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~ Tantas mãos para transformar este mundo, e tão poucos olhos para contemplá-lo ~
Abro os olhos com um suspiro, a voz aguda da minha sogra enchendo a casa. Ela não podia calar a boca de uma vez? Eu odeio acordar assim.
Depois de um longo bocejo, finalmente me levanto com relutância. Eu me arrasto até o banheiro. Eu odeio manhãs. Eu me lavo e me preparo para a escola. Tenho certeza que se não tivesse o sonho de fazer faculdade para sair desta casa, já teria largado a escola.
Aplico um pouco de corretivo e meu rímel. Não gosto de usar maquiagem, mas é melhor estar apresentável. Ninguém iria querer ver minhas olheiras.
Eu estou na frente do meu guarda-roupa. Talvez seja hora de lavar minha roupa. Não tenho muito o que vestir. Eu opto por meu último jeans preto e um top branco. Pego minha bolsa e saio do chão.
Meu pai está sentado na ponta da mesa com o jornal desta manhã na mão, como sempre.
- Você demorou, minha sogra fica brava encostando no plano de trabalho, você tem que aprender a levantar mais cedo e se arrumar mais rápido. É sempre o mesmo cinema todas as manhãs.
Não me preocupo em responder e sento no meu lugar, de frente para meu pai. Espalho o devido chocolate no meu pão e o mordo. Não estou com humor para discutir com ela.
- O mínimo que poderíamos ter feito era pedir desculpas, ela cospe.
- Eu vou me atrasar e não você, lembrei-a baixinho, e nunca.
- Você vai deixar de ser esperto. Você viu aquilo ? ela pergunta ao meu pai, virando-se para ele. Começa de manhã!
- O que posso fazer se minha filha não tem educação?
Deixei escapar um suspiro junto com o meu pão. Meus olhos fixam um ponto atrás dele para evitar o choro. Como te dizer que esse era o seu papel de fato?
Levanto-me e saio, tendo o cuidado de bater a porta. O vento me bate no rosto, obrigando-me a fechar o zíper da jaqueta.
Todas as manhãs é a mesma coisa. Minha sogra que arranja motivos para me criticar e meu pai que concorda com ela sem nem se dar ao trabalho de opinar.
Desde a morte de minha mãe, nada foi o mesmo. Meu pai se casou novamente dois meses após sua morte com esta mulher terrível. Nunca entendi por que ela me odiava tanto. Talvez seja porque eu sou a única lembrança que meu pai tem de minha mãe? Não sei. Só sei que estou esperando para ir para a universidade, bem longe daqui.
Chegando na escola, procuro Júlia com os olhos. Não é surpresa que eu a encontre na frente da porta do banheiro. Um hábito que nunca entendi. Ela está sempre esperando por mim perto do banheiro.
- Oi.
- Rosa ! Eu quero a verdade !
- Você é linda Júlia, eu ri.
- Não não. Dessa vez é sério, minha maquiagem está boa?
Eu o observo cuidadosamente. Sombra marrom escuro, delineador, uma camada espessa de rímel, uma linha de lápis sob os olhos e batom bege. Ela está usando muito mais maquiagem do que o normal, mas não é feia. Nunca vou entender por que ela se esforça tanto todas as manhãs para vir à escola.
- Você acha que é muito? ela me pergunta diante do meu silêncio.
- É muito lindo, mas...estamos na escola, não em um casamento.
- Nós não ligamos ! É um dia santo!
Diante do meu olhar perplexo, ela me explica:
- Um alfa chegará a qualquer momento.
Concordo com a cabeça, faz mais sentido. A cada mês, um alfa chega acompanhado de algumas pessoas de seu bando para encontrar sua alma gêmea. Todos se preparam como se fosse o evento do ano. O que é um absurdo porque nenhum alfa jamais encontrou uma alma gêmea em nossa pequena cidade.
- Você não entende, ela continua, vendo minha expressão cansada. Não é qualquer alfa. É Alfa! Ninguém chega perto dele. Ele é o mais forte e cruel que existe. Imagine ser sua alma gêmea? É simplesmente incrível!
- Você gostaria de ser a alma gêmea de um alfa cruel? Eu perguntei incrédulo.
- Sim, eu amo psicopatas demais!
Eu comecei a rir. Essa garota é maluca. Não há outra explicação possível!
O sinal toca e vamos para a aula. As aulas passam com uma lentidão de tirar o fôlego. Eu apenas olho para a floresta através da janela. Mal posso esperar para ir para a faculdade. Para começar a viver de verdade. Sorrio ao me ver me tornando um grande arquiteto. É o meu sonho mais querido.
De repente, o alarme que eu tanto odeio toca. Eu me levanto com um suspiro. Todos nós vamos para o pátio para fazer a fila. Eu rio enquanto James empurra uma garota para mais perto da porta.
Como de costume, estou indo para o final. O que eu mais gosto nessas visitas? Estes são os olhares desesperados dos alfas.
- Sinto que desta vez é a hora certa. Julia sussurra em meu ouvido.
- Se você diz.
- Oh, meu Deus, eles são lindos!
Eu viro minha cabeça em direção à porta. Dois homens entram no pátio pelo portão. Um é loiro e bastante esguio, enquanto o outro tem cabelo preto e é mais largo. Eu os observo brevemente até que um terceiro chega e se coloca entre eles. O alfa.
Estou surpresa com tanta beleza. Julia estava certa, é de tirar o fôlego. Uma construção imponente. Sua camisa branca, desabotoada em cima, revela os músculos que se escondem por trás do tecido. Cabelo castanho bem cuidado. Um passo garantido. Ele transpira dominação.
Meu olhar encontra o do beta de cabelos pretos, ele me dá um largo sorriso. Desvio o olhar e encaro meus sapatos. Eu tenho um mau pressentimento.
Eles sussurram algo que eu não entendo antes que o alfa comece a examinar cada pessoa, uma por uma. Eu dou uma olhada em Julia arrumando seu decote. Eu sorrio balançando a cabeça.
Meu olhar permanece em meus sapatos. Eu não tinha notado que tinha amarrado mal os cadarços. Isso é o que acontece quando você sai de casa rapidamente.
Eu ouço algumas garotas implorando para ele olhar para elas novamente. Eu seguro uma risada enquanto me abaixo para reatar meus cadarços. Essas garotas não podem afundar mais.
Quando termino meu nó, vejo sapatos masculinos na minha frente. Oh.
- Olhe para mim, ele ordena em sua voz grave.
Eu mordo meu lábio enquanto me levanto. Só quando estou completamente ereto é que me permito levantar a cabeça.
Todo o meu corpo permanece bloqueado, como se ele tivesse acabado de me prender no chão. Eu nunca tinha visto olhos tão verdes antes. Eles são de uma...intensidade magnífica. Absolutamente deslumbrante. Sinto que bastaria um passo para eu cair nela e me deixar levar por...
- oh meu Deus.
A voz de Julia me traz de volta à realidade. Eu pisco várias vezes enquanto examino o alfa, intrigado. E quando ele pronuncia estas três palavras, eu entendo tudo:
- Você é meu.
Em pânico, viro minha cabeça para Julia. Ela dá de ombros. Não pode ser verdade? Eu dou um passo para trás olhando para todos os lugares, menos para ele. Sem perceber, minhas pernas começam a correr. Corro direto até chegar na floresta.
Paro por um momento para me virar e seguir em outra direção. Que ideia ir para o meio da floresta para fugir dos lobos! Mas eu os vejo chegando e continuo minha corrida.
Eu corro tanto quanto minhas pernas permitem. Meu coração parece estar implorando para eu parar, mas não é possível! Eu não posso parar !
Acabo parando alguns minutos depois. Eu me inclino para frente contra uma árvore, apoiando-me nos joelhos e tentando acalmar minha respiração. Eu acredito que os semeei.
Mas quando abro os olhos, seus betas estão encostados nas duas árvores opostas. Sinto uma presença atrás de mim e isso me assusta. Eu não ouso me virar.
- Você Terminou ? ele pergunta irritado.
- Eu... eu não posso, consegui articular enquanto olhava para a árvore à minha frente, não posso ir com você.
- É uma pena que ninguém tenha pedido sua opinião neste caso.
Eu me viro e o encaro. Ele cruzou os braços e olhou para mim de toda a sua altura.
- Você não pode me arrastar de volta.
- E quem vai me impedir?
Ele está certo. Quem se atreverá a dizer qualquer coisa na frente deste homem meio humano? Pessoa.
Achando que vou ser cativa, não indo para a faculdade, me recuso a cooperar. Eu não posso desistir dos meus sonhos tão facilmente!
- Eu tenho família, tentei gentilmente, ainda vou à escola. Não posso desistir de tudo e ir com você num estalar de dedos.
Ele concorda. Ah, afinal não é tão difícil. Ele parece entender. Então eu continuo:
- Este é meu último ano antes da faculdade. Eu pretendo ir embora daqui. Poderíamos talvez concordar com a universidade? Eu estaria disposto a ir a um estabelecimento não muito longe de sua cidade. E então, nem sempre sou fácil de conviver.
Ele sempre me encara sem acrescentar nada. Acredito que ele aceitará. Ele parece ser uma pessoa razoável. Nós nem nos conhecemos. Então, por que ele iria querer que eu fosse com eles? Ainda é um absurdo?
- Se você acabou, mal posso esperar para deixar esta aldeia.
- Sim claro. Apressei-me em dizer feliz.
- Com você, ele acrescenta.
Teria sido bom demais para ser verdade.
- E se eu recusar?
- Não é um problema, eu tenho meus métodos.
- Você não pode forçar alguém a vir com você.
Desta vez, é ele quem suspira alto. Ele dá um passo à frente e eu recuo. Ele não pode me forçar! Não é possível ! Está fora de questão que eu vá a um lugar desconhecido com esse estranho.
- Se eu fosse você, não o irritaria. Recomende um de seus betas atrás de mim.
Meu coração bate mais rápido. Eu procuro em todos os lugares uma saída, mas para onde eu poderia fugir em uma floresta? E com três lobos extras? Estou cozido. Recuso-me a ceder a este homem que pensa que pode fazer qualquer coisa!
Ele se aproxima e agarra meu braço. Luto para que ele me liberte, mas sem sucesso. Ele nem se mexe ao receber meus golpes. Estamos indo para o final da floresta.
Lágrimas impotentes enchem meus olhos. Não posso deixar que isso me tire do meu mundo! Longe dos meus sonhos. Longe da Júlia!
- É o bastante ! ele rugiu, me pegando.
Meu choro aumenta quando me encontro em seu ombro. Eu o chuto nas costas, gritando para ele me soltar. Lutando o máximo que posso. Ele não tem o direito de fazer isso!
Uma vez na frente da escola, ele me joga no chão e me bloqueia entre o carro e seu peito poderoso. Eu o chuto gritando:
- EU NÃO VOU COM VOCÊ! VOCÊ TROUXE MAL SALTOS! ME AJUDE !
Sinto uma dor no braço. Querendo virar a cabeça para ver de onde vem tanta dor, encontro o olhar de Julia. Seus olhos azuis me olham com tristeza. Li um "adeus" em seus lábios. Não...
Minha cabeça vira. Eu não vejo mais nada. Tudo parece se mover ao meu redor. Minhas pálpebras estão ficando mais pesadas.
Não, eu não quero desistir de tudo que me resta...