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Capítulo I

Arrasto-me da cama ainda sem vontade de enfrentar outro dia, me troco rapidamente e saio ainda tomando um café. A cada dia que passava menos vontade eu tinha de trabalhar, de comer, até mesmo de levantar da cama. Tudo o que eu queria era acordar desse pesadelo que era não ter mais minha mãe por perto, o pesadelo que minha vida tinha se tornado desde o dia que me abri para um homem.

— Bom dia, flor do dia. — Brinco com Ane, que já estava me esperando na frente do Monty's.

— Bom dia, vadia. — Ela diz enquanto joga o resto do seu cigarro no chão e apaga com a ponta da sapatilha rosa.

— A noite foi boa? — pergunto olhando sua cara de ressaca e cansaço. — Isso ainda vai te matar. — Murmuro apontando para o cigarro agora amassado no chão, não que fizesse muita diferença repreendê-la quanto ao hábito de fumar, Ane dificilmente dava ouvidos a qualquer coisa, ela parecia estar em uma maratona para se afundar.

— Foi uma merda, chutei o cara de ontem depois que transamos no sofá. E pra sua informação ficar sem comer também vai te matar mocinha, mas que se dane, no fim todos nós vamos morrer mesmo. — Acenei concordando com a cabeça. Era a única certeza que tínhamos nessa vida, não importava o quão bom, mal, honesto ou um total babaca você fosse, a morte viria. — Amiga desculpa, eu sou uma estúpida. — Ela correu com as palavras quando notou meu olhar cabisbaixo.

Ane não tinha muito papas na língua, falava o que vinha a cabeça, sem filtro, mas era sensível as pessoas a sua volta e quando notou que tinha me feito lembrar da minha mãe se arrependeu. Minha mãe tinha partido há seis meses depois de sofrer lutando contra um câncer de mama, agora era apenas eu.

— Você está certa, todos morrem e sim você é uma estúpida, mas uma das poucas que me aturam.

— Infelizmente, não consigo evitar. — Ela respondeu mais aliviada voltando a sorrir.

Nós não éramos melhores amigas que se abraçam e beijam, trocam confidencias, apenas falávamos do nosso dia a dia, ela escondia tantos segredos quanto eu, mas no meio da nossa bagunça cuidávamos uma da outra, mesmo que de uma maneira estranha e fria.

Eu já havia desistido de entender como Maryane veio parar aqui, na verdade não sabia nem ao menos de onde ela tinha vindo. Mas ela era assim, com seus olhos verdes expressivos e seus cabelos loiros chamativos, fugia de todos que tentavam procurar saber algo de seu passado.

E mesmo sabendo que seu porte não combinava com essa cidadezinha no meio do nada, eu nunca a pressionei para falar de sua vida, tinha meus próprios demônios para esconder.

— Que tal as mocinhas entrarem para trabalhar? Ou vão querer que eu desconte do salário?

Nós duas nos encaramos com verdadeira repulsa, trabalhar para pagar as contas às vezes significa trabalhar para esse tipo de merda como Monty, dono da lanchonete, infelizmente esse buraco era um dos únicos que pagavam um salário decente naquela cidade.

Os clientes que passavam por aqui, tirando os bêbados de plantão claro, sempre voltavam graças a Ane, Nana e a mim, que preparávamos uma comida maravilhosa.

Nossa rotina era limpar primeiro, cozinhar enquanto servíamos as mesas e limpar tudo antes de sair. Se tivéssemos sorte estaria tão lotado de clientes viajando pela estrada que os bêbados procurariam o bar do outro lado da rua.

— Por que a Nana ainda não chegou? — já passava dá uma da tarde, ela sempre chegava por volta das onze, às vezes atrasava, mas nunca o fez tanto assim.

Nana era nosso anjo da guarda. A senhorinha que esteve ao meu lado enquanto enfrentamos a doença da minha mãe, quando comecei a trabalhar aqui, depois que minha mãe morreu e nos protegia todos os dias quando homens nojentos tentavam algo a força com nós duas.

— Vou ligar para ela. — Ane disse já sacando o celular do bolso, mas antes mesmo que desbloqueasse o celular Monty entrou na cozinha nos assustando.

— A Nana queridinha de vocês não vem hoje, disse que está doente, parece que está gripada. Deus sabe que aquela velha já poderia ter partido dessa. — O nojento terminou a frase falando mais para si mesmo do que com uma de nós. — E guarde a porra desse celular, você não é paga pra isso. — Ele cuspiu as palavras antes de sair.

Ele era um escroto! Deus sabe que se eu não precisasse desse emprego eu já teria quebrado a cara desse infeliz, o que não nos impedia de xingá-lo vez ou outra.

— Você sabe de alguma coisa? Quando ela saiu daqui ontem estava bem.

— Vamos ficar de olho e cuidando uma da outra, quando sairmos daqui passamos na casa dela para checar. — Digo tentando parecer forte diante de Ane.

A verdade é que eu nunca tinha estado aqui sem Nana, Monty era um dos homens que tentavam a todo custo encostar as mãos sujas em uma de nós e desde que eu entrei aqui não houve um dia que Nana não nos fizesse companhia.

Aquele desgraçado não merecia nem ser comparado a um ser humano, ele e toda sua trupe poderiam ser qualquer coisa, menos pessoas de caráter e isso me deixava aterrorizada, pois não tinha muito que eles não fossem capazes de fazer para conseguir o que quisessem, temia que ele tivesse sido capaz de fazer algo com Nana.

Mas graças a qualquer força do universo nossa tarde passou tão agitada que mal o vimos e foi mais rápida do que pensei. O problema era que durante a noite o fluxo era maior, principalmente de bêbados, então tínhamos que redobrar a atenção uma à outra. Mais um pouco e estaríamos fora daqui.

O bar estava lotado como sempre e Monty não parava de nos rondar, parecia até que não tinha nada de ilegal para fazer fora dali, pois passou o maldito dia inteiro nos observando de perto.

Minha desconfiança estava grande, ele não prestava e meu medo era que ele atacasse Ane, por isso mesmo dentro da cozinha eu tentava manter um olho no salão sempre vendo onde ela estava.

Tinha acabado de entregar um pedido a ela quando a porta atrás de mim se abriu me fazendo pular e me virar, a porta dos fundos dava direto para a rua, um beco na verdade que tinha entre o bar e a casa do infeliz.

— O que quer aqui? — questionei tentando não parecer assustada e manter a pose irritadiça, mesmo que meu corpo todo tremesse.

— Eu sou o dono disso aqui, posso ir onde quiser sem ter que te dar explicações. — o homem magricelo falou, ele cheirava a cigarro barato e álcool, mesmo quando não bebia, o fedor não saía de seu corpo.

Me virei andando pelo balcão, fingindo voltar a trabalhar, mas na verdade estava buscando a faca que uso para cortar carne. Monty passou por de trás de mim, me causando um calafrio e alcançou a janela por onde passava os pedidos, quando a madeira bateu uma contra a outra meu corpo pulou saltando, eu não esperei ouvir o trinco se fechar, corri para a porta dos fundos, mas meus cabelos foram puxados, com tanta força que lágrimas encheram meus olhos.

Com a faca na mão eu girei meu corpo, focando em enfiar o aço em qualquer parte do seu corpo e fugir dali. Mas Monty foi mais rápido e segurou meu pulso gargalhando de mim.

— Você é corajosa vadia, mas não tanto quanto eu.

Empurrei meu corpo contra o seu, usando meu peso para desequilibrá-lo e fazê-lo bater contra o fogão, lágrimas escorriam em meu rosto quando ele puxou minha blusa, rasgando o tecido e me acertou com um tapa, mas consegui me desvencilhar jogando seu corpo para trás e fazendo ele acertar uma panela quente, derrubando todo o molho no chão. Eu corri abrindo a porta, mas as mãos asquerosas me seguraram e ele me jogou no chão.

Minhas costas bateram no piso frio com tanta força que o ar escapou dos meus pulmões. Senti o corpo dele sobre o meu e abri meus olhos a tempo de ver o punho fechado acertando meu rosto com força.

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