2-Las Vegas -Vincent
Las Vegas
Vincent
Nossa família dependia das drogas para obter a maior parte de nossa renda. O complexo cassino e hotel era parte do império da família. Muitas pessoas vinham jogar todas as noites e, apesar de haver muitos perdedores, eram sempre os que ganhavam que atraíam atenções.
Junto ao cassino, um restaurante. Eu comia tranquilamente meu jantar, embora fosse de madrugada, sozinho, perto da escadaria que descia até o cassino no pavimento inferior. Dali, eu podia avistar toda a área onde as pessoas jogavam.
— Vincent. Más notícias.
Ergui meus olhos limpando a boca com o guardanapo.
— Lorenzo está morto.
Eu o encarei sem ar. Senti o sangue fugindo do meu rosto.
— Morto? — repeti, para ver se eu tinha ouvido errado.
A dor estava mexendo com a minha lógica, com minhas emoções.
— Sim, sinto muito.
Todo o meu corpo passou a tremer de raiva.
— Como?
— Os Sebastians o mataram em uma tocaia.
O cristal da taça que eu segurava quebrou na minha mão sem eu perceber, meu sangue pingando sobre a toalha da mesa junto com o vinho. Frank se aproximou de mim.
— Não! Pode deixar! — desviei os olhos de Frank e enrolei um guardanapo no corte, o apertando com força, mas a dor estava toda concentrada no meu peito. Ergui meus olhos para ele — O cassino ficará sob sua responsabilidade enquanto eu estiver em Miami.
— Sim. Pode ficar tranquilo — Frank se inclinou.
— Pode ir.
Olhei ao redor. Por todos os lados o evidente poder do dinheiro. O luxo me deprimia agora. Impotente, me dei conta que nosso dinheiro não traria meu irmão de volta.
Há anos eu tinha deixado aquilo tudo para trás. Eu estar à frente dos negócios do cassino não estava nos planos de meu pai, ele queria colocar meu irmão Lorenzo no meu lugar... Lorenzo agora estava morto.
Saí daquele submundo, contestando a vontade de meu pai. Ele queria me preparar para ser o novo Don, ser o cabeça da família. Ele me julgava, entre os filhos, o mais preparado.
Fora duro para o velho, um homem que intimidava o próprio diabo no inferno, ter seu pedido negado.
Alto, forte, cabelos grisalhos, o rosto, sempre com aquela máscara fria, emitia alarmantes toques de perigo e sua reputação de violento reforçava isso. Não temia a polícia, nem a sociedade, nem Deus, nem o inferno. Meu pai pertencia a uma espécie rara de homens.
Com as mãos trêmulas, tirei uma cigarreira e coloquei um cigarro entre os lábios. Antes que tivesse tempo de acendê-lo um garçom antecipou-me o gesto prontamente.
Traguei profundamente o cigarro e depois o apaguei no cinzeiro. Voaria para Miami e encararia o desgosto de meu pai. Ele com certeza me culpava pela morte de meu irmão. E ele não estava errado, se eu não tivesse cedido meu posto, nada disso teria acontecido.
Desci os degraus até o cassino. Luzes brilhantes contrastavam com o ambiente mais escuro do restaurante. O tapete felpudo estava cheio de tocos de charutos e cigarros. Garçons ofereciam as mais variadas bebidas naquela atmosfera impregnada de perfume e fumaça.
Dois seguranças se afastaram quando me viram. Abri a porta com a inscrição "particular" com minha chave. Dentro do escritório de decoração opulenta, um frio invadiu meus ossos. Me virei para a janela sufocado. Com certeza ele me pressionaria a ficar em Miami e colocaria um dos meus irmãos para cuidar do cassino.
Eu não cogitava mais isso há dois anos. Desde nossa última conversa, desde que essa real possibilidade surgiu, possibilidade que eu lhe neguei.
Meus irmãos não acreditaram quando souberam da minha decisão. Eu rejeitei uma posição de destaque, tão almejada por todos eles. Principalmente por Vitor. Eles se esforçavam muito para ser o futuro Don.
À medida que os anos foram passando, meu pai não se manifestara mais sobre esse assunto, como se tivesse desistido ou se resignado com minha decisão. Ou talvez meu pai tivesse imaginado que as circunstâncias pudessem me fazer voltar atrás ou que a rotina do cassino me sufocasse e isso me fizesse mudar de ideia.
Mas agora, diante da morte de meu irmão, as coisas mudaram de figura. Ele com certeza usaria isso para me pressionar. A verdade era que eu não sabia o que poderia acontecer daqui para frente.
Agarrei-me às costas da cadeira. Minha cabeça fervia com as implicações dessa nova realidade. Minha ida agora até Miami era penosa e extremamente difícil.
— Você está bem? — a minha secretária perguntou, quando me viu tão transtornado.
Eu não me movi.
— Sim. Irei me ausentar. Frank estará à frente dos negócios.
— Sinto muito pelo seu irmão. Frank me falou agora.
Eu a encarei, sério.
— Obrigada.
— Se precisar...
Eu cerrei as pálpebras até quase fechar os olhos.
— Não preciso de nada — cortei com desprezo, com extrema frieza.
Os olhos de Raquel se abriram mais e ela perdeu toda a cor do seu rosto.
— Tudo bem — disse, e saiu.
Raquel fora minha amante por algum tempo, ela tentava a todo custo uma reaproximação. Mexer as chamas apagadas para reviver algo que eu não estava disposto a dar.
Virei meu corpo para a janela onde a lua brilhava solitária em um céu sem estrelas. Imagens, de Lorenzo mais novo indo comigo à praia, surgiram, juntamente com lágrimas em meus olhos.
Desde que assumira o casino não nos vimos mais, nem em seu casamento eu fora. Tudo para evitar meu pai e sua obstinação de me colocar a frente da família Bertizzollo.
Meu pai tinha uma grande lábia, se eu não tivesse cortado minhas visitas à família, logo ele me induziria a fazer sua vontade. Quem sofria era minha mãe de me ver tão afastado. Embora eu tenha me tornado a ovelha negra da família, sei que meu pai no fundo me admirava por isso. Ninguém ousava contestá-lo. Eu sacudi a cabeça com impaciência como se isso pudesse afastar meus demônios.