Capítulo VI
Eu sorri para ele, Lise tinha razão afinal, talvez ela pudesse ganhar dinheiro com esse negócio de prever o futuro das pessoas.
Aproximei meu rosto do seu, querendo beijar finalmente aquela boca espertinhas, mas de repente suas mãos não estavam mais em mim.
O encarei confusa enquanto ele se afastava indo embora como se nada tivesse acontecido. Ele simplesmente me deixou ali. Que merda tinha acabado de acontecer aqui?
Guilherme acabou de estragar minha dança com outro cara, acender todo meu corpo com seus toques e beijos para me deixar plantada no meio da pista de dança, com a maior cara de tacho da história.
A frustração se espalhou por meu corpo, mas foi rapidamente substituída por raiva assim que entendi tudo e me odiei por ter me deixado levar. Grande babaca!
Inferno, parte de mim continuou a negar a cena que tinha acabado de acontecer, eu não conseguia acreditar que ele tinha me deixado assim, toda entregue, um joguinho sujo e idiota que eu não estava nenhum pouco a fim de jogar.
Lise chegou me chamando, mas eu ainda estava olhando fixamente para o caminho que aquele tremendo imbecil tinha acabado de fazer. Como queria que olhares tivessem poderes, assim ele cairia estatelado no chão.
— Emma! — ela gritou puxando meu braço. Pisquei algumas vezes voltando finalmente para a terra. — Você está bem? — questionou preocupada enquanto me analisava.
— Estou ótima. — sei que não estava, mas iria ficar em dois minutos.
— Podemos ir embora se quiser? — ela ofereceu. Estava tentando ser legal comigo, eu sabia, mas não deixaria minha noite acabar assim. Não quando eu tinha decidido me divertir.
— Não mesmo. — falei já indo em direção ao bar, pronta para pedir qualquer coisa bem forte.
— Pensei que você não gostasse de beber. — seu comentário saiu mais como um lembrete do que um questionamento, mas eu podia sentir a preocupação na sua voz. — Você não vai resolver isso bebendo.
— Não, vamos resolver dançando. Vim aqui pra me divertir ou não? — murmurei batendo o copo já vazio e voltando para a pista.
Dançávamos enquanto eu sentia o álcool ingerido fazer efeito no meu corpo. Depois de tantos anos sem beber talvez não tivesse sido uma boa misturar vodka e tequila. Deixei ser levada pela vibe do lugar, das pessoas a nossa volta, do calor em meu corpo, música atrás de música acompanhei as batidas de olhos fechados, me sentindo levemente tonta pela bebida e rodopios, estava o que podíamos chamar de "alegrinha".
Fazia muito tempo desde o meu último porre e aquilo dizia que era hora de parar se não quisesse dar PT bem ali, por isso deixei que meu corpo se acabasse na pista de dança, me fazendo esquecer de qualquer outra coisa que não aquela sensação gostosa que eu tinha sentido tanta saudade.
Quando senti novamente mãos em meu quadril empurrei no mesmo momento, não queria nenhum homem novamente atrapalhando minha noite, seríamos apenas eu, Lise e a pista de dança até que nossos pés não aguentassem mais.
Mas as mãos seguraram as minhas com força, me girando no lugar e me fazendo encontrar os olhos azuis de Charles. Um sorriso brotou ao constatar quem era e bastou isso para que ele me puxasse para si.
— Posso dançar com você? — perguntou com a voz rouca em tom doce ao pé do ouvido.
— Claro que pode, mas cá entre nós acho que você ia preferir dançar com a Lise. — murmurei lembrando dos seus olhares assim que chegamos.
— Aquela Lise? — ele questionou me virando e deixando minhas costas coladas ao seu peito, enquanto seus braços fortes me rodeavam.
A cena que se desenrolava a minha frente era Lise aos beijos com um cara, que eu não fazia ideia quem era, nem de quando ele havia aparecido ali.
— Parece que só te sobrou eu. — brinquei com ele segurando suas mãos contra meu corpo.
— E eu adorei. — ele murmurou colocando o queixo no meu ombro me mantendo naquela posição.
Estávamos quase parados em comparação com as pessoas a nossa volta, só nos balançávamos embalados em nossa bolha.
— Não venha, eu vi o jeito que você olhou pra ela quando apresentei vocês. — lembrei o fato de mais cedo.
— E eu o jeito que ela olhou para o seu irmão. — ele rebateu me deixando surpresa.
Claro que ele ia notar, Charles era um dos poucos homens observadores que eu conhecia, não havia muita coisa que passasse aos seus olhos. O que me fez pensar que ele provavelmente viu a ceninha com Cris e esse era o motivo dele estar aqui e não lá em cima com suas amigas.
— Oh, você não devia dizer isso em voz alta, nem eu a confronto sobre isso.
— Seu irmão é um cego por não perceber, mas não quero falar sobre eles. — disse me dando um beijo bem a baixo da orelha. — Vamos dançar! — exclamou me virando para ele.
Eu sei o que vocês podem estar pensando, mas não. Charles e eu já tentamos há muito tempo atrás, mas percebemos que éramos melhores como amigos.
Seus um e oitenta e cinco de altura me deixavam quase baixinha de mais perto dele, mas eu já estava acostumada a me sentir assim já que era rodeada de homens altos.
Charles com seu cabelo e a pele bronzeada parecia passar horas e horas na praia, mas eu sabia que aquilo era algo quase natural dele, assim como a gentileza que parecia brotar dele em todos os momentos.
Minhas mãos estavam em seu pescoço e as suas se moviam por todo meu corpo enquanto sorriamos, a felicidade de relembrar velhos tempos e passar um momento de olhares compreensivos entre dois ótimos amigos de anos, era o que preenchia o momento.
Seu rosto desceu até o nível do meu e ele me olhou sério mordendo o lábio inferior, eu não me aguentei e gargalhei de sua tentativa de sedução falha.
Mas assim que seu rosto afundou em meu pescoço me beijando meu sorriso foi sumindo aos poucos. Os beijos que ele espalhou na base do meu pescoço me fizeram arfar, e de novo e de novo, ele estava subindo, até que chegou a minha orelha e mordeu o lóbulo antes mesmo que eu pudesse esperar por aquilo, me fazendo morder os lábios para prender qualquer coisa que pudesse escapar.
Céus, e lá estávamos nós de novo. Eu não estava protestando, nem iria, se tinha alguém em quem eu confiava para deixar levar era ele.
Suas mãos me puxaram mais para si, quando ele trilhou um caminho por minha mandíbula até meus lábios e plantou um beijo ali. Eu não me fiz de rogada, abri meus lábios dando passagem para sua língua e envolvendo seus lábios com os meus.
Sua língua encontrou a minha, e corri as mãos até seus cabelos aprofundando o beijo, senti sua mão apertar mais forte meu quadril me fazendo mais quente e necessitada de contato.
Deus, eu não fazia ideia de que estava tão faminta assim por esse tipo de atenção! Não sei se por conta do que Guilherme fez ou era apenas a abstinência que me deixou sedenta.
Sua mão direita subiu por minha coluna até meu pescoço, segurando minha nuca com força, nossas línguas fazendo uma dança bem conhecida, cheia de promessas para o que poderia vir depois, mas eu me vi obrigada a parar para respirar, segurei os dois lados de seu rosto e o empurrei de leve para trás.
Tomei uma lufada de ar e ele abriu um sorriso enorme em minha direção. Éramos um desastre! As respirações descompassadas, os lábios vermelhos e levemente inchados, sem falar na cara escrita: desejo!
— Eu tinha me esquecido de como você é uma devoradora de homens. — eu gargalhei de sua velha piada.
— E eu havia me esquecido desse seu ótimo humor. — murmurei enquanto tentava voltar ao meu estado normal.
— Por um minuto achei que iria elogiar meu beijo. — ele resmungou — Mas vindo de você já me contento com essa declaração como elogio.
O puxei para outro beijo, eu queria tanto isso que me surpreendia. Talvez já tivesse passado tempo de mais em minha caverna.
Ele aprofundou o beijo e quando minhas unhas arranharam de leve seu pescoço ele virou o rosto se afastando do beijo e sorrindo de lado.
— Nós devíamos sair daqui. Isso vai ficar bem inapropriado. — o ouvi sussurrar conta meu ouvido arrepiando minha pele.
— Eu tenho que ir embora com a Lise. — respondi já me afastando para procurá-la.
— Ela está no bar Emma. — ele falou localizando-a antes que eu o fizesse e me puxando para lá.
Foi só chegar perto para ver seu rosto vermelho e as bochechas molhadas. Ela estava chorando?
— Lise, você está bem? O que aconteceu?
— Estou ótima. — respondeu e seu tom de voz choroso só me comprovou que havia algo errado.
Lancei um olhar para Charles, e não precisei dizer nada, ele sumiu no mesmo segundo. Minha amiga com certeza não estava no seu normal, algo entre o beijo que ela dava há minutos atrás e sua carranca de agora, tinha acontecido.
— O que aconteceu? — perguntei assim que ele se afastou. Ela estava tão animada há minutos atrás, então algo tinha acontecido para ela estar aquele jeito.
— Eu estou bem, juro, só detesto quando me bate essa culpa na consciência por achar que pegar todos os caras é errado.
Isso acontecia com mais frequência do que ela gostaria, e quando acontecia Lise ficava realmente mal, se julgando uma qualquer e coisas piores. Isso era graças aos julgamentos que sua mãe tratou de enfiar no profundo de sua mente, nada como uma infância cheia de ideais distorcidos da igreja.
— Ora Lise não seja boba. Você é livre e pode fazer o que quiser com quem quiser, não fique se julgando! — falei sendo incisiva e pegando suas mãos. Se eu pudesse faria qualquer coisa pra ela entender que isso não a definia em nada. — Sabe que detesto isso que está fazendo com você mesma, não é? Às vezes eu desejo ser muito mais parecida com você, o ter toda essa sua autoconfiança. Você é sempre tão segura de si Lise, se arrisca, você é feliz minha amiga! Não deixe que um pouco de álcool e algumas ideias erradas estraguem sua noite te fazendo pensar besteiras.
— Você é uma vaca que eu adoro, sabia? — ela resmungou com os olhos vermelhos, que agora brilhavam e fungou de uma forma bem nojenta me fazendo rir.
— Você também é minha favorita! — afirmei agarrando seus corpo e tentando esmagar qualquer resquício de tristeza de seu olhar.
Quando me afastei encarei ela voltando a si aos poucos, essa era minha amiga, com os olhos castanhos enormes e lindos que pareciam hipnotizar todos a sua volta e a empolgação que parecia eletrificar qualquer lugar em que Elizabete colocasse os pés.
— E eu te amo minha vaquinha. — ela falou me abraçando.
— Eu também te amo sua grande vaca boba. Agora vamos pra casa. — passei meu braço esquerdo por sua cintura enquanto andamos para a porta de saída. — Essa noite já deu tudo o que tinha de dar.
— Eu estraguei sua noite não foi? — Lise perguntou fazendo um biquinho engraçado, provavelmente lembrando-se de momentos atrás quando eu estava aos beijos com Charles na pista de dança.
— Você nunca estraga nada, Charles e eu somos só amigos. — expliquei pra ela.
Afinal era a pura verdade, mesmo se saíssemos juntos daqui essa noite não seríamos mais que apenas bons amigos, já tínhamos passado por essa fase de confundir sentimentos com tesão aos dezesseis, não voltaríamos pra lá agora. Claro que isso não impedia que rolasse alguns amassos ocasionais.
— Hummm eu vi bem que amizade a de vocês, queria amigos assim. — ela gargalhou com insinuações cutucando minha cintura e me fazendo cócegas.
— Pois ele é todinho seu se quiser! — assim que terminei a frase encontramos Charles apareceu com meu irmão.
Charles tinha sido um amor indo buscar nossas coisas e avisar a Cris que queríamos ir embora, mas até aí não era nenhuma novidade, ele sempre era um fofo.
Antes que saíssemos minha curiosidade venceu meu orgulho, então me virei antes que cruzássemos as portas na esperança de ver, mesmo que por relance, Guilherme mais uma vez, mas não obtive sucesso.
Caminhamos em silêncio pela calçada até onde Cris tinha deixado o carro estacionado, Charles com seu braço em volta de meus ombros me perguntando como as coisas iam enquanto Lise era escoltada por meu irmão, com certeza ela estava aproveitando a atenção.
Pena que assim que nos deixasse em casa ele correria de volta para terminar o que quer que tenha começado com as meninas lá dentro.
Estava com os braços pendurados nos ombros de Charles me despedindo quando Cris passou com o braço agarrado a cintura da loira, na mesma hora Charles me deu um beijo, não um beijo qualquer, um daqueles de cinema com direito a deitar o corpo como uma dança e tudo, pegando-me de surpresa e me deixando sem ar como sempre.
Assim que ele se afastou fazendo seus lábios diminuírem a abordagem entendi o que ele tinha feito. Sem sombra de dúvida ele havia visto o que o amigo tinha feito na pista de dança e quis causar.
Charles deu uma piscadinha acompanhada do seu sorriso mais safado, confirmando minhas suspeitas, esse sacana era de longe o melhor amigo que uma mulher podia ter.
— Obrigada pela noite adorável. — disse me beijando no rosto por fim. — Lise está mesmo bem? — ele realmente tinha se importado com ela.
Aquilo quase me fez rugir de raiva por saber que nesse momento ela estava dentro do carro usando suas melhores estratégias para ter a atenção de Cris enquanto tinha um boy maravilindo que queria conhecê-la bem ali.
Um homem doce desses e eu não sabia como ainda estava solteiro, era quase uma blasfêmia as solteiras que estavam em busca de um homem lindo, safado, CEO, festeiro, com pegada, e ele que tinha tudo isso continuava ali.
Os cupidos do mundo com certeza não estavam fazendo o trabalho direito.
— Ela vai ficar, vou cuidar direitinho da minha amiga, pode ficar despreocupado e obrigada, você como sempre maravilhoso. — agradeci o puxando para apertá-lo mais um pouco, já ficando com saudades do abraço amigável e confortável.
— Oh Deus, um elogio! — comecei a gargalhar de seu teatro fingindo espanto, Charles me abraçou mais apertado. — Vou usar isso contra você até o dia de sua morte.
— Melhor se contentar porque vai ser o único que vai conseguir de mim. Boa noite seu convencido. — respondi já o empurrando para longe e entrando finalmente no carro.
Observei o homem se abaixando na janela do passageiro e jogando um beijo para Lise que antes encarava nossa cena com um sorriso divertido.
— Boa noite linda. — ele murmurou dando uma piscadela antes de sair.
Cris me deixou na casa de Lise já saindo as pressas como previ. Não queria nem pensar nas burradas dele agora, tudo o que eu precisava era me jogar na cama e dormir até não querer mais. Meus pés estavam me matando, meu estômago roncando... Mas assim que entramos na porta logo estancamos diante da bagunça.
Parecia que um furacão tinha passado pelo apartamento e agora o furacãozinho estava caído no sofá, dormindo de barriga para cima, enquanto papéis, flores e ração estavam espalhados por toda a sala. Marcas de pequenas patinhas marcavam tanto o chão quanto o sofá e quase morri ao ver um montante de cocô bem em cima do seu tapete. A cereja em cima do bolo.
— Eu vou limpar. — resmunguei já me sentindo o dobro de cansada.
— Deixa isso ai. — rosnou pegando o pequeno Tom adormecido no sofá e levando-o com ela para o quarto. — Vêm dormir logo Emma! — gritou enquanto eu ainda encarava a bagunça.
Aquilo ia dar trabalho amanhã. Lise com certeza já estava acostumada a esse tipo de coisa, ou Tom havia feito isso desde que ficou aqui, ou ela já tinha experiência com pestinhas.
Fosse o que fosse eu agradeci por não ter que limpar tudo agora e corri em direção ao quarto, joguei meu vestido no chão já caindo na cama, com uma Lise quase adormecida ao lado, assim como Tom em sua caminha ao pé da cama.