Busca
As ruas estão sombrias e desertas nesta madrugada chuvosa, porém, um homem com uma longa capa de capuz, andava pelas ruas, parecendo procurar alguma coisa ou alguém. Não se importa com o frio ou com a chuva fina que cai, mas percorre ruelas e becos, olhando atrás de lixeiras e carros.
Depois de andar um bom tempo, ouve o chiado de um gato, que sai correndo de um beco e corre para lá. Entra no beco e com seus olhos vermelhos, esquadrinha todo o lugar e finalmente encontra o que procura, fareja o seu cheiro e se espanta, mas não desiste de cumprir seu propósito.
Com um pulo, agarra a gola do casaco precário da criatura, que rosna para ele, mas ele não liga.
– Fique quieto, coisa imunda, me fez largar meu conforto para vir atrás de você, estrume de ômega.
Arrastou o corpo pelo chão, até saírem do beco, onde colocou a coisa de pé. Pela aparência, só se entendia que era uma pessoa. Corpo muito magro e desnutrido, cabelos muito curtos e arrepiados, tênis roto nos pés, assim como a roupa que usava.
— Me acompanhe, coisa fedida e não faça eu ter que te caçar de novo.
O homem saiu andando rápido, quase correndo, o que não era o caso da coisa, que precisava correr para não perdê-lo de vista. Chegaram em uma moto estacionada debaixo de uma marquise, ele subiu e esperou que o outro subisse atrás dele, de forma desajeitada e saiu disparado pelas ruas molhadas.
Percorreu uma grande distância, adentrou a reserva que cercava a cidade e chegou em uma vila, com casas modestas, mas firmes e bonitas, seguiu até uma construção quadrada que fazia as vezes de delegacia. A porta se abriu e uma mulher raivosa saiu do lugar.
— O senhor encontrou aquele coisa ruim, Alfa!
Puxou a pessoa de sobre a moto, fazendo que caisse no chão e quando a mulher olhou para a criatura, falou:
— Mas, esse não é ele, Alfa. Ele está com as mesmas roupas rotas e sujas, mas não é ele.— Falou alto, a mulher.
— Ora bostas, só me faltava essa. Levanta daí, estrume, vamos entrar e você vai contar direitinho onde está o dono das roupas. — O homem grosso, esperou que o outro levantasse e o empurrou para dentro.
Ao entrarem, o guarda que ficava ali de plantão, saía do banheiro e logo fez uma careta e abanou o nariz.
— Mas que fedor da moléstia é esse? — Perguntou o guarda.
— Verdade, acho que não dá para interrogá-lo sem que tome um banho. — Falou o Alfa.
— O banheiro é aqui, coisa fedida, pode usar, mas não contamine tudo, vou ver uma roupa que lhe caiba. — Falou o guarda.
O alfa empurrou a pessoa para o banheiro e fechou a porta, querendo se livrar da fedentina.
Dentro do banheiro, a pessoa olhou tudo em volta e realmente um banho seria bom, mas preferia fugir. Havia uma pequena janela, bem próxima ao teto, uma única aba, que abria ao ser empurrada para frente e o espaço era bem estreito, mas achou que lhe cabia.
Subiu no vaso sanitário, pulou e segurou na borda estreita, impulsionou o corpo e se jogou para fora. Caiu sobre arbustos, mas levantou rápido e correu o mais que pode, ouviu barulho de água e correu em direção ao barulho. De uma coisa sabia, que a melhor maneira de disfarçar o cheiro, era dentro d'água.
Encontrou um rio e entrou, nadando por um tempo na água gelada, subindo a correnteza, pois o óbvio era descer e não lhes daria o mais fácil. Chegou na beirada oposta a que entrara e tirou a roupa, deixando que seguisse com a correnteza e saiu, deu alguns passos e se transformou em um lobo, grande e negro. Um Alfa.
No posto da guarda, o Alfa estranhou não ouvir som de água no banheiro e bateu na porta, não obtendo resposta. O guarda chegou com algumas peças de roupa e parou olhando para o Alfa extremamente aborrecido, que com um chute colocou a porta abaixo, só para ver o banheiro vazio.
— Como aquela coisa conseguiu passar por ali, acaso se transformou em lagartixa? — Perguntou, irônico, o guarda.
— Não será difícil de encontrar, não tomou banho, aquele fedor é inconfundível. — Disse o Alfa.
— Mas e o traste do meu filho, Alfa? — Perguntou a mulher que ainda estava por ali, só a observar.
— Só quando encontrarmos o fujão, teremos uma pista. Agora dá licença.
Saiu e se transformou em um lobo branco enorme, com olhos vermelhos e se direcionou para a floresta atrás do prédio, onde ficava o banheiro, pegou o rastro, uivou e saiu correndo muito rápido. O uivo alertou os outros lobos sobre um intruso e todos que patrulhavam a floresta, estavam de sobreaviso.
O Alfa chegou ao rio e já haviam outros lobos do outro lado do rio. Um deles mostrou as roupas que encontrou mais abaixo, arrastado pela correnteza e preso em um galho na margem. O Alfa sentiu o cheiro que ainda impregnava a roupa e reconheceu como sendo do fugitivo.
Deu ordem aos seus guardas, usando a ligação mental dos lobos e ordenou que todos procurassem, a pessoa ou lobo não devia estar longe. Todos obedeceram e se espalharam, encontraram um rastro que saia do rio, mas o cheiro era diferente, poderia ser qualquer animal.
O Alfa atravessou o rio e seguiu pela outra margem, subindo, olhou as pegadas humanas e depois de lobo e não eram pequenas. Não podia ser da coisa pequena, mas achou melhor investigar, pois poderia ser um invasor. Ergueu a cabeça, inspirando profundamente e percebeu aquele toque que o deixara intrigado no beco.
Seguiu.
A chuva começou a engrossar e apagar o rastro, tanto das pegadas, quanto do cheiro, mas o Alfa não desistiu e conhecendo bem seu território, sabia onde os poucos rastros estavam indo. Avisou seus lobos e pediu que não se aproximassem muito, queria resolver aquele assunto sozinho.
Chegou ao aglomerado de rochas, com a abertura de uma fenda que era a entrada de uma caverna. Passou pela fenda e entrou, ali dentro o cheiro era mais forte e logo avistou na escuridão, olhos vermelhos e brilhantes que o encaravam.
Rosnou para o lobo, cujo aroma cheirava a medo. Mas não era medo de terror, era medo de apreensão. O lobo rosnou de volta, um rosnado forte, com uma dominância que equivalia a do Alfa. Então o Alfa pulou sobre o lobo, que no susto, não conseguiu se defender e foi mordido entre o pescoço e o ombro.
O uivo foi mais de desespero por ter sido marcado, do que pela dor. Não havia coisa pior para um lobo Alfa, do que ser mordido por outro Alfa. Quando o Alfa o soltou, ele abaixou a cabeça em sinal de rendição. Só então, o Alfa adentrou mais a caverna e acendeu uma lamparina a querosene, que sempre ficava ali.