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Capítulo 3 - Satini Beaumont

Quando voltei para o meu quarto, Mia veio junto de mim, falando tanto que eu nem conseguia lhe dar atenção. Eu estava ainda tentando assimilar que eu iria deixar meu reino depois que casasse com o desconhecido príncipe. E talvez eu nem recebesse um motivo plausível para aquilo.

- Você ouviu o que eu falei? – ela perguntou sentando na poltrona na minha frente enquanto eu sentei na minha cama.

- Não ouvi nada. – confessei.

- Em que mundo você está, Satini?

- Num mundo que não conheço... Você o ouviu dizendo que assim que casar deixarei Avalon?

Ela se calou por alguns instantes:

- Talvez ele volte atrás.

- Eu não queria acreditar nisso, mas às vezes parece que ele quer se livrar de mim.

- Não pense isso. Você é a única filha dele. Por mais que pareça às vezes que ele não se importa, você é tudo que o rei Stepjan tem.

- Achei que ele deixou muito fácil eu sair do castelo. Nunca nada foi assim tão fácil com meu pai.

- Mas não era isso que você queria?

- Claro que era, Mia. Mas jamais pensei que ele deixaria assim...

- Não foi tão fácil, Satini. Teremos Alexander atrás de nós o tempo todo.

Eu revirei os olhos de descontentamento:

- Seu irmão é uma pessoa difícil...

- Alexander fará tudo que seu pai mandar. Acho que não será nada como você pensa.

- Jamais pensei que eu esperaria o retorno do seu irmão com tanta empolgação. – eu ri.

- Você gostava dele quando o beijou... – ela ironizou.

- Claro que não. Beijei Alexander porque ele era o único garoto que eu conhecia.

Ela riu:

- Que nojo.

- Fala isso porque é seu irmão. Mas confesso que recebi beijos melhores que os dele.

- Se um dia seu pai sonha que você beija os guardas do castelo ele mata você.

Eu ri:

- Acha que algum guarda se atreveria a contar? Eles também não querem morrer, não é mesmo?

- Você é uma pessoa horrível, Satini.

- Não mesmo... Curiosa, eu diria.

- E corajosa... Não acredito que seu pai permitiu sua saída do castelo. E ainda deixou eu ir junto. – ela levantou as mãos para cima, demonstrando satisfação.

- Foi uma ordem, senhorita Mia. – falei imitando meu pai.

- Ordens do rei... Sou obrigada a seguir. – ela disse rindo animada.

- Sua mãe vai nos matar. – eu lembrei.

- Ah, vai mesmo. Ainda mais por você trazer Alexander de volta.

- Aposto que Alexander ficará feliz em voltar para Avalon.

- Minha mãe estava feliz que ele estava longe daqui.

- Por que exatamente, Mia?

- Bem... Ela não gosta muito quando ele fica tão próximo do seu pai. – confessou Mia.

- Léia tem tanto medo assim do meu pai? Ele gosta do seu irmão... Jamais lhe faria mal.

- Eu não sei... Acho que há tantas coisas que não sabemos sobre seu pai e os Beaumont, Satini.

- Eu sei... Mas temos tempo para descobrir.

- Será? – ela perguntou. – Me diga, o que você vai fazer primeiro em Avalon?

- Conhecer a Coroa Quebrada.

Ela me olhou preocupada:

- Não... Você não vai fazer isso.

Eu gargalhei:

- Claro que não... Não em primeiro lugar. – falei seriamente.

- Você não pode...

Enquanto ela tentava me convencer a não desrespeitar as ordens de meu pai antes mesmo de eu sair, fui até o toalete e tirei minha roupa, entrando na ducha quente enquanto ela me observava.

- A Coroa Quebrada é um lugar perigoso. – ela disse.

- Ainda assim é dentro de Avalon e faz parte deste reino.

- Pessoas que são contra a monarquia que fazer parte deste lugar.

- Por isso mesmo quero conhecê-los. E saber o porquê odeiam tanto o rei.

- Satini, você não pode. Mas não vou me preocupar. Alexander jamais deixará você se aproximar da Coroa Quebrada.

- Alexander que não tente me conter. Ele sabe que eu acabo com ele.

Ela suspirou:

- Problemas... Eu só consigo ver problemas com nós três fora do castelo.

- E quem disse que eu quero ficar longe dos problemas, Mia?

- Você é a princesa Satini Beaumont, futura rainha de Avalon. Não pode correr perigo. Avalon precisa de você quando seu pai se for.

- Por isso mesmo preciso saber tudo sobre Avalon. Eu vou viver cinco meses intensos...

- E depois casar com seu príncipe.

- Exatamente. O meu desconhecido marido... Príncipe de não sei onde...

- Eu não acho que casar com o príncipe desconhecido possa ser tão ruim. – ela disse.

- Sério que você está me dizendo isso, Mia. Fala assim porque não é você que fará isso.

- E se ele for bonito e gentil?

- Que diferença faz?

- Você pode se apaixonar por ele quando o conhecer melhor...

- Eu não tenho opção, Mia. A maioria das mulheres se casa por amor, por escolha... Estou prometida a ele desde que nasci eu acho. Jamais poderia escolher alguém para viver ao meu lado, ou simplesmente não escolher ninguém e viver sozinha. Mas aceito isso...

Ela riu:

- Claro que aceita, agora que vai aproveitar antes de casar... – ela me olhou ironicamente.

- Vou beijar muito... E não vai ser guardas.

Ela riu:

- Imagina a cara destes homens quando virem na televisão, daqui a cinco meses, que beijaram a princesa Satini Beaumont?

Desliguei o chuveiro e ela me deu a toalha:

- Vamos acabar com a ociosidade em Avalon, minha amiga.

Eu sempre fui mais ousada e destemida. Mia era medrosa e tímida na maioria das vezes. Ainda assim aprontávamos algumas coisas juntas, mesmo dentro dos muros do castelo.

A noite chegou e eu fui para a janela, contemplar a lua cheia que iluminava a noite clara em Avalon. Em breve eu deixaria aqueles muros. E veria festas de verdade, com pessoas da minha idade e não mais bailes enfadonhos com pessoas que eu sequer conhecia, onde tinha que fingir que eu não era eu mesma. Ficava no salão aparentando ser uma pessoa comum, uma convidada dentro da minha própria casa quando na verdade eu era a futura herdeira de uma nação.

Eu ficava cada dia mais ansiosa e Alexander não chegava nunca de viagem. Ele havia ido fazer a faculdade fora de Avalon, numa universidade renomada dos Estados Unidos, tudo custeado por meu pai. Eu não o via a quase três anos, quando ele partiu.

Recebi algumas broncas de Léia, por ter enfrentado meu pai, por ter pedido para sair de dentro do castelo e sequer comentei sobre a Coroa Quebrada com ela, pois sabia que ela seria até capaz de contar para o meu pai. Ela sempre queria me proteger de tudo.

Na tarde de quarta-feira Mia entrou apressada no meu quarto:

- Alexander está de volta, Alteza.

Senti meu coração bater mais forte. Alexander estava em Avalon e minha liberdade de cinco meses estava a um passo de acontecer.

Peguei a mão dela e fomos correndo até o primeiro andar, onde Léia ficava quando recebia suas visitas. Quando cheguei e o vi, fiquei impressionada. Alexander havia crescido... E não era mais um garoto. Ele se tornou um homem no tempo que esteve fora. Parece que deixou para amadurecer quando deixou Avalon.

- Alexander... – falei admirada, olhando-o de cima abaixo.

Ele continuava com os cabelos encaracolados e dourados, perfeitamente arrumados. Seus olhos azuis eram tão penetrantes quanto seu sorriso a me ver. Ele tinha uma barba bem feita agora, o que o deixava longe de ser aquele menino que eu beijei e que mal sabia usar a língua na minha boca. O corpo então... Perfeito. Ele estava mais alto e seus braços estavam fores e musculosos, o que eu podia observar sob a sua camisa.

Ele sorriu divertidamente:

- Alteza! – falou se curvando para mim.

- Deixe disso, seu bobo. – eu disse o abraçando e recebendo um beijo no rosto com sua boca macia, sentindo sua barba roçando minha bochecha.

Léia não estava ali.

- Está esperando sua mãe? – perguntei.

- Ela foi verificar onde vou ficar. E em uma hora vou ver seu pai. O que você aprontou, princesa Satini?

- Você vai saber pela boca do rei Stepjan o que o fez voltar, meu irmão. – disse Mia.

Os dois eram bem parecidos, embora ele fosse loiro e Mia ruiva. Eu até conseguia ver alguns traços ruivos nele também. Mia também tinha os cabelos em ondas, mas usava tanto chapinha que raramente estavam naturalmente cacheados. Ela era magra e alta também e tinha a boca grande e volumosa, como o irmão. Os olhos dela eram castanhos, diferente dos de Alexander. E ela tinha sobrancelhas avermelhadas, o que odiava. Eu achava sua beleza rara. Ela era linda.

Ele suspirou e me olhou atentamente, analisando meu corpo de cima abaixo.

- Você cresceu, princesa Satini Beaumont.

- Como você, Alexander. – observei.

- Mas me fez deixar a faculdade às pressas. Estou curioso para saber o motivo.

- Nos falamos quando você ficar a par... – dei de ombros. – Vamos, Mia?

- Ainda são inseparáveis? – ele perguntou.

- Seremos assim para sempre. – eu disse.

- Talvez não. – ela disse me olhando tristemente.

- O que houve? – ele perguntou.

- O casamento de Satini foi adiantado em um mês. Então dentro de cinco meses ela estará contraindo matrimônio com um príncipe desconhecido.

Ele nos olhou atentamente:

- Isso é tão... Realeza... Não acontece fora daqui...

- Somos um reino e não uma república democrática. – observei.

- Eu sei... Ironicamente Reino Unido de Avalon. Além de não ter nada de união, também um dos poucos reinos ainda existentes no mundo. E que infelizmente vive de forma retrógrada.

- Se meu pai ouve você falando isso terá problemas. – eu disse.

- Eu sei... Mas viver fora de Avalon me fez conhecer um mundo além do nosso pequeno reino. E eu sou muito grato ao rei Stepjan por ter me dado esta oportunidade.

Ouvi o som do celular dele tocando e perguntei:

- Você... Tem um celular, Alexander?

- Sim... Todos tem um celular, princesa. – ele riu.

- Não... Nós não temos um celular. – observou Mia.

- Não? – ele perguntou surpreso.

- Meu pai não deixa. Devo ficar longe do mundo. – eu sorri timidamente. – E Mia, como é minha amiga e dama de companhia, sofre as consequências comigo.

- Mas o que você faria com um celular, princesa? Para quem ligaria? – ele ironizou.

- O mesmo otário de sempre. – eu observei saindo.

Eu saí e Mia me acompanhou, como sempre fazia. Eu parei e disse:

- Se quiser, pode ficar com seu irmão, Mia.

- Não... Eu...

- Fique com ele. É seu irmão. Ele ficou quase três anos fora. Mate a saudade.

- Você não se importa de ficar sozinha?

Eu a abracei com carinho e disse:

- Não mesmo...

- Será que vocês continuarão brigando para sempre?

- Então ele continuar o mesmo otário de sempre, sim. – eu disse brincando.

Aproveitei que estava no térreo e fui passear pelos jardins externos. O dia estava quente e bom para um passeio sozinha. Olhei para os enormes muros que me prendiam ali dentro e o céu azul imenso que havia acima de mim. Logo eu estaria livre andando livre por Avalon, talvez até caminhando nas ruas, como uma pessoa normal.

Alexander tinha razão: eu não precisava de um telefone celular. Para quem eu ligaria se eu não conhecia ninguém além de meu pai e a família de Léia? Nem estudar fora do castelo eu pude. Eu não via a hora de ser somente Satini, uma garota normal de dezessete anos. E isso poderia acontecer, pelo menos naqueles dias que antecederiam o meu casamento.

Depois, eu colocaria a coroa na minha cabeça, seria oficialmente apresentada a todos como Satini Beaumont, princesa de Avalon. E também passaria a ser uma jovem mulher casada. Pelo bem de Avalon, pela vontade de meu pai e por ter nascido na realeza, onde eu deveria colocar o bem de todos acima de mim mesma.

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