01- De Coração Partido
O som alto do vizinho, em vez de me irritar, me faz querer levantar e dançar.
— Foco, Aurora, você precisa terminar esse livro ou Mari vai te xingar novamente — digo a mim mesma.
Esse é o livro favorito de Mariana, minha melhor amiga, filha dos meus padrinhos Camila e Ricardo. Foi um sacrifício convencê-la a me emprestar.
A música que está tocando agora é eletrônica, e meus dedos se movem involuntariamente. Olho para a porta do meu quarto, para ter certeza de que está fechada, e então me levanto e começo a me requebrar de um lado para o outro, seguindo a batida da música. Meus cabelos balançam junto comigo, e observo, divertida, meus passos no reflexo do espelho.
— Requebra mais, maninha! — Escuto a voz de Nando e me volto para ele, encontrando-o sorrindo com o celular na mão.
— Nando, você estava gravando?! — Ele nega, mas a risada o entrega. — Eu não acredito em você! Me mostra seu celular.
Vou até ele e tento pegar o aparelho de suas mãos, mas ele desvia.
— Se você me pegar, deixo você ver. — Nando começa a correr pelo quarto.
— Nando, para de agir como uma criança. – Mas, mesmo contrariada, corro atrás dele.
Quando me canso, decido fingir que torci o pé e me sento na cama, gemendo de dor. Nando para a sua fuga e vem até mim, o rosto pálido pela preocupação.
— Onde está doendo? — Seus dedos envolvem o meu tornozelo, o toque tão suave que mal sinto, e um calor estranho se espalha pelo meu corpo. Com um suspiro, eu ignoro a sensação e aproveito a sua distração para tomar o celular. Em um segundo, apago rapidamente o vídeo. — Aurora, você me enganou? — Ele sobe em cima de mim e começa a me fazer cócegas. — Eu estava aqui, preocupado com você.
Minha gargalhada ecoa pelo quarto e tento afastá-lo, em vão. E quando Nando aproxima o rosto do meu, sinto meu coração acelerar e minha respiração ficar mais pesada. O que há de errado comigo?
— Você está bem? Suas bochechas estão coradas. — Seu hálito quente me faz arrepiar.
— Saia de cima de mim — as palavras saem um pouco rudes, e Nando se levanta com a testa franzida.
— O que foi? Você ficou brava comigo?
— Não é nada.
Me levanto e vou até a janela.
— Ei. Você sabe que pode me contar qualquer coisa. — Ele me segue. — Além de irmão, somos amigos.
— Já falei que não é nada.
Vejo pela janela Henry estacionar o carro em frente a nossa casa.
— Seu namorado mané chegou, foi? — Ele também olha para fora.
— Ele não é mané, Nando – o repreendo.
— Se você diz. — Ele dá de ombros. — Eu não gosto dele. É perfeitinho demais. Pra mim, é tudo fingimento. Agora vou pro meu quarto, não quero dar de cara com ele. — Dá um beijo na minha bochecha e sai.
Me sento na cama e solto um longo suspiro. Fico olhando para as minhas mãos, perdida em meus pensamentos. O que foi aquilo que senti? Seu toque e sua aproximação fizeram meu coração acelerar. Mas por quê?
Henry e eu já estamos namorando há dois anos. O conheci em um churrasco na casa de uma conhecida, e logo de cara ele já chamou a minha atenção, tanto por sua beleza quanto pela simpatia. Manu e Caio aceitaram o meu namoro com ele super bem, apesar de Caio ter dito, com todas as palavras, que se Henry me machucasse, iria acabar com ele.
— Oi, amor. — Henry vem em minha direção e beija os meus lábios – um beijo rápido, contido.
— Oi, como você está?
Ele se senta ao meu lado e me abraça.
— Estou melhor agora que estou com você. E você? Parece pensativa. Aconteceu alguma coisa?
— Estou bem. Não aconteceu nada. — Tento sorrir para ele. — A que devo a sua ilustre visita?
— Vou precisar viajar até a casa do meu pai. Aconteceu um problema lá com a família perfeita dele — diz, em um tom irônico.
Os pais deles se separaram quando Henry tinha dez anos de idade. E ele não aceita a nova família de seu pai. Sua mãe sofreu muito com a separação, e isso o encheu de raiva. Já pedi para não ser tão rancoroso. É melhor separar do que trair. Ficar juntos só para manter as aparências não vale a pena. Mas ultimamente ele tem ido bastante à casa do pai. É possível que a relação deles esteja melhorando.
— E seu trabalho? Você sabe quanto tempo vai ficar por lá?
— Consigo terminar o projeto do novo cliente em qualquer lugar, amor. Só preciso do meu notebook, papel e lápis. E quanto ao tempo, não tenho certeza, mas acho que uma semana.
Me solto dos seus braços e o encaro sem acreditar.
— Uma semana? Não faz muito tempo que voltou de lá. — Cruzo os braços.
— Eu sei, mas meu pai está precisando da minha ajuda, amor. Eu não posso deixá-lo na mão. — Ele acaricia a minha bochecha.
— Engraçado. Seis meses atrás você nem ligava pra ele. Agora vive mais lá do que aqui comigo — digo, tirando a sua mão do meu rosto.
— Amor... Nós dois tivemos uma boa conversa e decidimos que nossa relação merecia uma nova chance. Agora que estamos bem, estou tentando ajudar no que for possível, mesmo ainda não gostando da mulher dele. Você mesma disse que deveria tentar melhorar as coisas com ele, lembra?
Eu suspiro, ainda contrariada, mas entendendo o seu ponto.
— Vou sentir sua falta — é o que acabo dizendo, e o abraço.
— Eu também vou sentir a sua. — Henry beija a minha testa. — Agora vou arrumar minhas malas. A viagem pra Bahia é demorada.
Antes que ele possa se levantar, seguro o seu braço e o puxo para um beijo, mas quando está ficando mais intenso e profundo, ele para. Eu queria mais, mas, pelo jeito, Henry não. Isso me desanima mais do que gostaria de admitir.
— Tchau, amor. Assim que chegar lá, te ligo. — Ele se levanta e caminha até a porta, sem nem mesmo esperar a minha resposta.
— Tá — murmuro, vendo-o sumir.
Já irritada, me levanto e vou para a sala. Vejo Manu e Caio sentados no sofá, abraçados. Formam um casal tão lindo... Tenho orgulho de fazer parte dessa família, e serei eternamente grata por terem me adotado quando minha mãe morreu. Quando eu era criança, os chamava de pai e mãe, mas depois que cresci, preferi me referir a eles pelo nome mesmo.
Me sento ao seu lado no sofá.
— Alguém não está com uma cara boa. Henry foi embora rápido. Vocês brigaram? — Sinto a preocupação na voz de Caio.
— Ele vai viajar pra casa do pai de novo.
— Já estou começando a achar estranho ele ir pra lá tantas vezes — Manu diz, e eu me vejo obrigada a concordar.
— Está chegando a hora do jantar. Que tal uma pizza? Hoje é sábado — Caio sugere.
— Pode ser. Vou tomar uma banho e já desço.
Subo as escadas em direção aos quartos e escuto Nando xingando sem parar. Preocupada, vou até a sua porta e bato, mas ele não responde. Abro a porta devagar e entro. O quarto de Nando é a cara dele. Limpo e organizado. Cada coisa tem o seu devido lugar. As paredes são brancas e os móveis em um tom de mogno. Vejo-o em frente ao computador. Vou até ele e toco o seu ombro, e ele se vira para mim com uma expressão assustada. Estou sorrindo, mas assim que avisto o que está na tela, meu sorriso cessa.
É uma foto de Henry beijando outra garota.
Lágrimas se formam em meus olhos com o sentimento de traição que cresce em meu peito. Eu não posso acreditar. Não quero acreditar nisso.
Nando se levanta e me abraça.
— Eu planejava te contar de outra forma. Não era pra ser assim. Acabei de receber essa foto. Foi uma colega que tem essa garota nas redes sociais que tirou print e me mandou. Eu sinto muito, Aurora, mas, pela data, foi semana passada. — Nando me leva até a cama e, quando me sento, ele limpa as minhas lágrimas.
— Ele não estava indo pra casa do pai dele. Estava indo ficar com outra. Como sou idiota.
— Você não é idiota. Você é alegre, divertida e muito inteligente. E sempre ilumina tudo ao seu redor. Você é maravilhosa, Aurora. O idiota é ele.
Seu rosto está a poucos centímetros do meu, e ele me olha com uma intensidade que me atordoa. Meu coração acelera quando a sua mão toca o meu queixo, com a mesma suavidade de antes, e os meus olhos, inconscientemente, se fecham. Os pensamentos embaralhados demais para compreendê-los. Sinto os seus lábios tocarem os meus com delicadeza; e só então a realidade me encontra.
Nando está realmente me beijando?