Capítulo 4
Amanda Lima Cavalcante
-Me encosto na minha cadeira e tiro os óculos de leitura. Já são quase três horas e eu não consegui despachar nem a metade dos processos que eu preciso. Não poderei ir para casa cedo. Hoje é o primeiro dia da Juliana. Queria estar presente.
E pior que Pedro também não poderá ir, ele tinha uma missão hoje, e quando são dias de missão ele fica incomunicável. O que vou fazer?!?
-Meritíssima, faltou este. O boy trouxe agora.
Eu suspiro.
-Odeio quando esses processos brotam como se fossem ervas daninhas.
Joana enruga a testa e diz:
-Algum problema?
Claro que ela ia perceber. Eu amo o meu trabalho, e não é sacrifício nenhum despachar os processos para mim. Só que eu amo muito mais a minha família, principalmente a minha princesa, e abrir mãos de coisas que programei para fazer com ela, me deixam frustrada.
-Hoje a babá nova começa. Eu queria estar presente, mas devido a isso aqui não conseguirei.
-Eu posso ir no seu lugar. Ficar lá até você terminar.
Eu olho para ela. É uma boa ideia. Pelo menos Mariana não estará sozinha. Eu odeio transferir a minha responsabilidade como dona da minha casa, para Mariana. E ultimamente eu tenho feito muito isso.
Ela é apenas uma governanta e definitivamente, não está na sua lista de afazeres vigiar uma babá.
Vocês devem estar se perguntando, vocês não iam terminar com a Joana?
É... A ideia era essa... Mas ela foi tão gentil em preparar o jantar, em estar disposta a mudar. Pediu desculpa e porra, a gente se dá muito bem na cama... Que empurramos com a barriga... Resolvemos deixar rolar para ver até onde vai... Há muitas coisas para perder se nosso relacionamento terminar, e eu não estou disposta ainda.
-Vc faria isso?
-Claro! É só pra ficar de olho né... Orientar para quando ela fizer algo que não condiz com a rotina...
-confirmo com a cabeça. -eu conheço a rotina, então eu posso ir.
-Se fizer isso Joana, eu ficarei muito agradecida. Não tem como levar esses processos para casa, eu preciso terminar aqui.
-Se não for precisar de mim... Vou sim…
-Eu posso me virar sozinha...
Ela sorri e sai andando.
Joana é nossa namorada há um ano e trabalha como minha assistente há um ano e meio.
Foi uma atração à primeira vista. Ainda conseguimos segurar as coisas por seis meses, também porque eu estava grávida na época, mas aí o que sentíamos foi maior. Eu realmente achei que seria especial.
A química não era a mesma com o Pedro, mas como ele é um puto, ele aceitou ela mesmo assim.
Dentro do fórum somos apenas amigas e colegas de trabalho. Na nossa vida privada ela é minha namorada e de meu marido.
Ultimamente ela tem forçado a barra para ser assumida por nós... Já até rolou de ela insinuar que se mudaria para nossa casa. Mas esse assunto foi descartado por mim e pelo Pedro. Inventamos uma desculpa, mas a verdade mesmo é que não rola sentimento. Eu sei que é cruel dizer isso, mas até a química mudou. Ainda continua sendo gostoso, mas não é mais como era. A paixão acabou.
Dentro da minha relação com Pedro, a que sugeriu termos um casamento em que pudéssemos incluir uma terceira pessoa, foi minha. Na minha família isso é comum. Meu pai tem duas esposas e sempre fomos uma família grande e feliz. E minha mãe e Liana também se amam.
Não é algo que é anunciado na mídia, já que eles vivem juntos a muitos anos e são discretos. Mas lá em casa isso sempre foi muito normal. Tenho cinco irmãos. Dois são do mesmo sangue que eu e três são meio irmãos, filho de Liana. E está tudo bem... Eu cresci nesse mundo, e sempre acreditei que eu poderia ter uma família assim também, principalmente porque eu gosto de meninas da mesma forma que eu gosto de meninos. Na minha infância isso nunca foi um tabu.
Meus irmãos tem casamentos monogâmicos e o mais novo que ainda está na faculdade é homossexual, e está se descobrindo apaixonado por dois rapazes.
Nós fomos influenciados pelos nossos pais? Dizem que um fruto não cai muito longe de uma árvore. Mas há controvérsias. Se fosse assim todos os outros estariam com relacionamentos fora do padrão.
Acho que ser criado livre, longe de amarras e preconceitos facilitou com que fizéssemos nossas escolhas, mas não nos influenciou na nossa opção sexual.
Pedro embarcou na empreitada porque ele me ama, e também porque ele é um espírito livre. Em outras palavras, um galinha viciado em sexo, então pra ele, uma relação monogâmica nunca estava em seus planos, ele aceitou comigo exatamente porque eu estou disponível para nós aventurar. Nós temos poucas regras, mas às que existem diz que só nos envolvemos com alguém que nós dois tenhamos atração. E sempre será uma por vez. Quando não estamos fixos com ninguém, costumamos frequentar casas de swing.
Nós nos completamos, definitivamente. E às vezes eu acho que eu fui feita para ser dele, e ele meu.
Mesmo sabendo exatamente o que quero da minha vida, depois que me tornei mãe eu ando pensando muito nos exemplos que deixarei para a minha filha. E com isso eu comecei a pensar se é saudável para ela conviver com namoradas. Não que a relação dos meus pais não tenha sido saudável para mim e meu irmãos. Lá em casa tudo sempre foi muito harmonioso, longe de brigas. Mas eles sempre foram um trisal de verdade. Sempre houve amor…
O que me preocupa é essa rotatividade. Agora temos uma criança para nos preocupar. E esta criança tem sentimentos. A nossa relação com Joana não está boa, e ela tem uma ligação com a minha filha. E isso é um dos motivos de resolvermos não terminar com ela.
Mas eu sei que isso é temporário.
E eu não quero que as coisas sejam temporárias, porque minha filha vai sofrer, principalmente quando ela tiver maiorzinha e começar a entender as coisas.
Eu suspiro, olhando a montanha de processo que tenho para dar sentença.
"Se ficar vagando nos seus problemas Amanda, você nunca vai terminar isso."
Pois é…
E ainda tem a Juliana. A química rolou desenfreada quando a conhecemos. Com direito a arrepio na nuca e choque. A menina é muito gostosa, meiga... Do jeitinho que eu e Pedro gostamos... E eu sei, por experiência própria , que químicas fortes como a que rolou, são difíceis de serem ignoradas. É questão de tempo essa menina está na nossa cama. E não falo só por mim, falo pelo Pedro também.
Sempre é eu a me envolver primeiro, ele sempre vem na minha onda... Mas dessa vez ele gostou dela de verdade. Só não acontecerá se ela não quiser...
E esse foi um dos motivos de mantermos o relacionamento com Joana. É mais um escudo contra essa química que sentimos. Eu não vou me envolver com ela enquanto eu não descobrir mais sobre o seu passado. Como também não vou deixar minha filha com ela sozinha, enquanto eu não tiver as respostas que procuro.
Tem alguma coisa errada com esta menina, e eu preciso descobrir o que é.
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Juliana dos Santos
Chego no portão da mansão dos Cavalcante e espero. O mesmo homem que abriu a porta para mim abre a porta novamente e desta vez ele sorri.
-Bem vinda Juliana, me chamo José Carlos.
-Prazer José Carlos.
Apertamos a mão e ele manda eu entrar, dizendo que Mariana, Joana e Vitória estão à minha espera.
Mariana e Vitória eu lembro quem são, mas Joana não faço a mínima ideia de quem seja.
Sou logo recepcionada por Romeu e Julieta.
Falo com eles e entro na sala que está aberta. Logo avisto Vitória sentada no tapetinho com Luísa no colo tomando uma mamadeira e assistindo desenho.
Ao lado dela, está uma mulher muito bonita. Morena jambo, cabelos lisos na altura do pescoço, olhos negros e um corpo escultural. Quando ela me vê, se levanta e me olha de cima a baixo, como se estivesse me analisando.
-Então é você a nova babá?
-Sim, me chamo Juliana.
Estendo a mão para ela, ela demora um pouco e acaba apertando de volta.
-Eu, Joana ... Bom, ficarei com você no seu primeiro dia. Amanda teve alguns imprevistos no fórum.
-Claro …
-Boa tarde Juliana... Vem que vou te dar seu uniforme e mostrar seu quarto...-Mariana chega logo falando. -Já voltamos Senhorita Joana.
-Ok Mariana…
Ela continua me olhando e eu acompanho Mariana para a porta de trás da casa.
No primeiro dia, Vitória me mostrou por alto a casa toda. Então eu já tinha visto a piscina, a academia, o parquinho no fundo da casa e a casa de hóspedes que era usada como alojamento para os empregados que pernoitavam na casa.
Entramos na casa e logo vemos uma sala espaçosa com um tv e várias poltronas e uma mesa com seis cadeiras. Uma cozinha pequena. Pegamos o corredor e ela me leva até um quarto simples e pequeno. Mais confortável.
-Seu quarto vai ser esse Juliana. É pequeno mas é confortável. Eu já pus as calças brancas e as blusas no seu guarda roupa. Tem um banheiro no final do corredor. E nós temos uma sala de estar e uma cozinha se quisermos fazer nossas próprias refeições, mas quase nunca é usada. Eu e a cozinheira costumamos fazer comida para todo mundo. E os patrões não se importam com isso. Só se caso você tiver uma dieta diferente.
-Não Mariana, eu como tudo... Sem problemas…
-A moça que você conheceu é a namorada deles e assistente da Amanda. Como é seu primeiro dia, ela vai ficar conosco para te orientar no que precisar. Ela parece seca, mas é uma boa menina.
É eu percebi, pela olhada que ela me deu... Mas eu não me importo ... estou aqui apenas para fazer meu serviço e mais nada.
-Ok! Então vou me arrumar para não atrasar a Vitória.
Ela sorri e confirma me deixando sozinha.
Ponho a mochila em cima da cama e suspiro. Eu estou com bons presságios para este emprego. Sei que vou me dar bem aqui. As pessoas são muito receptivas e até agora não tenho nada a reclamar.
Meu final de semana foi incrível, o que me fez começar a semana com bastante entusiasmo. Fomos para uma balada no sábado. Eu conheci uma menina maneira e terminei minha noite num motel com ela.
Domingo eu e Léo fomos ao cinema e passamos o dia no shopping.
Então minhas resoluções de me manter longe dos meus chefes começaram boas. Não estava carente... E conhecendo logo de cara a namorada deles, botava um limite nessa relação.
Eu vim decidida a cumprir meu trabalho e só.
Se eu estava com fetiches de transar com um casal, que eu faça isso bem longe daqui.
Porque como disse Léo, misturar trabalho e prazer nunca dá certo.
Retiro meu vestido e meu tênis e começo a por a calça branca e camisa de malha. O uniforme caiu como uma luva. Calço o tênis novamente e ajeito o meu rabo de cavalo.
Saio do quarto, direto para a sala de estar da casa. Vejo Mariana na cozinha, ela sorri pra mim e me indica Vitória ainda sentada no mesmo lugar. Vou até ela e pego Luísa no colo. Não vejo Joana em lugar nenhum.
-Pode ir, Vitória…
-Deixei tudo anotado no quadro de aviso no quarto da Isa... Se caso você esquecer de algo. Mariana está aí pra te ajudar no que você precisar, Juliana.
-Pode me chamar de Ju... Pode ir tranquila. Cadê a Senhorita Joana?
-Ela disse que ia descansar um pouco lá em cima. Vai por mim, é bem melhor ela ficar bem longe de você…
Essa última parte ela fala sussurrando…
-Porque?
-Ela andou fazendo perguntas sobre você para mim... Acho que está enciumada.
Eu abro a boca e fecho.
Enciumada? Porque? Eu nunca vi essa mulher antes…
-Mas eu não fiz nada…
-Você é linda Juliana, acho que deve ser intuição de mulher.., Agora preciso ir mesmo, depois conversamos mais sobre isso... Mais cuidado com ela! Se tiver alguma dúvida, pergunte a Mariana... É mais seguro…
Eu concordo. Ela se levanta e sai pegando sua bolsa que está em outra poltrona.
E eu fico parada com Luísa no colo tentando entender o que ela quis dizer com isso…
Que porra!
