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5 - DAVID

Observo em expectativa o ponteiro menor encontrar o maior em cima do número nove, indicando que não há motivos para minha irritação continuar e como imaginei, ela não vem.

Ela não vem...

Ela não vem.

Ótimo. Um sorriso repuxa meus lábios e dou adeus  ao mau humor, quase me levantando para dar saltinhos de felicidade. Começando a ter uma nova perspectiva sobre a manhã infernal que estou tendo desde que acordei.

— Sr. Bragança, tem uma jovem aqui querendo vê—lo. — Leila diz do outro lado do telefone assim que o atendo, não esperando sequer que eu tome a primeira fala. — Permito que entre, senhor?

Pisco algumas vezes, checando meu relógio de pulso e vendo que não passou mais que um minuto desde a última vez que o chequei. 

— Quem é a moça, Leila? — Indago, apesar de já desconfiar de quem seja. Minha secretaria faz uma pausa em sua fala e tudo que posso ouvir são sussurros do outro lado da linha. — Leila?  — Tento chamar sua atenção.

— Senhorita Álvares, senhor. Ela disse que tem horário marcado, deixo que entre? — A mulher volta a fazer a mesma pergunta e bufo sem me importar com sua interpretação.

Deixo meu rosto cair sobre minha mão e praguejo baixo.

Droga!

— Deixe que entre. — Encerro a ligação, me ajeitando na cadeira logo que escuto o barulho na porta. Minha primeira reação é ficar de pé e sorrir de forma simpática.

— Bom dia, senhorita Álvares. Como está?  — Aponto com a mão para a cadeira a minha frente, esperando que ela entenda e se sente.

Leila pede licença e nos deixa a sós, dando um último olhar de pesar para a garota que não me passa despercebido.

O que diabos foi isso?

— Sr. Bragança? — Redireciono minha atenção de volta para a jovem mulher, me recriminando por ter esquecido de sua presença por alguns segundos.

Limpo a garganta, consertando minha postura na cadeira e a olho com atenção.

— Como está sua mãe? — Essa não era uma pergunta que eu realmente queria fazer, mas as palavras simplesmente saltaram pra fora dos meus lábios antes que eu pudesse racionar direito. Ela pisca, demonstrando certo desconforto com minha pergunta íntima e me recrimino pela segunda vez.

O que há comigo hoje?

Abro o primeiro botão do meu colarinho e afrouxo o nó da gravata.

Suspiro aliviado.

Muito melhor.

— Ela está tão bem quanto estava ontem. — Seu tom sai ríspido, arredio e até levemente sarcástico e não posso deixar de perceber que existe uma leve irritação em seus olhos.

Então, como se uma lâmpada acendesse na minha cabeça, percebo o óbvio.

A garota está tão desconfortável quanto eu nesse momento, embora talvez os motivos sejam diferentes, me sinto na obrigação de tentar arrumar as coisas.

Dona Hordéllis armou tudo isso, não eu. Minha progenitora usou de sua persuasão e me encurralou, jogou a garota e eu pra essa situação desastrosa. Sou um homem maduro, vivido e cabe à mim endireitar as coisas.

—Nelly. — Começo, fazendo uma pequena pausa para olhá—la e ter a certeza de que tenho permissão para usar seu primeiro nome. Ela apenas me olha com atenção. — Eu sei que meu relacionamento com sua pode ser estranho, afinal eu já fui seu professor e se olharmos toda a situação vai parecer até antiético da minha parte, mas...— Suspiro, não fazendo a mínima ideia do porque estou tendo essa conversa.

Eu não quero Kaciana. Aliás, não quero mulher alguma, já conheci o amor da minha vida e ela está morta e enterrada ao lado da sepultura do meu filho.

Não existe outra.

Nunca vai existir.

Limpo a garganta, adotando meu olhador de educador para garota.

— Não tem que me explicar nada, estou aqui apenas para informar que não posso aceitar o emprego. — Ela se levanta da cadeira, me impedindo de falar e ajeita a alça da bolsa em seu ombro, me oferece a mão para um aperto e adota uma expressão séria. 

Demoro para reagir, olhando pra sua mão como a porra de um idiota.

— Não. — Digo, me levantando do meu assento e rodeando a mesa até chegar na frente dela.

Ela abaixa a mão e dá um passo pra trás, como se minha presença sinalizasse algum tipo de perigo. Isso me irrita ao mesmo tempo que me estimula, acordando meu lado dominador de uma maneira errada.

— Preciso ir. — As palavras saem apressadas, como se ela tivesse se esforçado muito para dize—las.

Não posso controlar, avanço mais um passo em sua direção, cravando meus olhos nos seus e a desafiando indiretamente a se afastar.

Ela se afasta, dando mais um passo pra trás.

Sorrio e avanço mais dois passos em sua direção, a obrigando se afastar ainda mais para manter um espaço entre nós. Meu lado sádico começa a gostar do jogo de gato e rato, avanço ainda mais em sua direção até suas costas encostarem na parede.

— Sr. Bragança, eu...

— David. — A corrijo, parando apenas um passo de distância. — Me chame de David.

Ela franze o cenho e bufa, embora eu não tenha certeza se ela percebeu o que acabou de fazer.

Meu sorriso se alarga, meu sangue passando a correr mais rápido em minhas veias.

— Sr. Bragança. — Enfatiza meu sobrenome, deixando claro que este é o único tratamento que vai me dá. Por algum motivo, meu sorriso se alarga e quero provoca—la ainda mais. — Ah, por favor, se afaste! — Rosna, batendo com a mão no meu peito.

E como se a razão voltasse pra mim, eu me afasto e viro de costas. Me sentindo extremamente envergonhado.

Ela foi minha aluna. Estou saindo com a mãe dela.

Porra!

O que eu acabei de fazer?

— Sinto muito, Nelly. — Arrumo minha gravata, tentando o máximo possível reencarnar a figura profissional e volto meu corpo para olhar seu rosto.

— Você está bem? — Pisco, meio chocado com sua pergunta. Eu estava praticamente a encurralando minutos atrás e ela está perguntando se eu estou bem?

Então, percebo que sua atenção apesar de está em mim fica se desviando por intervalos curtos, segundos, para o porta retrato em minha mesa.

Meu corpo tensiona ao olhar para a foto e sinto minha saliva amargar, deixando um gosto ruim na minha boca. Limpo a garganta pela terceira vez só esta manhã e tomo o seu campo de visão, me posicionando de frente a fotografia.

Ela tenta disfarçar e desvia o olhar do meu, se afastando da parede e tomando um bom espaço de distância.

— Sim. — Respondo sua pergunta, evitando um silêncio constrangedor. Ela corrige sua postura e me olha confusa, não compreendendo minha resposta para sua pergunta. — Estou bem. — Completo.

Ela parece entender e finalmente assente, apertando os olhos um pouco antes de virar o rosto para a janela.

A estudo com curiosidade, tendo vagas lembranças dela de quando era minha aluna.

— Estou indo. — Corro para junto do seu corpo e seguro seu braço, impedindo que suas pernas avancem para a saída.

— Eu conheço minha mãe e sei que se você sair daqui sem ao menos tentar, ela vai encontrar mais de uma maneira pra te trazer de volta. — Suspiro, liberando seu braço do meu aperto. — Tente. Eu compreendo seu desconforto, mas prometo que meu relacionamento com sua mãe não vai atrapalhar nosso relacionamento profissional. A Bragança tem ótimos contatos e excelentes profissionais no mundo da publicidade, nos ajude a conseguir um novo rosto para a empresa.

— Eu não entendo nada de perfumes. — Sua voz sai baixa, quase como um sussurro e toco seu queixo, erguendo seu rosto para que me encare.

— Você será ótima. Tenho certeza disso.

Ela me olha com desconfiança, mas acaba concordando e aceita ser a nova estagiária do setor de marketing da Bragança perfumaria. Chamo Leila e peço que a ajude com o RH, como hoje é segunda e ela tem coisas pra resolver no outro emprego, dou—lhe esta semana livre e acordamos que comece apenas no começo da semana que vem.

Na hora do almoço recebo uma ligação de Dona Hordéllis e lhe conto sobre a novidade, dando exatamente a notícia que queria. Dispenso seu convite para almoçar, peço no meu restaurante favorito e como na minha sala, aproveitando o tempo para revisar toda a papelada que papai deixou.

— Boa noite. — Sorrio para Leila, acenando com a mão para que entenda que estou encerrando meu expediente uma hora mais cedo e ela pode fazer o mesmo.

Respiro aliviado assim que o elevador se fecha, abro três botões da minha camisa e retiro a gravata.

Céus, isso não é pra mim.

Eu sou a porra de um professor de história, estudei pra lidar com pirralhos arrogantes em uma sala de aula.

O elevador se abre no estacionamento e saio, acelerando meus passos o máximo que consigo. Preciso relaxar e só tem um lugar que vou encontrar o que preciso,flor de lótus, minha boate.

[•••]

Dentro de uma hora e meia, estou descendo as escadas privadas e entrando na ala principal da boate. Meu sócio, Gulliard, me apresentou a arte do sadomasoquismo no período em que morei na Itália, retirando o véu da moralidade dos meus olhos e me mostrando uma realidade infinitamente mais atrativa. A dor emocional foi substituída pela física, meu corpo passou a ser marcado e me tornei necessitado por esse tipo de distração. Não existem promessas ou amor, todos prezam a liberdade e tudo que é oferecido é devolvido em dose dupla. Eu domino e sou dominado. Gosto de marcar, mas também gosto de ser marcado.

Na verdade, meu corpo vibra cada vez que minha pele é rasgada, o calor da adrenalina percorre pelas minhas veis e qualquer resquício do passado evapora.

De repente, não existe acidente,  túmulos ou tristeza. Não existe nada além do prazer sujo.

Este é um pequeno segredo que venho mantendo por mais de um ano, minha mãe não pode saber da existência desse lugar. É meu refúgio para os dias ruins, também é aqui onde descarrego todas as minhas frustrações e desejos mais profanos. Eu sou um homem bom, mas não sou um bom homem e aqui, no subterrâneo da boate que mergulho na escuridão dentro de mim, libertando o animal refugiado sem nenhum pudor.

Eu me encontro enquanto me perco, mergulhando cada vez mais profundo na luxúria do pecado.  Não existe nenhuma mulher capaz de substituir minha falecida esposa, mas toda boceta é bem—vinda na minha cama. Não existem julgamentos, certo ou errado.

Eu fodo.

Duro e ruim.

No privado e em público.

Não sou um pervertido, mas existe um motivo para me chamarem de perverso nesse mundo. Eu não tenho piedade.

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