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Capítulo III

Tudo o que eu conseguia pensar era em estancar o sangramento antes que ele perdesse muito sangue, em como diabos podia limpar a ferida, ou como os panos sujos que estava usando para fazer uma bandagem improvisada podiam lhe dar uma infecção e na rapidez e precisão que precisaria fazer uma sutura.

Por incrível que pareça o ataque de Monty na cozinha, os seus homens atrás da gente e os tiros, tinham ficado em segundo plano quando Ane nos fez notar que ele havia sido baleado. Por sorte a bala tinha passado direto pela lateral direita do abdômen, tinha sido tão perto de atingir órgãos importantes, mas o desgraçado teve sorte. Mesmo assim só de vê-lo daquela maneira me deixou em estado de alerta, o instinto de salvar uma vida correndo por minhas veias.

— Vamos logo. — O homem que parecia não se afetar com meu contato falou. — Precisamos ir antes que eles mandem reforços.

Eu me afastei dele pronta para dar a volta nos corpos no chão e correr para me esconder com Ane em casa até que tudo isso fosse algo do passado.

Mas só consegui dar dois passos para trás, sendo capturada pelos olhos verdes antes que Monty saísse da lanchonete cambaleando e gritando.

— Você vai me pagar sua vadia, você vai me pagar pelo prejuízo que o merdinha do seu homem me deu!

De repente um tiro acertou o letreiro da lanchonete, o fazendo se abaixar no chão e entra de quatro no bar. Assustada com o disparo permaneci estancada no lugar, mas o maluco baleado riu me fazendo perceber que ele tinha feito o disparo, e ainda não se importava por estar com um buraco só ria descaradamente.

Não vou negar que fiquei feliz ao ver a cara do Monty toda quebrada e o seu bar também, mas agora eu estava sem emprego e sendo caçada por seus homens.

— Vamos com ele amiga, só por uns dias. — Ane falou, eu respirei fundo e a olhei pronta para negar seu pedido. Só podia ter perdido o juízo, que já não era perfeito, para falar algo do tipo.

— Não Ane, nem conhecemos essas pessoas... — comecei minha negação, mas antes que eu conseguisse continuar Monty surgiu novamente, só que dessa vez armado.

— Para o carro agora! — o bruto ordenou já me puxando pelo braço e correndo para o seu SUV preto.

Ele me jogou no banco de trás do carro, entrando logo em seguida. De forma esquisita a garota que estava com eles, Mag, o encarou antes de sentar ao seu lado. O motorista só esperou que Ane sentasse a bunda no banco ao seu lado antes de arrancar com o carro de lá.

Minha mãe se reviraria no túmulo se visse as burrices que estava cometendo, uma atrás da outra. Entrando no carro de estranhos, trabalhando naquela espelunca, me metendo em tiroteios, era uma enxurrada de más escolhas.

Mas o homem ao meu lado gemeu de dor quando o motorista fez uma curva brusca, me ajudando a tirar aqueles pensamentos da cabeça.

— Você precisa ir para um hospital. — Eu disse me aproximando dele para me certificar que os panos ainda estavam sobre o local.

— Sem hospitais. — Ele murmurou ofegando com a dor. Seu sangue estava esfriando e agora ele começaria a sentir realmente o que a bala causara, me surpreendia que ele não tivesse apagado ainda. — O que o doutor falou? — ele questionou me deixando confusa.

— Ele não está na cidade, mas vai fazer o possível para chegar o mais rápido que puder. — Seu motorista respondeu e o homem bufou de raiva.

— Você precisa de soro, de remédios para infecção, morfina pra ajudar com a dor. — Eu tagarelei como forma de convencê-lo a ir para o hospital mais próximo. — Isso sem falar nos pontos.

— Você pode fazer? — ele perguntou lançando os olhos inquisidores em minha direção. — Jack consegue tudo isso, você me garante que consegue fazer o que é preciso?

Eu tremi diante do seu olhar, a intensidade com que ele perguntava me assustou, senti como se sua vida dependesse de mim, mesmo que não fosse o caso.

Mas antes que pudesse racionar estava afirmando com a cabeça, aceitando o seu pedido, como se meu corpo fosse impelido a concordar com ele sem discutir.

O homem ao meu lado estendeu o braço sobre o encosto do banco sentindo certa dificuldade em se esticar, mas me dando mais espaço para continuar pressionando a ferida. Então como se confiasse em minhas palavras ele apoiou a cabeça no banco e fechou os olhos.

— Você não pode...

— Shiii. — Ele sussurrou com a voz de repente muito pesada. — Não é a primeira vez que passo por isso, vai ficar tudo bem. — Com isso ele entrou em um sono que durou toda a viagem.

Meus olhos pesavam enquanto eu escutava a ladainha de Magie e Ane que não paravam de falar, como se tudo isso que tivesse acontecido fosse um dia comum pra elas. Me perguntava o que ele quis dizer com: não é a primeira vez que passo por isso? Ele já tinha sido baleado outra vez?

— Meu nome é Magie, e o de vocês? — perguntou a menina animada. Como se aquilo fosse uma grande aventura.

— Eu sou Ane e ela é Gabriela. — respondeu quando percebeu que não estava a fim de papo.

Pareciam tão animadas quanto crianças em uma viajem de escola, conversando com Ane virada no banco, olhando para o banco de trás. Não sei como elas podiam estar relaxadas desse jeito depois de tudo o que houve hoje.

Eu estava uma pilha, meus músculos estavam duros de tanta tensão, meu abdômen e rosto estavam doloridos pelos golpes de Monty, e minha cabeça começava a martelar com força, sem falar das emoções que pareciam prestes a desabar bem em cima de mim, fazendo com que toda a merda dos meus pânicos voltasse com força.

— Esse é meu irmão Oliver e esse ai no volante é o Jackson, nosso amigo, mas todo mundo o chama de Jack.

Ane e Magie não paravam de falar e eu de pensar, tentando me manter focada em qualquer coisa que não me deixassem cair no sono. Tentei ficar concentrada na respiração ritmada de Oliver ao meu lado, por vezes foquei em seu rosto que parecia preocupado apesar de estar dormindo.

Ele tinha um emaranhado de tatuagens subindo pelo pescoço, um olho dentro de uma ampulheta, uma mulher com uma áurea de santa, todas coloridas assim como as da mão que sumiam no paletó, na mão esquerda estava tinha um coração enorme escrito mãe, enquanto na mão direita havia uma granada, escrito pai. Me peguei pensando o porque daquelas tatuagens.

Não sei ao certo quando deixei que minha cabeça se recostasse em seu braço e peguei no sono, só acordei sendo sacudida por mãos grandes. Abri meus olhos me assustando com o balanço e dei de cara com aqueles olhos verdes a centímetros de distância dos meus, ergui a minha cabeça com rapidez pelo susto fazendo com que minha testa acertasse seu queixo em cheio.

— Merda! — Ele rosnou se afastando já com a mão sobre a boca.

Acho que tinha acabado de quebrar seus dentes, porque definitivamente os ouvi baterem um no outro com muita força.

— Droga, desculpa. Te machuquei? — perguntei enquanto saía do carro.

Tentei chegar perto para ver a boca que ele escondia com as mãos, mas sem sucesso ele apenas se afastou com brusquidão.

— Não. — Foi tudo o que o ouvi murmurar enquanto subia com dificuldade os degraus em direção à porta de uma mansão, só então percebi que estávamos estacionados na frente da entrada de um casarão.

Eu o segui subindo os degraus para dentro da casa que era realmente enorme. Um hall de entrada com uma pequena mesinha e um vaso era o que se via após a porta de entrada, depois de descer um pequeno degrau o espaço se abria, dando lugar a uma escadaria enorme do lado esquerdo e um piano de cauda do lado direito, bem de frente a uma parede de vidro.

Ele continuou seguindo pelo corredor que tinha depois do piano sem nem parar para ver se eu o acompanhava. Mas me concentrei em segui-lo ao ver sua mão apoiando o lugar onde tinha sido baleado.

Do lado esquerdo do corredor havia várias portas, aparentemente fechadas e ele continuou em frente até estarmos na cozinha, o lugar quase parecia não ter fim.

Ane estava sentada na bancada com Magie.

— O que aconteceu? — questionou correndo em direção ao irmão.

— Nada. — Ele resmungou novamente já abrindo a geladeira. Não duvidava que aquele fosse seu humor habitual, mas com certeza estava mais ácido pelo que tinha acontecido.

— Como nada? Sua boca está sangrando.

— Você está sangrando? — eu que até então estava parada na soleira da porta o perguntei assustada. — Você disse que eu não tinha machucado.

— Eu estou com um buraco sangrando constantemente, te garanto que uma cabeçada no queixo não é nada. — Soltou sendo conciso com as palavras e pegando um punhado de gelo. — Você quer comer algo ou podemos ir logo com isso?

Eu neguei a oferta, se é que foi uma, mas qualquer tempo perdido era crucial.

— Vamos logo. Conseguiu tudo?

Ele me levou até um quarto no mesmo andar onde uma senhora simpática ajudava a organizar tudo o que eu tinha pedido.

Oliver se sentou na cama já começando a se livrar da camisa com certa dificuldade. Assim que ele estava livre e deitado eu me aproximei já com o soro e os remédios em mãos, pronto para aplicar.

— Você já pode me dar a morfina, por Deus essa merda está ardendo como o inferno!

Com cuidado eu peguei seu braço tateando em busca da veia, ele fechou os olhos fugindo do que eu faria a seguir.

— Não me diga que você tem medo de agulhas? — perguntei achando graça.

— Não, estou tentando apenas me acomodar para absorver o momento que a droga começar a fazer efeito. — Ele respondeu tentando ser sério e me espantando, mas logo em seguida sorriu abrindo apenas um olho para ver minha reação.

— Muito engraçado. — Murmurei quando vi sua risada ficar mais forte diante da minha expressão.

— Só estou cansado. Já passa das duas da manhã, meu corpo está reclamando pela falta de comida, então não vejo a hora de dormir profundamente.

Observei seu corpo relaxar sobre minha mão quando abri a passagem liberando o remédio em seu sistema.

Me movi na cama procurando a melhor posição para começar a dar os pontos e respirei fundo quando me aproximei de sua pele agora devidamente limpa.

— Tudo bem aí? — ele perguntou enquanto eu pedia aos céus para manter minhas mãos firmes.

Acenei concordando em resposta e comecei a dar os pontos, puxando a pele a atravessando com a agulha curvada para então uni-la ao outro lado.

Oliver não reclamou em nenhum momento e por um segundo achei até que ele estivesse dormindo, mas quando ergui meu olhar para ele o peguei encarando o trabalho que eu fazia.

Não precisei de muitos pontos, depois de remendado de um lado ele se virou me dando acesso ao outro, a todo momento sem dizer nenhum piu, imaginei se fosse já o efeito da morfina ou só porque ele era durão.

— Prontinho. — Murmurei enquanto encarava os pontos perfeitamente alinhados sobre sua pele tatuada.

Limpei devidamente e protegi o lugar antes de me levantar. O homem me acompanhou se sentando rapidamente deixando-me assustada enquanto tentava a todo custo ver o que seria sua nova cicatriz.

— Comparada ao Doutor suas mãos são leves como uma pluma. — Ouvi sua voz e vi o exato momento que ele perdia o equilíbrio após levantar da cama.

— Cuidado aí. — Corri dando apoio ao seu corpo. — Onde pensa que vai?

— Comer alguma coisa e ir para minha cama. — respondeu como se fosse óbvio.

— Ok, você vai ficar deitadinho aqui e vou ver o que tem na cozinha pra você comer, enquanto isso respire e curta a morfina um pouquinho mais.

A contragosto, mas não tendo condições de discutir ele deixou ser amparado de volta para a cama. Quando tive a certeza de que ele estava confortável eu saí atrás de alguém que pudesse me ajudar.

Encontrei Magie e Ane ainda na cozinha, comendo enquanto gargalhavam de alguma coisa. Como tinham pique pra isso depois de tudo o que aconteceu hoje eu não sei.

A mesma senhora simpática que vi mais cedo correu até mim, tentando me fazer comer alguma coisa, mas minha preocupação com o que aquele maluco poderia fazer sozinho falava mais alto.

Deixe que ela preparasse um prato com um caldo rápido, era leve, mas aquilo afastaria a fome.

— Você também tem que comer mocinha. — Ignorei seu aviso com um aceno de mão, já me afastando atrás do meu paciente. Eu realmente não estava com fome.

Me aproximei do quarto e observei Oliver e o motorista conversarem em voz baixa não queria atrapalhar seja lá o que estivessem conversando então me mantive parada na soleira da porta esperando.

— Pode entrar agora. — Jackson falou em minha direção alguns minutos depois, quando saiu do quarto.

— Vai me deixar morrer de fome? — Oliver resmungou se mexendo na cama. — Inferno! — gemeu quando o incomodo aumentou.

— O que diabos está tentando fazer? — rosnei indo pra cima dele. — Quer abrir todos os pontos?

— Você espera que eu durma desse jeito?

— Você dormiu no carro, sentado e com dor, imagino que na cama não seja problema. — Rebati. — Não se atreva a descer esse tronco!

Oliver bufou em resposta e me sentindo mal por seu estado fui ajudá-lo a conseguir uma posição melhor. Apoiei seu tronco com meu corpo e trouxe outro travesseiro para apoiá-lo melhor.

Por um momento minhas mãos foram firmes contra sua pele e quando finalmente liberei seu corpo deixei que elas passeassem carinhosamente por suas costas. Senti seus músculos se endurecerem embaixo do meu toque, ergui meu olhar para ele e foi meu maior erro, pois seus olhos estavam cravados em mim.

Encarei seus olhos naquele tom de verde que eu nunca tinha visto antes e suspirei ao me sentir tão hipnotizada por ele. Era como se uma força magnética me mantivesse presa ao seu olhar. Um vinco se formou em sua testa e meus olhos desviaram para o local, como se suas expressões fossem a coisa mais interessante do mundo.

— Aqui está! — a senhora rechonchuda entrou abrindo a porta com o pé enquanto carregava uma bandagem. Não tive certeza se ela viu algo antes, mas sua entrada me mandou rapidamente para longe dele. O que eu estava pensando? — Vocês dois precisam comer.

— Você não faz ideia do quanto Jenna. — Ouvi Oliver murmurar e um arrepio me subiu a coluna com suas palavras, quase como se suas palavras tivessem outro sentido.

— Ei mocinha, deixe isso aí. — Ela disse vindo para perto da mesa onde eu fingia arrumar o que tinha usado. — Coma e vá descansar, está com uma cara tão tensa. — Eu quis rir daquilo, porque era exatamente como me sentia, mas por razões que ela desconhecia.

Relutante larguei as coisas do mesmo jeito que estavam e me sentei pegando um prato com o mesmo caldo que ela havia preparado para Oliver. Me sentei na cadeira ao lado de sua cama e comecei a comer calada.

Nos escaramos pelo canto de olho algumas vezes e eu já estava querendo sair dali. Sentia ele observar tudo o que eu fazia e aquilo me incomodava de mais, como se não soubesse o que deveria fazer ou falar, era irritante.

— Quando acabar aí Jenna vai mostrar seu quarto. — foi tudo o que ele disse quando terminou de comer.

— Você não quer que eu fique...

— Que você fique aqui? Não, já sou bem grandinho e posso me virar qualquer coisa.

Queria retrucar e dizer como não era bom que ele ficasse sozinho, mas me contentei em respirar fundo e ignorá-lo.

Como ele falou depois que terminei de comer conferi novamente seus remédios e sua postura antes que Jenna aparecesse para me mostrar o quarto. Ela também me deu roupas para dormir e me desejou uma ótima noite.

Já passava das quatro da manhã, e eu dei graças a Deus por poder tomar um banho e colocar a cabeça em um travesseiro em “segurança”.

Deveria ter me preocupado antes com o tipo de pessoas que eles podiam ser, com certeza minha mãe me mataria, eu me mataria, se me visse fazendo isso. Dormir na casa de estranhos?

A única certeza que eu tinha era que eles me ajudaram quando precisei, me livraram de uma coisa horrível e depois mataram pessoas para que eu e Ane não morrêssemos. Eu era grata por isso, então me apeguei aquele sentimento enquanto deixava o cansaço levar a melhor sobre minhas preocupações.

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