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Sob a máscara da noite

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Déesse
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Resumo

Anibal é um assassino profissional, habituado a realizar missões sem emoção. Depois de vários assassinatos, é-lhe dada uma nova missão: matar uma mulher que não conhece. Mas quando está prestes a realizar o ato, algo muda. De repente, o charme da mulher impressiona-o e o seu comportamento perturba-o. Em vez de a matar, Anibal deixa-se levar por uma curiosidade crescente sobre ela. Ao longo dos seus encontros com a mulher, descobre que ela não é o que ele pensava e que esconde aspectos surpreendentes da sua personalidade. Anibal, embora ainda ligado ao seu passado de assassino, vê-se cada vez mais cativado pelo seu alvo, o que o leva a questionar os seus actos e a sua vida. A história acompanha a sua evolução, entre as tentações da sua antiga vida e as suas dúvidas crescentes. Cada encontro com a mulher dá-lhe uma melhor compreensão das suas próprias emoções e desejos, levando-o a perspetivar um futuro muito diferente daquele que sempre conheceu. Tudo num ambiente calmo e introspetivo, longe da violência.

romanceamorRomance doce / Amor fofo Amor trágico / Romance angustiante

Capítulo 1: A sombra da missão

Annibal

Eu estava na sombra, à beira do beco, com os olhos fixos no edifício em frente. A noite estava quase assustadoramente calma, e eu estava a apreciar o silêncio. Era a calma que precedia a ação, o momento em que cada pormenor se tornava crucial. Eu conhecia bem esta posição: imóvel, perfeitamente escondido, pronto a atuar ao menor alerta. Cada missão tinha-se tornado uma rotina bem oleada, uma dança silenciosa entre mim e o meu alvo. Esta noite, era mais uma tarefa a acrescentar à minha lista de alvos.

A missão era clara: um novo alvo, outra vida para apagar. Ela era apenas um nome num ficheiro, uma sombra a ser eliminada. Nada pessoal, nada a ver comigo. Era apenas mais uma transação para a organização que me pagava para fazer este trabalho. Sem espaço para sentimentos, sem espaço para humanidade. Era uma regra que tinha imposto a mim próprio desde o início: ser um fantasma, sem passado nem futuro, apenas com um trabalho a fazer.

Olhei para a janela do apartamento com as luzes apagadas. De acordo com as informações de que dispunha, a mulher vivia sozinha. Os seus hábitos eram simples: saía cedo para trabalhar e voltava tarde, sem exceção. Uma vida normal, sem mistérios nem segredos. Eu sabia que ela não tinha armários cheios de cadáveres, nem dramas escondidos. Era um alvo fácil, uma rotina que enriqueceria a minha missão. Nada de excecional.

Olhei rapidamente para o meu relógio: 23h30. É isso mesmo. Dentro de alguns minutos, ela estaria em casa, como todas as noites. Não há nada a temer, nada a planear. O meu plano já estava claro na minha cabeça: entrar discretamente no apartamento, fazer o que tinha a fazer e sair sem deixar rasto. O trabalho de um profissional.

Quando estava prestes a avançar, de repente, congelei. Ouvi um som fraco, quase impercetível, ao longe. Um passo no pavimento. Aperto os olhos, tentando identificar a origem do ruído. Um transeunte, sem dúvida. Continuei a vigiar a entrada, mas desta vez senti uma ligeira tensão dentro de mim. Como se algo inesperado fosse perturbar a fluidez da missão.

Coloco o meu ouvido no chão. Um ruído, desta vez mais próximo. Mas não desviei o olhar do edifício. A adrenalina estava a subir ligeiramente, mas forcei-me a manter a concentração. A localização de alvos era parte integrante do meu trabalho, e eu sabia que tudo podia acontecer naquele preciso momento. Concentrei-me na figura que se aproximava. Era uma mulher. Não era o meu alvo, obviamente. Mas algo no seu aspeto chamou-me a atenção. Caminhava calmamente, sem pressa, com um andar confiante.

À medida que se aproximava, reparei na leve brisa que agitava o seu cabelo preto. Usava um lenço vermelho que parecia quase irreal à luz ténue dos candeeiros de rua, um contraste impressionante com a noite escura. Eu perscrutava-a, olhando-a sem desviar o olhar, como fazia com todos os meus alvos. No entanto, havia algo nela que me intrigava. Não era a sua postura ou a sua aparência, mas uma sensação estranha, como se ela tivesse a capacidade de ler a minha mente.

Ela parou de repente, mesmo à minha frente, e eu não estava à espera que o fizesse. Os nossos olhos encontraram-se e, por uma fração de segundo, senti-me tonto. Não estava habituado a ser visto, a ser notado. A tensão subiu-me ao corpo, mas permaneci perfeitamente imóvel, escondido nas sombras. Ela olhou para mim por um momento, sem parecer particularmente assustada. Mais como... curiosa.

“Pareces perdido. A voz dela era calma, gentil, sem o menor traço de preocupação.

Fiquei paralisado. Não tinha planeado este encontro, não tinha planeado falar com o meu alvo antes de o ter neutralizado. Foi um momento estranho, quase surreal. Sabia que não era o momento de ceder à surpresa, mas algo no ar incomodava-me. Não respondi de imediato, tentando avaliar a situação. Observar, ser discreto, sempre. Mas esta mulher, esta desconhecida que estava à minha frente, desafiava todas as regras que eu próprio tinha estabelecido.

Olho para ela por um momento. Não parecia ameaçadora. Não parecia saber quem eu era ou o que estava a fazer nas sombras do beco. Um sorriso surgiu no seu rosto, um sorriso gentil, quase benevolente. Era como se ela não fosse uma estranha, mas sim alguém que eu já conhecia há muito tempo.

“Não,” respondi por fim, com uma voz mais rouca do que gostaria. “Eu simplesmente parei por um momento.” Era uma resposta que não significava nada. Mas foi o suficiente para desviar as atenções, ou pelo menos para disfarçar a minha verdadeira intenção.

Ela levantou uma sobrancelha, com um sorriso divertido nos lábios. “E parou aqui, neste beco? É um bocado... solitário, não é?”

Engoli, sentindo um ligeiro embaraço a crescer dentro de mim. Isto não era normal. Este tipo de situação nunca me tinha acontecido. Não era suposto ser incomodada por uma simples conversa, muito menos por um estranho. No entanto, senti qualquer coisa. Um mal-estar, talvez, ou uma emoção que não sentia há muito tempo: curiosidade. Pela primeira vez em muitos anos, senti-me perturbado.

Ela estava à espera de uma resposta, com os olhos ainda fixos em mim, sem medo, quase intrigada. Não me via como uma ameaça, mas como um mistério a resolver. Deu alguns passos atrás, com o olhar ainda fixo em mim.

“Suponho que te vou deixar na tua... solidão”, disse ela, sorrindo. “Mas sabes, às vezes é preciso saber onde procurar para nos encontrarmos.

Fiquei em silêncio, vendo-a afastar-se. Não me tinha mexido, não tinha reagido. Nem sequer sabia porque é que não tinha encontrado uma forma de a evitar, porque é que tinha deixado este encontro acontecer. Ela desapareceu na rua e eu encontrei-me de novo sozinho, mergulhado nas sombras.

Demorei alguns instantes a recuperar a compostura. Tinha de me concentrar na missão. Era apenas um contratempo, um momento estranho. Nada mais do que isso. Ainda assim, perguntava-me se tudo correria como planeado esta noite.