Capítulo 1 - Homem misterioso
¤ Por Lili James | Brooklyn, Nova Iorque ¤
Sentia minha pele suada, meus músculos doloridos e sonolenta, como resultado de um longo fim de semana. Com os movimentos lentos e o andar despreocupado, termino de limpar a última mesa, com a coluna à reclamar. O sr. Hershel já havia me liberado, mas como dias como hoje são bastante movimentados não poderia deixa-lo finalizar sozinho. Contudo, não podia estar mais entusiasmada pelo o encontro marcado com o meu travesseiro.
Já se passava das dez da noite. Livrei-me do avental, recolhi meu casaco e minha bolsa, e após um abraço rápido em Hershel, saí da cozinha. Sentia minhas pálpebras pesadas, os ombros travados, mas puxar a porta da saída ela pareceu estranhamente menos pesada do que de costume – pensei no mesmo instante. Assim que o sino ecoou, meu corpo se chocara em algo, e, com certeza, não era com a própria porta ou a parede. Imediatamente meus olhos buscam alguma explicação visual, e o primeiro detalhe que noto é um par masculino de sapatos.
Minha visão funciona quase como em câmera lenta.
Era um homem muito elegante. Uma de suas mãos estava guardada em um dos bolsos de seu sobretudo e a outra segurava a maçaneta da porta. Ele havia empurrado para entrar no mesmo segundo que puxei para sair. O homem parecia um executivo – eu penso em primeiro momento.
Corajosa o suficiente para o olhar nos seus olhos e pedir minhas sinceras desculpas por ter lhe batido involuntariamente, seguro o ar e as palavras no peito sem perceber. Seus olhos eram tão azuis e brilhavam como cristais, mesmo na luz fraca do ambiente. Sua feição me agrada de imediato, mas ele parecia confuso sob minha análise. No mesmo segundo que a realidade me chacoalha conscientemente, desejo dominar qualquer tipo de poder sobrenatural que pudesse me fazer desaparecer neste mesmo instante, por ficar lhe encarando abobalhada.
— Perdão, eu não vi você! — ele acena como se recebesse a justificativa. Começo a me distanciar para trás, e com isso ele termina de adentrar no recinto. Observo de relance a porta que dava para a cozinha, e Hershel parecia alheio ao cliente, podia estar ainda ocupado com alguma coisa, então eu me vi no dever de atender este moço. — Posso ajudá-lo em algo? — abandono meu casaco e minha bolsa em uma cadeira, e vou para o outro lado do balcão com a cabeça baixa.
Respiro fundo, tentando formar um sorriso simples, me esforçando para não parecer uma careta. Estava cansada, e também envergonhada pelo o esbarrão.
— Você trabalha aqui? Imaginei que fosse uma cliente — sua voz era tão... firme e grave. Ergo meus olhos até os seus para responder-lhe, sentindo-me com as bochechas quentes.
— Trabalho, mas meu expediente havia acabado, por isso estava indo embora — Ele me encara como se eu tivesse lhe apresentando um contrato para assinar.
Ele é curioso ou paranóico. Seja lá qual tenha sido seu julgamento, ele apenas dá de ombros se sentando em um banco do balcão, de frente para mim.
— Um capuccino, por favor.
Me adianto até a máquina, e preparo o pedido, sentindo minha nuca queimar. Lhe entrego a bebida e me afasto. Ele prova do pedido com os olhos presos em meu rosto, e isso só piora minha ansiedade. Eu devia estar suada, com olheiras e com uma expressão cansada. Eu nem quero pensar em como deve estar o meu cabelo, depois de toda a correria do dia. Ele parecia estar criando algum julgamento a meio respeito, ou eu apenas estava criando essa situação toda na minha cabeça, e ele seria apenas uma cara querendo uma bebida. Eu preciso urgentemente dormir.
Para disfarçar meu leve incômodo, decido pegar um pano jogado ao meu lado e passar pela mesa que já estava limpa. Por que eu estava agindo assim tão esquisita?
— Algum problema? — tomo um leve susto. Sua voz é extremamente notável, mesmo que soasse calmo. E por que essa pergunta? Está tão na cara meu deslumbre?
— Nenhum, por quê? — respondo, acredito que, naturalmente.
— Está nervosa. — Julgou simplesmente. Sua boca se ocupa de tomar seu capuccino e seus olhos parecem zombar de mim enquanto isso. Ou era só minha imaginação.
— Você é especialista em ler as pessoas? — tentei soar bem humorada, mas me sentindo desconsertada.
— Eu sou — ele agora tinha um sorriso arrogante nos lábios. E por que isso o embelezava mais? — Então, você trabalha aqui há muito tempo? — oh, ele está puxando conversa.
— Há três anos, por quê?
— Gosta?
— É como andar de bicicleta. — Testei seu senso de humor.
— É seu passa tempo, ou vive dessa profissão? — agora ele estava sério.
— Com certeza é pela diversão — me peguei sorrindo sozinha, enquanto ele apenas me encara quieto. Uma hora dessas, sempre aparece alguém querendo conversar, falar sobre a vida, típico. Já estava acostumada. Eu era profissional em ouvir os problemas das pessoas, por mais que elas não estejam buscando álcool e conselhos quando vem aqui, mas apenas desabafar. Ele seria um desses casos?
— Você aparenta ser uma pessoa calma, pacífica, ou eu estou errado e você só está cansada? — comenta, com seus olhos super analíticos.
— Um pouco dos dois — encosto-me no balcão, me segurando para não revirar os olhos. Eu não sabia dizer se ele estava se divertindo comigo, mas eu não estava com muita paciência.
— Qual o seu nome? — franzo o cenho, talvez eu esteja cansada demais para querer acompanhar seu raciocínio. Eu sou uma pessoa simpática, já fiz muita amizade servindo bolinhos e café. Cruzo os braços, estreitando meus olhos para sua postura correta.
— Lili.
— Só "Lili"...? — falou como se quisesse mais que apenas quatro letras.
Eu me mantenho inerte, me sentindo nem um pouco à vontade de lhe dizer mais do que já disse. Já se passava da hora de ir. Não posso ficar me deixando levar por um estranho. Deus, eu só quero embrulhar-me na minha cama.
— Hum — ele fez, como se ele pudesse ouvir meus pensamentos e os analisassem.
Ele mal se importou de dividir seu nome também. Não que eu quisesse saber, era só uma questão de educação!
— Oh, ainda está aqui, Lili — surge o meu anjo da guarda. O olhar feio que Hershel me lançou quase me fizera gargalhar, mas me contive. Ele passou pela porta que dava para a cozinha enxugando as mãos numa toalha. — Boa noite, senhor! — cumprimentou o cliente.
— Boa noite — o homem o cumprimenta de volta cordialmente. Escolho aproveitar a deixa.
— Eu já estava indo. Até outra hora, Hershel! — recolho novamente minhas coisas que havia largado na cadeira ao lado da porta.
— Tenha cuidado! — sentia o olhar dos dois me seguir o tempo todo. Eu não me atrevi de olhar para trás depois de alcançar a porta e passar pela a mesma.
— Pode deixar!
E então parti, tentando andar o mais rápido que podia, notando um carro muito moderno próximo ao estabelecimento de Hershel. Deve ser dele – eu pensei. Abandonei esta noite para trás, como sendo mais um dia de trabalho, o que viera a ser de fato.
Uma leve garoa molhava a calçada, os carros e seus faróis acesos que brilhavam na avenida me despertam do leve sono que ainda atingia meus sentidos. Só precisaria atravessar duas quadras para poder chegar ao meu prédio, mas o frio me convenceu de atrasar uns segundos para vestir meu casaco.
Poucas pessoas iam e viam ao meu redor, já era tarde, não estava surpresa, mas tinha a certeza que Samy reclamaria do perigo de andar sozinha tão tarde da noite.
Giro a chave, jogando meu corpo pela porta assim que ela se abre. Minha tão amada “colega de quarto” estava embrulhada em uma coberta no sofá. Ela parecia dormir, mas quando sua cabeça ergueu, ela estava olhando em minha direção, com a testa enrugada, e eu sorri.
— Você tá horrível — aceno negativo e fecho a porta.
— Boa noite pra você também. — Deixo minha bolsa na mesinha de centro, e me aproximo. — Você comeu?
— Sim, mas ainda estou com fome, e você? Já é bem tarde, Hershel te acompanhou? — ela boceja.
— Jantei sim. E não, eu vim sozinha, estava bastante corrido hoje, ele ficou com um cliente. — Ela suspira. — Vou tomar um banho e cair na cama. A faxina hoje foi pesada?
— Não, Carol me ajudou bastante hoje com os banheiros. — Ela boceja outra vez, e, automaticamente, eu também. — E não quero ouvir falar em faxina até segunda. — Eu sorri outra vez.
— Tudo bem, então eu lavo nossas roupas sozinha amanhã.
— Já falei que eu te amo hoje? — Sorri humorada para sua expressão alegre.
A manhã de domingo pareceu se arrastar, felizmente. Pude me acordar um pouco mais tarde, consegui lavar todas as nossas roupas até a hora do almoço, tirei a poeira da minha estante de livros pela tarde, e a noite tagarelei besteiras com Samy, que só reclamava dos problemas do Hospital que trabalha.
— Saudades de apenas arrumar casas!
— Vai ficar tudo bem, quem sabe alguma outra oportunidade surge daqui pra frente. — Samy tinha futuro, ela é desenrolada com trabalhos.
— Não dá pra poupar todo mês, deveríamos cortar alguns gastos desnecessários, já que queremos mudar de apartamento — suspiro. — Já não está fácil, mesmo que eu esteja ganhando um pouco mais que antes, é cansativo. E você, já nem ganha muito, e o que sobra você dá para aquele...
— Samantha!
— Eu só não entendo o porquê de ainda fazer isso — joga a peça de roupa que dobrava no outro amontoado da cama.
— Porque ele ainda é meu pai! — respondi calma. — E está doente, tenho compaixão.
— Ele é tudo, menos um pai! — seu olhar se aperta, mostrando-se indignada.
— Entenda meu lado, eu faço o que acho certo!
— Ele não merece! Você que merece esse dinheiro, merece investir ele em seu futuro, um futuro que você não teria, se não tivesse fugido dele — sua voz já se alterava, como sempre quando discutíamos sobre este assunto.
— Eu não sonho tão alto, e eu entendo seu ponto de vista, e acho que você está certa sobre esse detalhe, mas não posso ignorar ele assim. Ele é doente. Já conversamos sobre isso, ele é meu pai, mesmo não querendo, é uma responsabilidade que assumo. — Contenho minha voz, e respiro fundo. — Eu não dormiria bem à noite se não fizesse isso. Então prefiro minha paz do que o dinheiro! – dei de ombros.
E ali, longos minutos de silêncio se passaram. Ouvíamos o relógio de parede da cozinha trabalhar ruidosamente, os latidos dos cães de rua, as vozes dos vizinhos, o barulho da geladeira, e até nossas respirações.
Sempre se estabelecia esse clima após tocarmos neste assunto, sempre. Era inevitável, e sempre tentava encaixar a mesma ideia e argumento em sua cabeça, que teimava em 'apertar na mesma tecla'.
— Me responde uma coisa? — tendo meu silêncio em resposta, continuou. — Você o perdoou por tudo, por isso você o ajuda?
— Eu acredito que guardar sentimentos ruins dentro de nós nos fazem mais mal do que à quem dedicamos os mesmos. — Era um coração já cicatrizado que falava, e não a garotinha medrosa que abandonei para trás naquela noite. — Acho que sim, o perdoei, e admitir isso para mim mesma é tão libertador quanto ter fugido daquela vida. E não, não faço isso por tê-lo perdoado, tenho sempre respeito e educação pelas pessoas acima de qualquer coisa, ainda que eu não receba o mesmo em troca. Você sabe que sou assim, não tem porquê ficar forçando esse assunto para me convencer do contrário.
— Não se esqueça de que sou eu no quarto ao lado escutando cada pesadelo seu. — E então se ergueu da cadeira e seguiu para seu quarto. — E é seu dia de lavar a louça!
Eu sabia que no fundo ela entendia minhas ações, Samantha Stewart as vezes poderia até ser uma mulher orgulhosa e teimosa, mas sempre na mesma intensidade em que era emotiva e sentimental. Está para nascer alguém que mais me compreende do que ela, mas mesmo ela entendendo, nunca chegará a concordar com isso. eu não a julgo, ela assistiu meus piores momentos naquela casa.
Como estava cansada também, não ne demorei com as tarefas domésticas que me sobraram, já acostumada. Amanhã colocaria o mesmo sorriso gentil no rosto – que chegava a dar-me cãibras na mandíbula; enlaçar elegantemente o avental em minha cintura, e desfilar com bandejas talentosamente para lá e para cá, como sempre.
Quando Samy e eu chegamos à Nova Iorque, aceitando a realidade que 'havíamos fugido de casa', entendendo que não poderíamos confiar nossa situação a qualquer um, nós pegamos o metrô pela primeira vez com os bilhetes tremendo nas pontas dos dedos, enquanto as pessoas mal nos olhavam. Estávamos desesperadas para nos encaixar em algum lugar.
Dormimos na rua por dois dias, ou melhor, passamos duas noites perambulando por ruas grandes, semelhantes e confusas. Precisávamos de emprego e um lugar para ficar. Nossas preocupações giravam em torno do significado de "sobreviver".
Uma alma bondosa chamada Hershel nos acolheu num quarto escuro nos fundos de sua humilde lanchonete, nos alimentou, e nos deixou limpar e organizar seu estreito estabelecimento em troca de algum dinheiro. Seus maiores clientes eram seus vizinhos, e também os alunos e professores do bairro, turistas e funcionários de todos os lugares. Todos eram pessoas tão ocupadas. A mudança transcendia além de mim, num piscar de olhos. Samy pensava em oportunidades, e eu apenas gostaria de permanecer neste degrau. Nós devíamos nossa vida à Hershel, e por isso não aceitaria deixá-lo e partir. E estava satisfeita com esta decisão. Eu abri mão de muita coisa em busca da liberdade, então qualquer lugar estava bom para mim.
Com isso, dediquei meus dias seguintes para apenas servir o melhor café do Broklyn, o mais gentil e bondosa que estivesse ao meu alcance. Meus conhecimentos não eram tão amplos quanto pensei que fosse, acima de tudo eu entendia meu lugar, sabia quem eu era e também quem eu não poderia ser. Não nesta vida, pelo menos, então me era divertido viajar por realidades alternativas.
Quando aquele homem passou pela porta, eu me perguntei seriamente se era real.
Eu não pensei na possibilidade de que ele poderia voltar aqui, não era conveniente, apesar de estarmos localizados no Brooklyn, bem perto da ponte que leva a Manhattan. Pensei que ele estivesse de passagem, como muitos que chegam aqui. Ele olhou a extensão do lugar, notando o único casal de clientes que tínhamos naquele momento. Ele suspirou, e finalmente olhou para mim.
— Boa noite.
— Boa noite, o que vai querer hoje? — ele comprimiu os lábios, e depois de alguns segundos constrangedores, com seus olhos analisando minha figura, ele finalmente responde.
— Um café.
— Só um momento, por favor — vou imediatamente até a cafeteira.
Ele insinuou querer o banco no balcão novamente, mas ele parece mudar de ideia e segue para uma mesa distante. Dei de ombros recolhendo seu pedido num copo, deposito na bandeja e levo até ele.
— Aqui, se precisar de mais alguma coisa é só me chamar. — Ele não me olhou de volta, não me deu mais nenhuma palavra. Eu deslizei rapidamente para atrás do balcão.
As pessoas entravam e saiam rapidamente, escolhiam doces, chás, pães, qualquer coisa, enquanto ele estava lá, há uma hora com apenas um café.
O que se passava com ele?
Ele mexia algumas vezes em seu smartphone, e voltava a ficar parado, olhando para o nada dramaticamente. Quando restou apenas ele de cliente, faltando apenas trinta minutos para o horário de fechar, eu me vi indo até ele, com a feição mais idiota e com palavras mais idiotas ainda, pronta para lhe dirigir, e ele me surpreendeu, levantando seu olhar para mim. As orbes mais azuis e brilhantes me fizeram esquecer das palavras por um segundo.
— Algum problema? — ele questionou de repente.
— Estamos perto de fechar — aviso rapidamente, e pronta para sair de suas vistas, mas ele interrompe meus passos desajustados.
— Pode sentar comigo por um minuto? — eu o encarei boquiaberta e confusa. Como poderia recusar? Gentilmente puxei a cadeira e me acomodei.
— No que posso te ajudar? — sorri.
— Quais são seus planos? — ele estreitou o olhar, ainda usando o tom sério.
— No momento? Dormir... — fiz uma careta. Ele suspirou cansado, parecia pensar bem antes de responder alguma coisa. Eu me vi achar graça da situação. O que ele esperava ouvir de mim? Filosofias sobre a vida?
— Teve um dia difícil? — ele comprimiu os lábios, agora com uma expressão mais suave.
— Tecnicamente cansativo.
— Estou te entediando? — ele olhou para seu copo vazio.
— Na verdade, eu que devo estar te entediando. Você parecia esperar mais da minha resposta.
— Talvez.
— Talvez se você fosse mais específico...
— Quais são seus planos para o futuro? — ele levantou seus olhos para mim novamente, mais uma vez sério. Eu me senti nervosa diante daquela pergunta, e mais ainda pela expectativa que ele tinha nos olhos.
— Eu não me lembro da última vez que pensei nisso, não que eu projete tanto coisas na minha cabeça, até porque eu valorizo mais 'o agora' — isso é mentira. — Talvez seja exatamente isso que se espere de mim. É o meu jeito de evitar decepções, então eu não planejo muita coisa. Olha pra mim – dei de ombros, acenando para meu uniforme de garçonete.
— Eu estou olhando, e não espero isso de você. — Ele franziu o cenho. — Você é jovem, tem um longo caminho ainda para percorrer.
— Eu gostaria de dizer coisas mais interessantes, mas não consigo fazer isso sem inventar uma realidade alternativa. — Eu ri, nervosa. — Eu quis dizer que não espero muito de mim mesma... — Minha visão para o futuro era tão "prospera", que me senti envergonhada. — Por que me fez essa pergunta?
— Gosto de ouvir sobre perspectivas alheias sobre a vida. — E assim se estendeu o tempo, em um silêncio estrondoso.
— Minha perspectiva não é tão interessante — ele me olhou esquisito.
— Você não tem nem um pingo de ambição.
— Pois é — dei de ombros, e de repente ele segurou um riso nos lábios. — Essa sou eu, apenas uma garçonete!
— Tudo bem. — Ele respirou fundo. — Tenho decisões importantes para tomar, decisões que vão bagunçar minha vida. Algumas delas não estão ao meu alcance, e meus pais querem interferir nas minhas escolhas. A maior parte do caminho que construi dependia de algo que não pensei que fosse precisar.
— E do que você vai precisar para conseguir o que quer? — ergui uma sobrancelha, querendo passar um áurea intelectual.
— De uma esposa.
— Ah. — O número de coisas que pensei não chegou nem perto.
— Vai me dizer no que está pensando? — ele ficou curioso, provavelmente pela expressão de idiota que fiz.
— Você não tem cara de quem precisa disso.
— Por quê? — seus olhos azuis brilharam em expectativa mais uma vez.
— Você parece ser inteligente e diplomático – dei de ombros novamente. Eu não estava acostumada a levantar o ânimo de um homem.
— O que quero dizer é que esse status me dará credibildiade com os meus pais.
— Você tem mesmo uma grande decisão à tomar! — descansei minhas mãos na mesa, e ele reparou no meu corpo murchando. Eu estava confusa e cansada, por mais que eu me considere boa em conversar com as pessoas, sendo uma boa ouvinte, não imaginava que esse tipo de coisa pudesse aflingir este homem que me parecia imbatível. Fui pega desprevinida.
— Se eu não me casar, poderei perder a oportunidade que me preparei a vida toda para conquistar.
— Bom, se te serve de consolo, casamento pode ser bom, se escolher a pessoa certa. Você já conversou com ela? Ou... Ele... — ele comprimiu os lábios outra vez, e meu coração quase pulou pra fora. Ora, eu não sabia nada sobre ele. Ele poderia ser homossexual. Não faz mal perguntar, não é uma ofensa!
— Ainda não conheci nenhuma mulher que me interessasse o suficiente para casar. — Ele desviou o olhar, como se esperasse que eu entendesse. Sim, eu entendi, você gosta de mulher.
— Então você vai casar do nada com alguém? Tipo aqueles casamentos arranjados? — Eu ri da situação, mas me contendo o suficiente para não passar má impressão.
— Um casamento é um acordo entre duas pessoas, com paciência e técnicas é possível dar certo entre duas pessoas que não se amam.
— Concordo, você não precisa amar alguém para poder respeitá-la e estar de acordo com ela. — Ele assentiu.
— Exato. — Ele sorriu satisfeito.
— Então por que está com receio de ir enfrente com essa decisão?
— Eu não disse que estava com receio.
— Mas também não parece muito confortável. — Ele comprimiu os lábios outra vez.
— É difícil achar alguém que pense da mesma forma que eu, como eu disse, só será possível se os dois estarem de acordo com os termos.
— De fato, não me aprofundei nesse detalhe... — mordi os lábios, constrangida. E ele achou graça. — Bom, acredito que você tenha bastante experiência com pessoas, negócios e acordos, saberá como resolver tudo isso.
— E o que você sugere?
— Para esse seu plano?
— Sim. — Ele cruzou os braços, como se estivesse realmente interessado no meu ponto de vista. Era uma situação cômica, um cara como ele pedir a opinião de uma garçonete.
— Parece que o que te resta é ter sorte para escolher bem quem irá cair nessa roubada contigo. — Eu sorri abertamente para ele, mostrando minha audácia. Ele soltou o copo vazio e acenou negativo, sorrindo torto.
— Obrigado.
— Disponha! – debochei ainda mais.
— Foi agradável, eu agradeço pela conversa, Lili — ele se ergueu do banco, e eu perdi o ar quando falou meu nome.
Ele lembrava do meu nome. Ele meteu a mão no bolso e deixou uma nota para pagar o café. Deu-me as costas e saiu do estabelecimento sem se apresentar novamente. Essa conversa realmente aconteceu, ou foi mais um fruto da minha imaginação?
Contudo, a nota de um dólar parecia bastante palpável para ser imaginária.