2. Convencida
Quando Thiago soube que Sonya mandou Beverly para um hospital psiquiátrico, não gostou nenhum pouco, e tentou convencê-la a trazer Beverly de volta para a casa. Sonya disse que enquanto Beverly não melhorasse, seria melhor que continuasse sob os cuidados de especialistas, para o seu próprio bem.
Thiago foi até o hospital visitar sua sobrinha.
— Veio me tirar daqui? — Beverly perguntou.
— Era o que mais queria, mas não posso. Só sua mãe, e ela não está disposta a fazer isso. Lamento. — Disse Thiago, sinceramente.
— Então é isso? Passarei assim o resto de meus dias? Se Gabriel tivesse me dito isso, acho que… — Ela suspirou, absorta. Diria mesmo “não” ao arcanjo que tinha seu coração? Se quando ela olhava em seus olhos sentia que os dois eram um só? Se quando ele sorria, tudo a sua volta se iluminava? Mas que preço alto ela pagou por amá-lo tanto. E no fim, valeu a pena? Nunca seus lábios sentiram os dele, nunca seus corpos se fundiram. E ainda assim, ela sentia que pertencia a ele, de corpo e alma. E em seu ventre trazia um pedacinho dele.
— Eu acredito em você, Bev. — Disse Thiago.
Ela o encarou, ainda sem acreditar se ele estava mesmo sendo sincero.
— Procurei por Gabriela, mas ela sumiu sem deixar rastros e ninguém no convento parece se lembrar dela. — Disse Thiago.
— Então ele foi embora? Me deixou aqui, sozinha?! — Falou Beverly.
Thiago se arrependeu de ter aberto a boca e ter dito aquilo porque deixou Beverly ainda mais triste.
— Ele mentiu para mim. Disse que nunca me deixaria, que sempre estaria comigo, mesmo quando eu não pudesse vê-lo. Não sinto ele. Ele se foi! Se foi e se esqueceu de mim. Claro… Não precisa mais de mim. — Ela alisou a barriga.
— Não acho que seja assim, querida. Mas se ele é mesmo um anjo, esse amor é proibido. A propósito, quando penso a respeito… Não sei. Isso tudo é tão estranho. — Thiago suspeitava que se tratasse de um anjo caído tentando trazer ao mundo um anticristo, mas temia dizer isso a Beverly e perturbá-la ainda mais. De qualquer forma, ele ainda não descartava totalmente a teoria de Sonya, de que ela fora abusada sexualmente e agora estava temporariamente insana.
— Com licença?
Thiago se virou e seus olhos encontraram os de uma mulher alta, loira, com olhos azuis, na casa dos trinta. Uma médica. Em seu crachá estava escrito “Doutora Rafaela Arcangeli”.
— Sinto muito em interromper, mas está na hora da sessão dela. Muito prazer. Sou a doutora Arcangeli, a nova psiquiatra dela.
— Sou Thiago Harvey. Tio de Beverly. Desculpe perguntar, mas o que houve com a doutora anterior, a senhora Shepard? — Disse Thiago desconfiado.
Rafaela deu um risinho e disse:
— Honestamente, padre? Não sei. Mas me mandaram aqui e, quem sou eu para questionar? Me preocuparei apenas em fazer meu trabalho da melhor forma possível, claro, se não tiver nenhuma objeção. Se quiser, podemos conversar depois sobre a paciente. Falei mais cedo com a senhora Harvey ao telefone, mas quanto mais informações acerca da paciente eu tiver, tanto melhor.
— Claro… — Thiago se voltou a Beverly e despediu-se dela, com um abraço e um beijo no rosto.
Beverly seguiu sua médica até a sala dela. As duas sentaram-se e se encaram por um tempo até Rafaela sorrir e quebrar o gelo:
— Sou Rafaela Arcangeli.
— É, sim, já disse isso.
— Arcangeli… — Ela pronunciou seu sobrenome com ênfase.
— Hum rum. — Falou Beverly assentindo com a cabeça.
— Sabe o que significa Arcangeli em latim? — Perguntou Rafaela.
Beverly deu de ombros.
— Arcanjo? — Arriscou.
— Sim. — Falou Rafaela animada. — Se tirar a última letra de meu nome, como fica?
Beverly engoliu em seco.
Aquela médica estava tentando zombar dela ou estava tentando dar-lhe uma pista?
— Oh! Isso sempre dá certo com o Uriel! Menos comigo! Acho que, definitivamente, humor não é mesmo o meu forte. Sou eu, Beverly! Rafael, ou Rafaela! Dá no mesmo! — Disse o arcanjo sorrindo.
— Jura pra mim que isso é real, que não é um tipo estúpido de teste para… Sei lá… Detectar o quão louca estou? — Falou Beverly.
Rafaela estalou os dedos e no instante seguinte, as duas estavam em um café em Paris.
— Adoro os Macarrones que servem aqui! — Falou Rafaela sorrindo.
Beverly olhou ao seu redor com um misto de curiosidade e espanto.
— Estamos de fato aqui ou é apenas uma ilusão?
— Ilusão? Ora, isso é para Elementais. — Rafaela riu e ofereceu um macarrone azul a Beverly. Ela recusou, gentilmente, sentindo o estômago revirar um pouco.
— E Gabriel?
Rafaela fez biquinho.
— Puxa! Só estamos aqui há poucos minutos e em vez de curtir o lugar e a minha companhia, você está mais preocupada com Gabriel?! Ora, ele está tratando de um assunto importante agora.
— O que pode ser mais importante que…?
— Detesto ser grosseira, MAS… O mundo é enorme e tem várias pessoas precisando de ajuda nesse exato instante. Nós, arcanjos, temos muito trabalho. E embora pareça que estou à toa aqui saboreando esse macarrone enquanto falo com você, não é bem assim. Estou numa missão.
— Que missão? — Perguntou Beverly, curiosa.
Rafaela encarou a barriga de Beverly, sorrindo.
— Meu tio insinuou, pouco antes, de você aparecer, que…
— Somos anjos caídos? Magoei. — Falou Rafaela séria.— Entendo a preocupação dele, mas não. Não somos anjos caídos.
— Pensei que relações entre anjos e humanos fossem proibidas. — Disse Beverly.
— E são! Nada de amassos com humanos, nem mesmo anjo com anjo pode. — Rafaela fez uma pausa para morder e mastigar seu macarrone. — Então, se está pensando isso por causa do bebê, juro que Gabriel nunca tocou em você. Ele poderia… Poderia fazer isso e apagar a sua mente, claro, se quisesse, se fosse mau, porque tem poder o suficiente para isso, mas não. Ele não é assim.
— Então, como…?
— Da mesma forma que com Maria, um milagre! — Respondeu Rafaela. — Com a diferença que foi Gabriel quem “moldou” o bebê. Uma novidade divertida que animou muitos de nós. É quase como se fôssemos mesmo os pais dessas crianças.
— Oh! — Falou Beverly.
— Desapontada?
Beverly deu de ombros, tentando disfarçar sua frustração.
— É que seria um pouco estranho se saíssemos espalhando nossas sementes por aí. Não somos assim. Só estamos transportando alguns de nós para cá. Nada demais. Ainda assim é uma missão arriscada porque os anjos caídos estão empenhados em nos impedir de ir adiante. — Falou Rafaela.
— Quer dizer então que corro perigo? — Perguntou Beverly.
— Não. Protegeremos você. — Disse Rafaela com tanta segurança que quase convenceu Beverly. Quase.
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Sonya estava sentada na sala, encarando o retrato de Beverly. Se sentia uma péssima mãe por tê-la mandado para o hospital psiquiátrico, mas também sentia que não poderia fazer muito por ela, dado o estado em que ela se encontrava. Ela poderia acabar se machucando.
A campainha tocou e Sonya deixou o retrato em cima da mesinha de centro antes de se levantar e ir abrir a porta. Deparou-se com um jovem louro, que aparentava ter mais ou menos uns trinta e poucos anos. Era belo e elegante.
— Olá, senhora Harvey. Sou Gabriel. Precisamos conversar. — Disse o jovem, sério.
— Desgraçado! Infeliz! Por que fez isso com minha filha? Por quê? — Disse Sonya batendo em Gabriel.
Gabriel não se abalou. Já esperava por uma recepção semelhante. Segurou os braços da mulher e a encarou nos olhos, muito calmo, antes de dizer-lhe:
— Sua filha não está louca e não mentiu. Tudo o que ela disse é verdade! Sou mesmo um anjo, senhora.
Sonya riu.
Gabriel a empurrou para dentro e encostou a porta, antes de começar a desabotoar seu sobretudo azul-escuro.
— O que está fazendo? Você é doente! Vou chamar a polícia! — Disse Sonya recuando.
— Veja! — Gabriel jogou seu sobretudo no chão e tirou a camisa branca de mangas longas. Virou-se e asas brancas e brilhantes surgiram em suas costas.
Por um momento, Sonya pareceu uma estátua. Sem nem piscar. Apenas observando algo surreal.
Gabriel virou-se e suas asas desapareceram da mesma forma que surgiram. Ele vestiu sua camisa e seu sobretudo e encarou Sonya. Deixaria que ela dissesse algo primeiro, para não impressioná-la ainda mais. Sonya sentou-se no sofá e abaixou a cabeça. Ficou assim por um tempo, até que conseguiu dizer alguma coisa:
— Rezo para vocês desde pequena, mas nunca imaginei que vocês pudessem se materializar e interagir conosco dessa forma. Por que Beverly? O que a torna especial para vocês?
Gabriel veio devagar e sentou-se no sofá em frente ao de Sonya.
— Em primeiro lugar, ela não é a única. Não encarregaríamos uma única pessoa a uma missão tão delicada, mas sua filha é importante, todas as escolhidas são. O que a torna especial é sua pureza, seu bom coração e sua fé na humanidade e em um mundo melhor. Só alguém tão nobre assim poderia dar à luz a um anjo. Precisamos de muitos deles aqui para proteger a humanidade. Os anjos caídos têm exercido cada vez mais influência sobre as pessoas fracas e despreparadas. Não podemos permitir que eles continuem a corromper a humanidade. Por isso, precisamos que haja alguns de nós para guiar as ovelhas perdidas de volta ao rebanho. Infelizmente, humanos são complexos demais e não os compreendemos em sua totalidade. Portanto, nascer entre os mesmos é a solução. Compreendo que, talvez seja difícil para você. Mas dou minha palavra de que manteremos sua filha a salvo. Ela pode continuar com você, ou… Pode vir comigo.
Sonya percebeu que ele estava lhe dando um ultimato: Tirar Beverly do hospital, ou ele mesmo faria isso, com a diferença de que, talvez, ela nunca mais voltasse a ver a filha novamente.
— Se não a quiser, nós a queremos, senhora. — Disse Gabriel.
O que fora isso? Uma bronca mascarada?! Sonya arqueou uma sobrancelha. Gabriel se manteve firme. Não gostara nenhum pouquinho do que aquela senhora fizera com a filha e não se obrigaria a ser compreensivo.
Geralmente, ele sempre via os dois lados da moeda, mas dessa vez, não. Estava envolvido demais com Beverly para ver qualquer lado que não fosse o dela. Sabia que não era o certo, mas não estava se importando muito naquele instante. Só queria vê-la livre e em segurança.
— Tem razão! Sou uma péssima mãe! — Sonya suspirou, derrotada.
— Não. Não é. Só cometeu um erro quando escolheu não confiar em sua filha. — Falou Gabriel.
— Tente se colocar em meu lugar… Toda essa história é absurda demais. Agora mesmo se eu contar a alguém que conversei com um anjo, me mandam para um hospício.
“Para onde mandou sua filha”, ele quis dizer, mas conteve-se.
— Bem, agora, sabe o que fazer. — Disse Gabriel e desapareceu num piscar de olhos, deixando Sonya boquiaberta.
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Rafaela e Beverly estavam no centro de Stonehenge.
— Esse é meu lugar preferido! Sabe, é divertido ver como vocês tentam adivinhar como cada pedra dessa chegou aqui e qual a finalidade dessa obra. É uma arte que vocês não compreendem, mas, que ainda assim, apreciam.
— Afinal, quem criou isso tudo? — Perguntou Beverly.
— É segredo. — Rafaela riu. — Brincadeira. Foi o…
— Oi? — Disse Gabriel ao aparecer de repente.
— Gabriel! — Falou Rafaela feliz em vê-lo.
Beverly suspirou. Era a primeira vez que via Gabriel em uma forma masculina. Se vê-lo em uma forma feminina já o tornava irresistível, imagine então, em uma forma masculina? Ela ficou parada ali mesmo como se fosse mais uma pedra do megalítico.
Gabriel, primeiro, se aproximou de Rafaela e a abraçou. Fazia um tempo que os dois não se viam e apenas trocavam mensagens telepáticas.
Gabriel se aproximou de Beverly e sorriu. Beverly sentiu o coração disparar.
— Eu sempre cumpro minhas promessas. — Ele disse e a abraçou.
E não havia sensação melhor no mundo que aquela de estar nos braços dele. Segura. Amada. Amada? Sim, talvez, não da forma que ela gostaria, mas, ainda assim, amada.