Capítulo 3 - Aquela garota
Heitor
Depois de muita insistência da Heloísa eu tinha aceitado acompanhá-la para passar o Réveillon em São Miguel do Gostoso e agora eu me questionava porque eu sempre acabava cedendo aos caprichos da minha irmã chata e impulsiva. Logo eu respondia a mim mesmo: Eu a amo, apesar de tudo.
— Você deveria tentar se divertir, Heitor! — Heloisa repete a mesma frase pela enésima vez só naquela noite — É sempre tão certinho.
— Sou um cara responsável, foi isso que você quis dizer, não? — sugeri de maneira irônica.
— Um chato! Foi isso que a Heloisa quis dizer — Bernardo diz, se intrometendo no assunto.
— Não lembro de ninguém aqui ter pedido a sua opinião, Bernardo — falei de maneira rude.
— Gente, vamos apenas aproveitar o réveillon? — Heloísa tenta mais uma vez — É possível ou não?
— A Heloísa tem razão — Catarina diz de maneira cordata — O que acham de descer e nos juntar ao restante dos hóspedes e assistir a queima de fogos?
Todos concordaram em seguir a sugestão de Catarina e pedimos a conta dos drinques que tomamos no bar do hotel e fomos nos reunir a maioria dos outros hóspedes, que estavam na área de festa próxima a piscina e onde estavam espalhadas várias mesas com buffet completo e atrativo, com muitas comidas tradicionais do Réveillon e também por comidas típicas da região Nordeste.
Enquanto experimentava algumas das iguarias, olhava em torno do ambiente, reconhecendo alguns rostos e torcendo para que Heloísa e Bernardo logo encontrassem companhias interessantes e esquecessem da Catarina e de mim. Logo que isso aconteça, eu pretendo voltar à minha suíte e dormir. Estava entediado, essa era a única palavra que poderia me definir naquele momento. Tenho certeza de que a minha namorada não se importaria de perder o restante da “festa”.
Catarina e eu namoramos há dois anos e pretendo pedi-la em casamento no dia do aniversário do meu avô Vicente que vai acontecer dentro de um mês e este será o meu presente para o patriarca da família Alves de Bragança, tendo em vista que o seu maior desejo no momento é que seus netos casem e tenham filhos, pois ele não vê a hora de ter crianças correndo pelos jardins da sua mansão.
Apesar dos planos de casamento para muito em breve, não posso dizer que amo a minha namorada, pois não acredito no amor nem acho que possa um dia me apaixonar. O único motivo pelo qual a escolhi para ser a minha esposa é pelo vínculo existente entre nossas famílias e o fato de conhecer Catarina há anos e termos bastante afinidade um com o outro.
Não vejo problema algum em termos uma relação tranquila, ou como Bernardo sempre faz questão de dizer, um namoro morno e sem graça. Mas a opinião do meu melhor amigo e maior mulherengo que eu conheço realmente não vem ao caso.
— O que acha de voltar para a nossa suíte? — perguntei discretamente a Catarina logo após a meia noite e depois que perdi Heloísa e Bernardo de vista.
— Vamos ficar só mais um pouco… — Catarina pediu em um estranho tom de voz.
Olhei atentamente para a minha namorada quando ela pegou mais uma taça de champanhe da bandeja do garçom que estava passando e tenho certeza que aquela deveria ser pelo menos a quarta vez em que eu a via fazer isso.
— Você não acha que já bebeu muito por uma noite? — perguntei sem disfarçar a reprovação em minha voz.
Catarina pareceu estar muito atenta a algo do outro lado da enorme piscina e nem mesmo se importou em prestar atenção ao que eu estava falando, o que me incomodou bastante.
— Catarina? — tentei.
— Sim? – apesar da resposta, eu realmente não tinha a sua atenção, e percebi em seu rosto uma expressão clara de desagrado.
Olhei mais uma vez na mesma direção em que Catarina tanto prestava atenção, mas não entendi realmente para o que ela estava vendo. Mas logo constatei que o Bernardo já estava aos beijos com uma garota qualquer, algo bastante comum para o meu amigo e que não deveria ser surpresa alguma para nenhum de nós.
— Qual o problema? — perguntei já irritado com a atitude estranha de Catarina.
— Não há problema algum — respondeu com aborrecimento também — Somos todos livres para fazer o que bem entender, não é mesmo?
Aquela pergunta me deixou espantado e parecia mais ser uma retórica, pois ela nem mesmo esperou que eu respondesse qualquer coisa e já estava virando a taça e tomando todo o conteúdo em um único e longo gole.
— O que está te incomodando? Não estou entendendo.
Catarina não me respondeu e de maneira bastante inapropriada e surpreendente, virou as costas e saiu caminhando entre as pessoas sem nem mesmo olhar para trás, me deixando sem entender nada do que tinha acabado de acontecer.
Decidi esperar algum tempo antes de voltar para a nossa suíte, local para onde eu acreditava que a Catarina estivesse, mas quando cheguei ao quarto não havia nenhum sinal de sua passagem pelos aposentos requintados do hotel de luxo no qual estávamos hospedados.
— Onde ela pode estar?
Agora eu estava verdadeiramente preocupado com a minha namorada, afinal, ela não estava em seu estado normal e isso aliado ao fato de estar sozinha por aí poderia ser muito perigoso.
Catarina é uma negra linda de cabelos lisos, cortados na altura do ombro e tem um corpo magro e delicado, com pernas longas extremamente elegantes e tudo isso forma um quadro bastante chamativo e que pode despertar a atenção de algum bastardo mal intencionado, o que é bastante preocupante.
Pensar nisso fez com que eu voltasse ao local onde estava acontecendo as comemoração e que estava ainda mais lotado agora que tinha começado a tocar um cantor de bastante sucesso. Ainda assim, andei por toda a área, atento a qualquer sinal da Catarina ou de quem quer que pudesse dar alguma informação sobre ela.
Por sorte eu encontrei a minha irmã, que como eu já imaginava, estava abraçada a um homem com quem parecia estar se divertindo muito e eu me senti bastante incomodado em interromper o seu momento.
— Não sei onde a Catarina está — falei logo de uma vez.
Heloísa ficou tão preocupada quanto eu e nós combinamos de seguir em direções diferentes e comunicar um ao outro em caso de encontrar a minha namorada.
Decidi procurar também na orla da praia e caminhei atento a todos que por ali estavam, até que uma garota solitária sentada à beira mar me chamou atenção, mesmo que eu tivesse certeza de que não se tratava da Catarina, algo me fez parar e ficar observando as suas ações.
A praia parecia estar se aproximando cada vez mais de onde a garota estava, pois a cada vez que iam e vinham as ondas, mais elas quebravam próximo a garota e ela não parecia se importar por estar se molhando cada vez mais. Cheguei a pensar que ela talvez tivesse adormecido, mas seus ombros pareciam tremer fortemente e entendi que na verdade ela estava chorando copiosamente.
Outro fato preocupante era que naquela parte da orla a praia estava quase deserta, com poucas pessoas caminhando em direção a parte mais movimentada e tudo indicava que iria ficar ainda mais vazia no decorrer do tempo. Mas a garota não deve estar se dando conta disso ou até mesmo desejar estar completamente sozinha para chorar o seu pranto aparentemente tão sofrido.
Por algum motivo, eu não consegui ir embora e fingir que não vi aquela cena nitidamente triste e até mesmo… deprimente de uma garota chorando sozinha em pleno Ano Novo, enquanto as ondas da praia a molhavam mais e mais.