Prólogo
Meu pé quase vacilou diversas vezes enquanto eu subia a escada que dava acesso ao terraço da casa noturna. Cheguei no em cima com meus cabelos sendo levados para trás pelo vento.
Antes de estar com os pés no parapeito eu segurei firme no único poste de luz que iluminava o ambiente.
O vento frio ardia nas minhas bochechas.
Olhei fixo para todo o movimento na cidade, por estar no centro havia muitos prédios, podia ver os carros na rua, as pessoas pareciam formigas.
Me perguntava se iria me arrepender segundos antes do meu corpo colidir com o chão, ou se minha vida passaria pelos meus olhos como Ethan me disse certa vez, de qualquer modo, não teria muito para ver dos meus 19 anos.
Respiro fundo.
A determinação para me jogar estava esgotando, mas se eu saísse com vida daqui, May daria um jeito de me matar depois do que fiz.
Não olhei mais para o chão, foquei meus olhos na lua, ela parecia linda essa noite, parecia que o céu inteiro estava pronto para me receber, guardaria aquela noite na minha memória.
Suor frio descia pela minha espinha, com a mesma intensidade das lágrimas na minha bochecha.
As batidas fortes do meu coração tiravam todo o silêncio do lugar, passei a contá-las, a medida que eu me inclinava mais para frente elas aceleraram me fazendo perder a conta.
Fechei meus olhos com firmeza.
Era a hora de acabar com tudo.
Suspirei e comecei a soltar meus dedos um por um, minha pele parecia estar sendo picada por mil agulhas. Antes que eu soltasse o último dedo alguém saiu pela porta que dava acesso ao terraço. Eu agarrei às duas mãos no poste cambaleando para trás.
Um homem de terno preto invadiu o terraço, ele não notou minha presença, pois simplesmente andou em outra direção.
Segurei minha respiração.
Ele se encostou no parapeito e olhou para algo lá embaixo, parecia estar sem ar assim como eu. O observei por alguns instantes, apesar de só ter suas costas para olhar, ele era grande e robusto, provavelmente nunca tinha o visto na boate.
Tentando arrumar a posição de meus pés no parapeito para não cair acidentalmente, chuto uma pedra no chão fazendo barulho suficiente para ele notar minha presença. O mesmo rapidamente vira para mim, pude ver seu rosto, era bonito, talvez o homem mais bonito que eu já vi. Ele olha-me e depois para meus pés.
Meu coração dispara novamente.
— N-não ouse se aproximar, se não vou me jogar! — Aviso.
Ele levanta as mãos a altura de sua cabeça.
— Não vou. — Sua voz atravessou meu estômago, era forte. — Prometo que não.
Então ele lentamente apalpou seus bolsos, de lá tirou um isqueiro e baseado, acendeu, tudo de forma lenta, intercalando os olhares de minha mão no poste e meu rosto, certificando de que eu não me jogaria. O homem foi até o parapeito e se apoiou lá mais uma vez a quase 1 metro de distância de mim, tragou o cigarro e depois soltou a fumaça pelas narinas.
Eu não sabia o que poderia acontecer ali, então não tirei os olhos dele.
— Qual seu nome? — Perguntou de maneira estoica, não parecia que alguém iria cometer suicídio a qualquer momento na sua frente.
— Por que quer saber?
Ele suspira e umedece os lábios.
— Preciso dizer aos policiais quem é a garota que se esborrachou no chão. — Me lançou um olhar divertido.
Desvio ligeiramente. Ele não parecia ser um salvador, acredito que tampouco se importava comigo.
— Me chamo Jade. — Vejo ele assentir e colocar o baseado mais uma vez nos lábios. — E você?
— Não acho que vá se lembrar de mim. Não faz diferença. — A fumaça sai de seus lábios a medida que ele falava.
Observo suas mãos, seu carpo estavam vermelho, parecia ter distribuído socos por aí, ele percebe e olha para o local movimentando os dedos.
— Eu odeio velhos soberbos bêbados. — Resmungou.
— Com certeza eu odeio mais que você.
Ele coça a têmpora com o dedo mindinho, vejo um anel, aquele homem não parecia ser um qualquer, esse anel indicava isso.
— Acho que conheço você — ele estreita os olhos —, não é a garota que estava cantando lá embaixo?
Assenti.
— Sua voz é bonita, a melhor que já ouvi.
— Quando não estou triste ela é mais bonita.
Ele balança a cabeça.
— Acho que a melancolia deixa tudo mais belo. — Seu olhar apertado parecia querer me consumir. — Soou mórbido demais para você?
— Não tente me impressionar, já vi mais que pensa.
Ele mostrou um sorriso torto. Encostei minhas costas na parede atrás de mim, mas sem dificultar meu salto.
— Se não veio me salvar, o que faz aqui?
Pensou por alguns instantes, desviou apoiando mais uma vez os antebraços no parapeito.
— Precisava respirar. Lá dentro as pessoas estavam me sufocando. — Seus olhos voltam para mim — e você, por que resolveu tirar sua vida?
Olho para meus pés. Como eu lhe explicaria que enfiei um lápis na coxa do meu primeiro cliente?
— Me viu cantar. Eu apenas cantava aqui, até hoje. — Mordo o lábio inferior com força. — Essa noite a dona do estabelecimento arrumou um freguês para mim. Um velho horroroso.
— Vocês... — deduziu gesticulando.
— Não! — Faço careta. — Eu enfiei um lápis na coxa dele antes de qualquer coisa aconteceu. Depois vim correndo para cá.
Ele balançou a cabeça lentamente sorrindo, a tatuagem de cruz na sua têmpora se contraiu.
— Não me parece ser tão perigosa.
Dei de ombros.
— Se está aqui sei que é como um deles.
Seu sorriso se transforma em uma gargalhada sarcástica.
— Não preciso pagar para garotas transarem comigo, Jade. — Ele abre a boca para dizer mais algo, der repente para e repensa — caso desça daí posso te ajudar, mas se for se jogar desejo-lhe boa sorte no inferno. — Ele joga o resto cigarro, observamos a bituca cair na calçada. — Deve ser doloroso.
Continuo olhando o chão lá embaixo, mesmo sentindo o olhar dele queimando sobre a minha pele. Não sabia porquê sentia verdade nas suas palavras, mas poderia ser apenas uma forma dele me convencer a descer, talvez eu quisesse descer.
Miro meus olhos nos seus, percebo que os dele são azuis, quase escuros e também percebo que ele se aproximou de mim enquanto conversávamos, agora apenas dois passos nos separava.
— Como posso confiar em você? Nem ao menos sei seu nome.
Ele balança a cabeça de um lado para o outro e tira as mãos do bolso de suas calças.
— Me chamo Heitor. — Sua mão estende na minha direção. — Pode me chamar Heitor.
Engoli o ar pelos dentes. Criei coragem para soltar o poste ao meu lado, minha mão foi trêmula de encontro com a dele, ao contato quente de sua mão fez uma onda de eletricidade atravessou meu corpo. Quem era aquele homem?
— Me dê a outra mão, Jade. — Pediu.
Olhei para baixo mais uma vez, me perguntei onde estava a coragem para pular de minutos atrás.
— Olhe para mim. Fixe nos meus olhos.
Volto minha atenção para Heitor, não parecia assustado, na verdade, ele todo exalava confiança.
Afrouxei minha única mão que ainda segurava o poste, mas antes que eu pegasse sua outra mão, meu pé escorregou do parapeito.
Eu gritei enquanto ele me segurava meu braço com às duas mãos, usando toda a força em seu corpo para me puxar de volta para o terraço, minha vida passou pelos meus olhos.
Ele conseguiu me puxar para cima novamente, então eu empurrei o parapeito com meus pés descalços, caímos no chão.
— Por deus — seu peito descia e subia —, não faça mais isso.
Após nos recuperamos, saí do colo dele e sentei no chão, me arrastando para trás até minhas costas colidirem com a parede.
Passei minhas mãos trêmulas pelo meu rosto. Meu coração pulsava firme no peito.
Olhei para Heitor, ele estava sentado no chão com os braços apoiados nos joelhos, olhando diretamente para mim.
— Está bem? — Se aproxima de mim.
Recolhi minhas pernas ainda assustada. Ele ergueu as mãos e voltou para o lugar onde estava, acendendo mais um baseado.
— Não deveria fumar tanto, é idiotice.
Ele me lança um olhar malicioso, apertando ainda mais os olhos âmbares.
— Não era eu que estava pendurado no parapeito. — Ele leva o cigarro até os lábios. — Da próxima vez não vou estar aqui.
— Não terá próxima vez.
— É bom que seja verdade.
Ele olhou para meu rosto, parecia estar preocupado com meu estado. Então parei de me fechar, meu coração já estava desacelerando.
— É bom que cumpra o que prometeu. — Digo.
Ele sorrir.