capitulo 1
Samuel
Acordo sem saber onde estou, meu corpo estava adormecido, como se estivesse dormindo a séculos. Espero uns minutos até a minha visão voltar perfeitamente, vendo que estou no quarto de hospedes da minha casa. Olho a volta, passo a mão no meu corpo, percebendo que estou ligado a um aparelho. Eu estava em coma! Não podia crer! Para mim parecia apenas um sonho.
–Benza Deus, você acordou! – Diz uma enfermeira entrando no meu quarto.
– O quê aconteceu?
Ela respira fundo, tentando encontrar uma maneira de me explicar.
– Fala logo! – Disse ansioso.
– Você foi esfaqueado, levou várias facadas…. Eu estou cuidando de você, a pedido do seu irmão.
Eu passo a mão no meu peito e no abdômen, sinto as cicatrizes no meu abdómen. Lembrando da noite onde tudo aconteceu. Começo a respirar fundo, começando a ter uma crise do pânico. Comecei a me lembrar o motivo de estar nesta situação.
– Samuel, está tudo bem! Você não corre perigo! Fica tranquilo!
Ela deu um copo de água, eu tomei e tentei me acalmar.
– Há quanto tempo estou dormindo?
– Seis meses!
Eu ergo o tronco e fico sentado na cama. Ela se aproxima de mim, toca em mim, mas eu me afasto. Sabia que ela não me queria mal nenhum, mas eu não queria ser tocado por ninguém, estava confuso e agoniado, principalmente magoado.
– Desculpe.
Eu acenei positivamente a cabeça, tentando me acalmar.
– Finalmente você acordou, irmão! – Disse o Júnior, meu irmão mais velho, ele tem o nome do meu pai, Charles. Meu irmão mais velho, é um negro, cabelos crespos e barba feita com algumas mexas grisadas. Para além de estar na faixa do quarenta, é mais serio e desconfiado. Não até na própria sombra.
Eu encarei-o, fazendo o olhar que ele já conhecia. Ele olhou para a enfermeira e mandou-a sair.
– Não sabe que susto nos deu, Samuel!
– Onde está a minha mulher?
– Você quer dizer a demente da Japonesa! –Disse furioso
– A Japonesa tem nome! Nome dela é Sayuri, onde ela está – Encarei seriamente e não tendo mais paciência a falta de empatia que ele tem com a minha esposa.
Sayuri era a minha esposa, uma mulher mestiça, com ascendentes japoneses e médio Oriente. Ela era linda, cabelos pretos, olhos puxados e uma boca rosada linda para beijar. Eu sou negro, minha pele tem um belo tom da cor do chocolate, bom porte físico, pois faço academia, já fui militar e hoje sou policia de intervenção rápida. As pessoas diziam que eu e ela, éramos um casal perfeito, mas creio que estavam enganados.
– Onde ela está? – Pergunto mais uma vez.
– No hospital psiquiatra de westford, por que você se importa com ela? Ela…
– Eu sei o que ela fez! Eu mais do que ninguém sei o que ela fez! – Gritei frustrado, não queria escutar o que aconteceu, afinal eu senti na pele e na carne, o sucedido.
Ele suspirou e abanou a cabeça.
Sayuri foi internada no hospital psiquiátrico por ter me atacado. Eu tinha todos os motivos para ter raiva e querer distância dela, apenas não queria acreditar que ela…. Que ela me atacou a facadas. Não podia crer… Ela esfaqueou-me mais de uma vez. Ela atacou-me com tanta ira, ela ia me matar!
– Sempre te disse, que você devia ter cuidado com ela! – Disse o junior.
– Eu não estou para ouvir sermão agora!
Ele acenou negativamente a cabeça e cruzou os braços.
– Você não trabalha? – Perguntei impaciente.
– Está me dispensando?
– Estou! – Desafiei-o no olhar, meu irmão estava mais interessado em me dar sermão, ao em vez de responder o que eu queria saber. Acabaríamos discutindo sem necessidade.
Ele riu-se ironicamente e foi embora. Logo depois a enfermeira entrou e ficou um tempo me encarando.
– Como se sente?
– Eu agradeço pelos seus cuidados, será paga pelo seu serviço…
– O seu irmão já tratou disso!
– Eu irei dispensá-la….
– Tudo bem, a sua recuperação na cicatrização foi ótima, só estávamos a espera que você acordasse!
Ela aproximou-se de mim mais uma vez, querendo me ajudar a me levantar, mas eu afastei. Não consegui corresponder, estava sempre na defensiva. Não estava em condições de confiar em ninguém. Ela sorriu e afastou -se. Vou até ao banheiro do quarto, fico em frente ao espelho. Minha barba estava feita, meu cabelo cortado do jeito que eu gostava, cheiro a minha pele cor de chocolate sentindo o meu perfume, estava me inspecionando e estava mais do que claro que fui bem cuidado. Abro os botões do meu pijama, ficando apenas de calças e expondo o tronco nu, olhando vejo as cicatrizes enormes das facadas que tinha no meu abdômen, só Deus sabe como eu sobrevivi. Pelas cicatrizes deviam ser três facadas. Era para eu ter morrido.
4 horas da tarde
Decido sair do quarto e caminho até a sala, aqui foi onde tudo aconteceu. Apesar de terem limpo os sofás, tapete, terem deixado tudo em ordem, nada apagava o que aconteceu aqui. Olho para mesinha da sala e vejo que tem um tapete que antes não estava lá. Aproximei-me e levanto o tapete, lá estava, a mancha de sangue do meu corpo. A lembrança do horror que eu passei! Vou até cozinha pego numa esponja e uma lixa, volto para sala e tento tirar a mancha a qualquer custo, apenas queria a que aquilo sumisse, como se nada tivesse acontecido. Olhar para mancha doía mais que a cicatriz que estava no meu corpo.
– Também tentamos tirar, mas não sai por nada! – Disse a enfermeira olhando para mim e percebendo a minha angustia.
– Você ainda esta aqui? – Reclamei, pois queria estar sozinho.
– Eu só poderei ir embora depois que o seu irmão me dispensar! Eu fiz o contrato com ele.
Eu respirei fundo e a encarei-a, queria dizer algo, mas olhei para ela e vejo nada mais que uma garota tentando me ajudar.
– Entendo.
– Irei buscar o seu lanche! – Disse.
– Não precisa…
– Preciso sim! Faz parte do contrato e estou sendo paga para isso. – Ela foi até a cozinha.
A campainha toca, largo a esponja limpo as mãos que estavam húmidas. Caminho até a porta e abro com cara de poucos amigos.
– Boa tarde! – Diz uma moça sorridente. Ele era loira, magra e o seu rosto não me era estranho.
– Bom tarde.
– Bem, eu me chamo Lucia, soube que você acordou, então vim lhe oferecer uns bolinhos de chuva….
– Obrigado! – Recebi a bandeja com os bolinhos, mas não a convidei para entrar, não porque não gostasse dela, apenas não era um bom momento.
– Seu irmão… – Ela encarou-me como se quisesse saber dele.
– Ele saiu, não sei a que horas volta…– Disse friamente, pois queria que ela fosse embora.
– Tudo bem, você fala que estive aqui…
Eu acenei positivamente a cabeça. Bastou ela dar as costas, para eu fechar a porta, apenas queria estar sozinho, mas vi que não era possível pois até tinha uma enfermeira particular. Deixei a bandeja na cozinha e logo a enfermeira deixou o meu lanche na mesa.
– Só por curiosidade, vocês estão aqui desde a época que eu fui…
Ela acenou a cabeça concordando. Comecei a comer o lanche, olhava para os cantos da cozinha e lembrava da Sayuri, o quanto ela cozinhava bem, do quanto eramos felizes nesta cozinha, do número de vezes que fizemos amor nesta mesa. Engraçado que eu ainda conseguia ter boas recordações dela, mesmo depois de tudo.
– Obrigado! – Disse-lhe, a enfermeira sorriu. – Desculpa, qual é o seu nome
– Alice!
– Prazer, bem já sabe o meu nome, então não preciso me apresentar.
A Alice sorriu, acenou negativamente a cabeça e retirou-se. Tendo o meu lanche na cozina, oiço a porta a se abrir e voz do meu irmão cumprimentando Alice. Ele entra na cozinha e ficamos um tempo nos encarando, parecia que ele tentava ler a minha mente, entender o que estava acontecendo comigo. Eu e ele conhecíamos muito bem, sabíamos do que um era capaz de fazer e de não fazer. Meu irmão era médico. Ele era divorciado e eu era casado. Ele sempre foi calmo e racional, eu sempre fui, digamos espontâneo e desafiador. Eramos diferentes em muita coisas, mas nos conheciámos muito bem.
– Você vai ficar bem? – Perguntou-me, pois sabia que eu queria voltar a minha rotina, ter a casa só para mim, voltar ao meu trabalho e ver a minha esposa.
–Vou…
– Você não quer se mudar? Morar noutro lugar? Aqui foi onde foi esfaqueado…você quase morreu .
– Mas cá estou eu, vivo! São apenas recordações vai passar… – Falei como se não tivesse importância, mas a verdade eu estava angustiado mas também não queria largar o passado. Não estava pronto para seguir em frente, não antes de eu olhar para minha esposa.
– Creio que vai precisar de um psicólogo, melhor dizendo vai precisar de psicólogo. – Junior afirmou, praticamente me ordenando.
– O que vai fazer? Vai me internar também? No hospital de westford? – Encarei-o seriamente, pois não gostava de ser mandado feito criança.
Ele desviou o olhar e abanou negativamente a cabeça.
– Eu ficarei bem. – Disse. – Obrigado pelo fez por mim.
– Você faria o mesmo por mim.
Acenei a cabeça positivamente. Apesar de termos dado a conversa por encerrado, via nos olhos do meu irmão que ele iria dizer mais, como se soubesse quais seriam os meus próximos passos.
– Não faça isso… Eu sei o que pretende fazer! – Junior apela como se eu tivesse lhe dito o que eu faria.
– Eu preciso vê-la! Preciso saber como ela está…
– Você não quer acreditar que ela quis te matar!
Eu respiro fundo, lembrando da noite que ela esfaqueou-me como uma louca. Ela estava irada, agressiva e em pânico.
– Não vou discutir sobre isso!
– Existem muitas outras mulheres por ai…
Eu revirei os olhos e cruzei os braços, não estava acreditando que ele estava me sugerindo isso. Esperava mesmo que eu mal acordasse de um estado de coma, saísse por aí pegando tudo quanto é mulher.
– A sua amiga, trouxe-te bolinhos de chuva! – Disse mudando de assunto, pois continuaríamos discutindo até o dia seguinte.
Ele suspirou e cruzou os braços, abanou a cabeça e sentou ao meu lado. Pegou marmita que continha os bolinhos de chuva e começou a comer.
– Ela é um doce de pessoa!
– Sua namorada?– Perguntei levantando um sobrancelha.
– Sabe que eu não namoro!
– Ela fez bolinhos de chuva, para ti! – Levantei uma sobrancelha.
– Fez porque quis…– Resmungou de boca cheia.
Eu ri-me e abanei negativamente a cabeça.
– Podia a tratar direito pelo menos…
– Olha quem fala…
– Como assim?
– Você acha que está sendo bem cuidado, todo arrumadinho porquê?
Eu o encarei sem entender.
– Há coisas que ela faz e que nem é paga para isso!– Disse se referindo a Alice.
Eu desviei o olhar.
– Ela tem um fraco por você! Não reparou…
– Acabei de acordar, você acha eu iria reparar!
– Todas as mulheres tem um fraco por você! – Riu-se e bateu no meu ombro. – homem alto, corpo atleta, com tatuagens! Que mulher não gosta…
– Algumas, nem todas!
Os dois rimos. Eu tinha algumas tatuagens no corpo e estava pensando em fazer mais algumas para disfarçar a cicatriz. Meu irmão tentava animar-me, fazer com que eu me sentisse melhor, mas eu ainda estava atordoado e confuso. Tinha de haver alguma explicação para tudo isto que aconteceu. Eu tinha dois defeitos visíveis, teimosia e persistência.