou os olhos de minhas pernas descobertas. —, semana que vem terá uma confraternização dos alunos, na casa de um amigo meu, antes do início das provas, e você está convidada!
— Não gosto muito de festas...
— Pense com carinho! Tenho uma amiga que está muito interessada em conhecer você, ela é bem legal, se dá bem com todos. Ela se chama Camila.
— Uma loira? Sei quem é sim, eu acho.
— Pois é, conheço ela há muito tempo. Namoramos no passado, mas éramos muito jovens. Somos grandes amigos hoje em dia — sorri, assentindo.
— Liam, vamos? — Steve voltou para sala, com uma Samantha descabelada atrás.
— Bom, até outra hora — ele sorre, se levantando.
— Até — eu e Samy acompanhamos eles até a porta, e então eles se foram. Eu ri da cara de Samy, que com certeza estava nos amassos com Steve, e fui para o quarto, decidida a dormir o quanto pudesse até amanhã.
O barulho estridente parecia longe, mas de repente quando não estava mais num sono profundo, parecia tão perto ao ponto do som vir direto de baixo do meu travesseiro. Meu celular. Droga. Quem poderia ser? Henry?
Enquanto tentava advinhar, procurava pelo o maldito entre as cobertas. Como ele foi parar de baixo das minhas pernas? No visor, chamada de voz da Trina, minha prima. Meus estômago gelou. Eram duas e meia da madrugada. Ela só me ligava para dar-me notícias da família.
— Alô?
— Desculpa a hora, mas não podia deixar de te avisar, aliás acabei de saber...
— O que foi, Trina? — meu corpo todo arrepiou. Nessas horas, as coisas que escutamos nunca são boas... O que será?
— Seu pai foi internado à algumas horas, parece que o caso dele só piora... — e então a informação ecoou pela minha cabeça por horas. Eu não dormi mais, e só pensava no meu pai.
Eu pensei várias vezes, observando minhas olheiras através do espelho, se devia desmarcar o almoço com Henry, mas não tinha porquê fazer isso. Eu não poderia fazer nada sobre a situação com meu pai, o mínimo que deveria tentar era me distrair da tensão. Trina constantemente me informava da situação dele, e o quanto ele estava sendo teimoso em cuidar da saúde, então se ele mesmo não estava se cuidando, o que eu poderia fazer? Nada.
Henry me buscou cedo, e tentou manter uma conversa amigável comigo, mas minha mente estava longe o tempo todo, o que o fez me encarar estranho o almoço inteiro.
— Algum problema? — ele perguntou outra vez, me deixando sem saída.
— Desculpa, eu não estou sendo boa companhia — suspirei, limpando minha boca com o guardanapo.
— Não se preocupe com isso, só quero saber o que está te incomodando.
— Fiquei sabendo ontem a noite que o estado de saúde do meu pai está piorando... — ele apertou o olhar.
— Posso ajudar, conheço os melhores médicos de Nova Iorque — eu sorri. Sempre prestativo.
— Obrigada, Henry, mas não precisa, o problema é que meu pai não se cuida, ele não se importa com o que está acontecendo com ele... — suspiro. — E não aceita ajuda de ninguém.
— E o que está pensando em fazer? — ele pergunta, atencioso.
— Nada, só estou aguardando mais notícias.
— Hum... — ele assentiu. — Mas se precisar de qualquer coisa me avisa, estou aqui para o que precisar — eu sorri, envergonhada.
— Obrigada — ele sorre. — Você parece estressado — comentei.
— Os dramas do meu pai e a empresa, nada novo. — Ele suspira, e algo me dizia que tinha algo a mais sim, mas não iria tentar arrancar nada dele. Desde o fim de semana nos Hamptons ele estava assim.
— Por que não sai com seus amigos, você não gosta de sair pra beber? — ele franze o cenho.
— Você faz isso, por acaso?
— Não! — dei de ombros.
— Eu também não costumo, a não ser que eu tenha que encontrar algum cliente.
— Seria bom você encontrar um meio de relaxar do trabalho — eu sorri. —, e saudável, claro.
— Eu tenho você pra conversar — ele sorre, apontando sua taça para mim. Meu rosto esquentou.
— Tudo bem, então — ergui as mãos.
— E você?
— Eu o quê? — os garçons tiram nossos pratos, e lhe apresentam a conta total. Eu permaneci quieta na cadeira, afinal, ele nunca me deixa ver o valor e nem aceita que eu pague a metade. O que é super chato, e eu em breve vou fazê-lo mudar de atitude.
— Você fez amigos na universidade, não fez?
— Ah, sim! Inclusive um deles foi no meu apartamento ontem — me recordo da surpresa de ontem a noite.
— Fazer o que no seu apartamento? — ele franzio o cenho.
— Na verdade, ele não sabia que eu morava lá, ele é irmão do namorado da Samy, foi uma coincidência. — Ele assentiu.
— É um garoto? Qual o nome?
— Liam, acho que ele é da minha idade — fiquei pensativa, na verdade Liam parecia mais novo, ele tinha um rosto muito juvenil.
— Entendi. Ele é legal com você? — ele termina de pagar a conta, e se levanta da cadeira, eu o acompanho para fora do restaurante, e algumas pessoas nos observavam. Henry chamava atenção por onde passava, principalmente olhares femininos.
— É sim — limpei minha garganta. Estava pensando em trocar de assunto, minha vida social não precisa virar tópico. — E seus pais, tudo tranquilo com eles?
— Sim, minha mãe fica perguntando quando vou te levar na mansão outra vez. — Ele sorre, segurando minha mão por um momento. Nós fomos até a praça, e nos acomodamos num banco.
— Ela parece ansiosa com a gente — ele balança a cabeça algumas vezes.
— Ela só fala em você — meu coração bateu forte.
— Meu Deus... — ele segura minha mão outra vez, e dessa vez permanece.
— Ela quer saber mais sobre você, ela te acha perfeita. — E foi minha vez de estreitar o olhar para ele. — Ela te acha calma, tranquila, linda, e gentil. É isso o que quero dizer com "perfeita".
— Isso não ajuda muito — respiro fundo. — Você poderia tentar amenizar a situação!
— Como assim? — ele pergunta, com uma careta.
— Insinuar para ela que não tem certeza se quer continuar com o relacionamento, pra ver se ela deixa esse assunto quieto.
— E pôr em risco a seriedade da relação? Não quero que eles pensem que você é só um caso.
— E você não acha que está exagerando? — me solto da sua mão, e observo o movimento fraco da praça. Eu o ouço suspirar.
— Eu sei que você acha que estamos nos afundando nessa mentira, mas não é por maldade, sabe disso. Não gosto da situação tanto quanto você — e foi minha vez de suspirar, preocupada.
— Eu sei...
— Eu tenho um pedido pra você. — Ele disse, chamando minha atenção.
— Qual?
— Não pense demais na nossa situação como um problema, o que estamos fazendo já é para resolver outro problema. Não tente antecipar um fim trágico que pode nunca acontecer. Pense no nosso relacionamento como algo amigável, que de fato é, e eles nos enxergarem como namorados seja apenas uma consequência. Talvez se torne mais fácil pra você desse jeito. — Eu fiquei a encará-lo, seus olhos brilhantes, seus lábios rosados. Pela primeira vez naquela tarde eu observei o que ele vestia, uma roupa casual, uma camisa com vinho, e uma calça azul marinho. Tão lindo.
— É assim que você pensa? — eu quis saber.
— Gosto de pensar que é minha amiga.
— Gosto que você pense assim — eu sorri com gentileza, e ele retribue.