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Capítulo 02

O cheiro de cupim era a primeira coisa que sentia ao adentrar meu apartamento alugado. Dois mil e cem era o valor do meu salário na clínica, quando atendia a domicílio aos sábados e domingos conseguia um extra. Apesar do meu apartamento ter uma péssima aparência era aconchegante. Liguei o som e nas pontas dos pés comecei a dar um jeitinho na minha bagunça. Cansaço depois do trabalho? Às vezes sim e outras não! Mirei o relógio de parede e eram exatamente seis da noite. Continuei cantarolando até terminar todo o serviço.

Após uma ducha refrescante, coloquei minha camisola de ursinhos, uma das minhas favoritas de algodão e alças finas. Ninguém precisava saber das minhas mil e uma manias no privado. Não aparentava ter meus vinte e oito anos, devo confessar que amava um estilo mais alegre e menininha. Costumava ficar descalça no apartamento, pois a sensação do piso frio debaixo dos meus pés era uma delícia. Caminhei até a pequena cozinha e puxei o banquinho para alcançar o armário aéreo.

— Eu deveria pagar alguém pra consertar isso. — resmunguei, puxando uma das portas do armário.

O erro da altura do armário aéreo tinha sido de quem veio instalá-lo, infelizmente foi um erro e tanto para o meu tamanho. Peguei o milho de pipoca e desci do banquinho. Direcionei-me até a panela e joguei óleo, colocando no fogão em seguida. Aguardei que esquentasse um pouco e abri o pacote do milho de pipoca, colocando um pouco nela e tampando-a. Como cozinheira eu era um fracasso, portanto, não saí de perto do fogão até a pipoca estar pronta. Certa vez quase incendiei o apartamento por não saber usar uma panela de pressão.

Depois de colocar a pipoca em um recipiente de plástico, fui até a geladeira buscar o acompanhamento, um suquinho de maracujá que tinha feito mais cedo. Ouvi da cozinha o toque do meu celular, conseguia até imaginar quem era, com certeza, meus pais. Deixei tudo para trás e corri até o quarto para atender. Com o celular em mãos atendi a chamada de vídeo.

— Boa noite, pai! Como o senhor está? — perguntei, sorrindo. Meu pai Sebastião começou a tremer o celular. Ele não levava jeito pra aparelhos modernos.

— Filha, está me vendo? Arlete, vem aqui, não sei se nossa filha está me vendo! — berrou, ignorando a pergunta que havia lhe feito. Caí na gargalhada com o jeito atrapalhado do meu velho. Ele sempre chamava a mamãe para praticamente tudo.

Mamãe surgiu ajeitando seu cabelo curto. Ela era bem vaidosa, esperava chegar na sua idade e ser também assim.

— Pamel, está tudo bem, meu amor? — questionou, dando um leve empurrão no meu pai. Pamel, era o apelido que ela me chamava desde que era um bebê.

— Estou bem, mãe. E vocês estão? Cadê meu irmão? No banheiro batendo uma? — brinquei. Mamãe comentou uma vez que flagrou Gabriel no banheiro descabelando o palhaço.

— Estamos todos bem. Seu irmão não está em casa. Ele vive me dando cabelos brancos! O garoto é um rebelde... — não me surpreendi com a resposta dela, ele raramente parava em casa.

— Deixa eu ver direito a Pamela, Arlete! — papai resmungou, quase enfiando o olho na lente da câmera do celular. — Filha, quando vem pra casa? Seu pai está morrendo de saudades da garotinha dele viu!

Um dos maiores desejos do meu pai era me ter debaixo de suas asas para sempre. Gostava do seu cheiro de graxa por conta do trabalho na oficina. Ele trabalhava tanto que algumas vezes precisou tomar calmante por causa de estresse.

— Nas férias vou ver todos vocês! Não faça esse bico, papai! Não tem porque ficar chateado! Sabe que onde estou tenho mais oportunidades de crescer na carreira que escolhi.

— Eu te entendo filha, não ligue pro bico do seu pai. Conseguiu dar um jeito nos cupins do seu apartamento? — mordisquei os lábios com a pergunta dela. Deveria mentir? Não, porque ela saberia!

— Por enquanto não. A senhora sabe que trabalho muito e mal sobra tempo pra qualquer outra coisa... — justifiquei, querendo fugir o mais breve do assunto.

— É perigoso, Pamel. Cupins fazem mal à saúde! — disse ela, pronta para falar um monte se necessário.

Com medo de levar uma bronca da minha mãe inventei uma desculpa qualquer e encerrei a chamada de vídeo. Retornei para a cozinha e comecei a devorar a pipoca ali mesmo, tomando também todo o suco. Perdi o clima de assistir um bom filme naquela noite. Lavei a louça e fui para o quarto.

Arrumei as cobertas da minha cama e em seguida, sentei de frente pra escrivaninha. Usava aquela escrivaninha para desenhar. Eu não tinha um computador sobre ela e sim uma pilha de livros e cadernos de desenhos. Desenhar era um hobby e ajudava também a me acalmar. Quando era criança sonhava em ser estilista de moda, imaginava mulheres maravilhosas usando meus looks em todos os lugares. Nunca parei de desenhar roupas incríveis que nunca sairiam do papel. Por que nunca ousei tornar ao menos um dos desenhos em uma roupa real? Porque era mais fácil aceitar que elas eram apenas sonhos enquanto estivessem na folha de um caderno. Ter meus modelitos, por exemplo, no meu closet, partiriam meu coração em saber que somente eu poderia usá-los e mais ninguém.

Abri um dos cadernos de desenho antigo e fiquei um bom tempo admirando minha coleção de vestidos de verão. Chorei quando cheguei na página de vestidos de noiva, eram todos vestidos que possivelmente usaria no meu casamento um deles. Eu era muito solitária e por isso entreguei-me sempre a quem demonstrava um pouco de carinho. Mas tudo tinha mudado, drasticamente, entendi que para algumas mulheres o melhor era viver sozinha.

— Não seja boba. — murmurei, fechando o caderno.

Sexo sem compromisso era gostoso por um momento até os dois estarem satisfeitos e cada um seguir seu caminho. Durante um ano vinha tentando me adaptar à modernidade. Acontece que depois do prazer sempre veio a culpa, infelizmente eu não era aquele jeito, por mais que tentasse ser. No entanto, estava magoada e desconfiada demais pra tentar um relacionamento outra vez. Transar sem paixão não era tão empolgante. Ter desejos e saciá-los não costumava me fazer feliz.

Levantei da cadeira, indo até a cama. Joguei-me nela de bruços e ali fiquei. Não ter uma vida amorosa era algo que mexia muito com minha cabeça. Me sentia uma fracassada por não ter conseguido nunca manter um relacionamento. Por que tudo tinha que acabar? Não conseguia entender porque nunca fui valorizada de verdade. Adormeci molhando as cobertas com minhas lágrimas. 

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