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Você não precisa da aprovação dos outros.
Não me lembro bem como aconteceu. Só me lembro que não sonhei. Foi real, tão real quanto a sensação de queimação quando você roça uma chama, senhora do calor.
Lembro-me de acordar todas as manhãs, me vestir e me maquiar com uma linha de delineador e rímel.
Desci então para a cozinha comum para tomar café da manhã.
Minha mãe era diferente das outras mães. Não fazíamos essas atividades de mãe e filha. Eu não conseguia me lembrar da nossa última ida às compras ou da nossa tarde de panquecas, isso só aconteceu uma vez antes?
Quando minha mãe estava nos dias bons, ela não me provocava pela manhã.
Suas primeiras palavras foram cruciais, decisivas porque determinaram que tipo de dia acabara de começar e quanto mais o tempo passava, mais saborear um café em silêncio era algo raro.
- O que é essa roupa? Você vai para a escola, não se prostitui.
Olhei discretamente para minha roupa: meu suéter amarrado mostrava apenas um pequeno pedaço de pele, quase competindo com meu jeans preto e meus Derbys aprovados pela Federação de Freiras.
Então não me preocupei em responder e enfiei uma fatia de pão na torradeira, quase para evitar dar uma resposta picante.
Com o passar dos anos, aprendi a não responder às suas observações diárias. Enfim, mesmo nas poucas vezes que tentei fazê-la entender que eu me importava mais com a cor do esmalte da Lady Gaga do que com a opinião dela, ela não quis ouvir nada.
Minha mãe era uma mulher tenaz, um pouco suja. Talvez eu tenha herdado isso dela, minha aparência durona.
"Venha aqui, vamos lutar."
Mesmo assim, eu tinha que manter a cabeça erguida, a dor estava lá, escondida no fundo do meu peito, e cada uma de suas palavras era como uma agulha.
Afiado, preciso e picante.
Quando o pedaço de pão dourado saiu da máquina, ouvi-o vagamente comentar quantas calorias uma torrada tinha.
Você deve saber uma coisa importante sobre minha mãe, embora ela tenha um estoque incrivelmente inesgotável de comentários, seus assuntos preferidos continuaram sendo minha alimentação, meu peso, meu estilo de vestir e meu namoro.
Imagine por que parece que ela estava particularmente ansiosa para me lembrar a cada minuto da minha vida o quanto eu poderia ter sido melhor.
Deixei a faca de lado uma vez
meu pedaço de pão coberto com manteiga levemente derretida e o mordi ansiosamente.
O que obviamente me rendeu mais um comentário.
Meu almoço foi devorado mais rápido do que o recomendado pelo canal de dieta ao fundo, peguei minha mochila escolar e pendurei-a sobre um dos ombros.
Saí de casa sem sequer me dirigir à dona do lugar que, sem muita surpresa, não esboçou a sombra de um sorriso.
Ela poderia ter fingido pelo menos uma vez.
Caminhei silenciosamente até minha escola, que não ficava muito longe de minha casa.
Ela poderia muito bem ter me conduzido, mas confessei que não era tão masoquista a ponto de querer ficar trancado com ela num lugar fechado.
Essa pequena caminhada foi de certa forma meus minutos de descanso entre casa e escola.
Chegando em frente ao estabelecimento, parei, esperando meu melhor amigo no local de costume.
Mas hoje algo não foi como nos outros dias. A mesma rotina ficou na minha pele durante seis anos. Conheci na ponta dos dedos todas as aventuras que pontuaram a minha semana de segunda a sexta.
Na segunda-feira, Carren faltou à primeira hora de matemática.
Na terça-feira, um estudante ainda causaria escândalo porque a namorada se apegava demais a ele.
Quinta-feira, Daisy nos contou sobre sua quarta-feira.
Ainda hoje, algo perturbou minha rotina.
Carros pretos com vidros escuros estavam estacionados na calçada em frente ao estabelecimento.
Mais tarde lembrei que deveria ter tomado cuidado. Mas não me preocupei. Logo
Damen chegou e eu voltei na mesma hora que ele.
- ENTÃO ? Ele me pergunta
- Como sempre, encolho os ombros.
Ele não teve tempo de responder que já havíamos chegado no auge da nossa banda, amigas de infância, Daisy, Kristal,
Joshua, Damen e eu nunca nos separamos.
- Ei, feios! exclamei, dando um tapinha no ombro de Daisy.
- Fale por si mesmo, respondeu este último.
- Vamos lá, assuma que você é feio, riu Joshua.
Daisy fingiu gemer e eu a peguei nos braços.
Ela já estava congelando o rosto com a mesma expressão quando me recusei a brincar de amarelinha.
- Vai, não importa D os feios podem ser felizes.
- Bem, sim, olhe para Elijah, ela vive perfeitamente bem, riu Damen.
Eu ri com meus amigos quando entrei na turma para nossa primeira aula.
Poucas horas depois, saí sozinho daquele enorme prédio e estava prestes a voltar para casa moralmente exausto pela retomada das aulas.
Damen costumava andar comigo, ele morava a apenas um quarteirão de distância.
Sua família perfeita não resistiu ao calor do verão e agora ele tinha que pegar o ônibus a cada duas semanas e ir para outra cidade para se juntar ao pai.
Desci alguns degraus da varanda.
Ao longe eu ainda via os mesmos carros desta manhã, mas desta vez os homens estavam encostados neles, observando como predadores os estudantes saindo do colégio.
Um desses homens finalmente olhou para mim e se inclinou na direção de seu companheiro, acenando para mim.
Fiquei paranóico.
Escolho o momento em que todos se levantam para vir em minha direção e recitar mentalmente uma oração.
Foi no momento em que me cercaram, como um anel de fogo, sem que meu pé ainda tivesse se movido um milímetro, que percebi que não só devia ser muito lento no gatilho, mas também estar realmente na merda.