Capítulo 6
Virginia notou o desespero do irmão, que começou a pressioná-lo, dizendo que ele estaria tão encrencado quanto ela se mentisse para a mãe. Então, o irmão falou:
— Outro dia ela ficou tão louca nessas festas que vai, que a pegaram bêbada, mãe, no meio de todo mundo! Sua filha não é tão certinha como você imagina. Meus amigos só sabem falar merda dela porque todo mundo acha ela uma safada!
A mãe gritou com ele, mandou que calasse a boca. Ela olhou para Virginia com os olhos cheios de lágrimas, um olhar horrível de decepção. Virginia ficou sem reação, com muito ódio do irmão. Falou que era mentira, mas a mãe respondeu alterada:
— Como você quer que eu acredite em você, Virginia, se você nunca me falou nada disso? Eu até cheguei a pensar que você era virgem e que me contaria quando deixasse de ser. Nunca fui careta, sempre tentei ser sua amiga, não te proíbo de sair, te dou tudo do bom e do melhor, e você faz esse tipo de coisa na rua?!?!
Virginia disse ao irmão:
— Espero que esteja satisfeito! Quem sabe agora você consegue toda a atenção dos dois só para você!
Ele retrucou que não era ele que estava fazendo merda na rua. A mãe mandou que ele saísse do quarto, e perguntou a Virginia se ela não ia contar a sua versão da história. Virginia ficou quieta, chorando. A mãe gritou com ela, dizendo para que falasse alguma coisa. Virginia respondeu alterada:
— Eu fui maltratada, o cara me usou, tá bom? Desculpa se eu tentei lidar sozinha com as minhas merdas, porque você já tinha as suas para se virar.
A mãe, chorando, perguntou o que tinha acontecido. Virginia falou que não queria conversar, pediu por favor várias vezes para que a mãe saísse e a deixasse sozinha. A mãe saiu do quarto, Virginia se trancou e chorou até pegar no sono.
No dia seguinte, segunda-feira, Virginia levantou cedo e começou a se arrumar para trabalhar como se nada tivesse acontecido. Levantou mais cedo só para evitar vê-los. Ela trabalhava em um mercado grande na área de magazine ("loja"). Primeiro entrou como menor aprendiz e foi ficando. Seu horário era das 7h00 às 15h00. Babi trabalhava no mercado também. De manhã, Virginia recebeu uma mensagem da mãe:
"Bom dia, filha, tudo bem? Não vi você sair cedo. Quando chegar, vamos conversar. Bom trabalho! Amo você."
Virginia respondeu somente "bom dia". Quase todos os dias elas trocavam mensagens com recados, fotos, memes. Virginia não falou nada com a mãe o dia todo. No final do expediente, combinou de ir à casa de Babi. Foram saindo juntas e viram o pai de Virginia parado na porta do mercado. Babi falou para a amiga, rindo:
— Amiga, você tá na pior! Se seu pai tá aqui é porque o bagulho tá doido na sua casa, hein? Se quiser correr, é a sua chance, eu distraio ele e você foge.
Virginia falou que não ia adiantar fugir porque ele ia cercá-la até conseguir o que queria. Chegaram perto dele, Babi falou:
— Oi, tio.
Eles se cumprimentaram. Virginia ficou séria e falou:
— Oi.
Ele respondeu:
— Oi, filha! Vim te buscar para a gente sair. Podemos ir comer naquele pesqueiro que você gosta. Bárbara está convidada se quiser ir também!
Babi falou que precisava ir para casa. Elas se despediram, Babi foi embora. Virginia respondeu ao pai:
— Hoje é segunda-feira, está fechado o pesqueiro.
Ele disse que podiam ir a qualquer lugar que ela gostasse para conversar, pediu que entrasse no carro e foi pegando a mochila de Virginia para guardar. Ela falou que queria ir para casa. Logo que entraram no carro, ele começou a falar que tinha medo e receio de estar prejudicando os filhos com a separação. Disse que notou mudança no comportamento de Miyuki também. Virginia continuou quieta, mexendo no celular. Ele falou, um pouco incomodado:
— Victoria, guarda o celular, por favor, filha. Sua mãe e eu estamos muito preocupados com você. Ela me contou o que aconteceu e você agiu daquela forma comigo também. Quero saber o que está acontecendo, somos seus pais, queremos te ajudar, a gente só quer o seu bem.
Virginia começou a chorar, sentindo vergonha e também ódio do irmão. O pai perguntou novamente o que estava acontecendo com ela. Virginia começou a contar o que aconteceu naquela festa, não com muitos detalhes porque sentiu vergonha. Falou que tinham colocado algo na bebida e que, quando ficou sozinha com o rapaz, ele se aproveitou e a usou. Também falou que foi antes do divórcio. Ele perguntou se naquela época ela foi ao médico fazer exames, ficou super nervoso querendo saber mais sobre o rapaz. Virginia falou que não, mas que não queria remexer no passado, que seus amigos tinham resolvido o problema com o cara. Os pais de Virginia eram novos e do tipo "legais", mente aberta, liberais, mas gostavam de tudo muito certo ao mesmo tempo. Virginia conseguiu se abrir mais com ele do que com a mãe, que já chegou com cinco pedras nas mãos. Ele ficou ciente então que ela não era mais virgem, mas acreditando que a primeira vez dela foi nesse episódio horroroso. Falou que ela devia ter contado a eles, para não precisar ter lidado com aquilo sozinha. Disse que ela podia sempre contar com ele, por pior que estivessem as coisas. Foram para o apartamento dele, Virginia não tinha visto ainda. Ele a levou até um quarto vazio e falou:
— Você ainda gosta de azul? Vou mandar colocar um papel de parede que fique com a sua cara. Podemos colocar um espelho bem grande na parede aqui também!
Virginia perguntou por que aquilo tudo. Ele respondeu sem jeito:
— Sua mãe e eu conversamos, decidimos que você vai ficar comigo aqui por um tempo. Eu tenho mais tempo livre do que ela, vamos ficar juntos mais tempo, Vick.
Virginia interrompeu e falou chateada:
— Ninguém me perguntou o que eu quero. Você não quer mais ficar com ela, isso não é problema meu. Quero continuar na minha casa, com as minhas coisas, é a minha vida.
Ele disse que ela tinha que acatar as escolhas deles, já que morava debaixo do teto deles, ganhando comida, roupa, tudo, que ela podia ter 30 anos, mas que ia obedecer se preciso fosse, enquanto morasse lá!
Chorando, Virginia olhou para ele e falou que a mãe ainda mandava nele mesmo estando separados. Foi pegar as suas coisas para ir embora. Ele começou a falar que queria cuidar dela melhor, que nunca quiseram impor nada ruim. Disse até que seria melhor porque lá no condomínio tinham muitas coisas legais, era próximo do centro. Virginia só falou que ia para casa e foi saindo. Ele se ofereceu para levá-la. Ela perguntou se tinha opção de escolher. Ele respondeu:
— É claro que tem, filha, espera, vou te dar dinheiro para você pegar um Uber.
Virginia parou no corredor tentando não chorar. Ele lhe deu o dinheiro, a abraçou falando que a amava muito, que era tudo para o seu bem. Virginia ficou quieta, entrou no elevador ainda chorando. Entrou em seguida uma menina com um cachorro. Ela limpou as lágrimas, prendeu o cabelo, disfarçando. A menina ficou de cabeça baixa tentando não olhá-la, falou sem jeito quando o cachorro começou a cheirá-la:
— Ele gostou de você.
Virginia abaixou e fez carinho no cachorro. A menina falou:
— Aslan, o nome dele é Aslan.
Virginia falou:
— Oi, Aslan.
A menina perguntou se ela estava bem. Virginia balançou a cabeça que sim. Chegou no térreo, falou tchau, saiu do elevador e foi embora...
