Capítulo 6
Quando Lattner me disse que iria ver seu irmão, eu não tinha imaginado isso.
Mentalmente, imaginei uma visita de cortesia, talvez entre duas pessoas que não estivessem dispostas a conversar ou até mesmo dispostas demais a discutir.
Eu nunca teria pensado que as flores que Lattner levou com ele não tinham a intenção de acalmar o ambiente, mas eram apenas uma decoração triste.
Nunca pensei que me encontraria parado em frente a um túmulo.
Enrolei minha jaqueta em volta de mim e deixei minha respiração se afogar no lenço que eu segurava ansiosamente com as duas mãos.
Estávamos parados há dez minutos, olhando para a foto de alguém que morreu cedo demais, que eu não conhecia, mas sentia que conhecia.
A semelhança era impressionante. Dava para perceber a quilômetros de distância que eles eram irmãos.
Lattner segurava um buquê de flores em uma das mãos e na outra um cigarro, um entre muitos.
Ele continuou fumando um após o outro. Assim que terminava um, acendia o próximo com a bituca.
O túmulo estava limpo e cheio de flores. Parecia ser cuidada com muito empenho e devoção, como se, ao fazer isso, ele estivesse de alguma forma cuidando de alguém que não estava mais fisicamente ali.
- Sabe, temos quase a mesma idade agora. Engraçado, você não acha? ela sussurrou, segurando a capa até os nós dos dedos ficarem brancos.
Olhei para a foto e para as datas ao lado dela. Samuel havia morrido por volta dos vinte e seis anos, pouco antes dos vinte e sete, alguns dias antes de seu aniversário. Ele e Lattner tinham nove anos de diferença, portanto, na época em que tudo aconteceu, Lattner tinha a minha idade. Ele tinha dezoito anos.
Tudo aconteceu há oito anos, mas pela expressão de Lattner, parecia que não havia se passado um dia sequer.
Engoli um gole amargo e senti um emaranhado de cobras em meu peito. - Há quanto tempo você não o visita? - Por pedir minha presença, deve ter custado muito para ele estar ali, em frente àquela lápide.
Ele encolheu os ombros. “Vários anos... cinco ou seis... acho que perdi a conta. - Ele soltou uma baforada de fumaça e percebi que seus dedos tremiam.
Eu não conseguia ler as emoções naquele olhar. Ele estava concentrado naquela foto e parecia vazio de tudo. Sua aniquilação foi aterrorizante.
- Está - está muito bem conservado... as flores estão frescas e está limpo. Alguém deve visitá-lo com frequência. - Eu me senti estúpido por ter esse tipo de conversa fiada, por querer necessariamente encontrar algo a dizer para ocupar aquele silêncio.
Mas eu precisava ocupá-lo. Eu precisava.
Lattner parecia tão distante do mundo, de si mesmo, que eu temia que bastasse um momento para que eu perdesse pedaços dele.
- Sim... no final, para eles, o verdadeiro filho morto sou eu. -
Abri bem os olhos de surpresa. Um arrepio percorreu minha espinha. - Por que você diz isso? -
- Porque é o que eles gostariam de ter. Para sempre. Talvez por toda a vida. -
Eles.
A ideia de que os pais prefeririam a morte de um filho à morte de outro era revoltante. Provavelmente nem mesmo o meu, com todos os seus defeitos, jamais teria se sentido tão desprezível.
Ele colocou as flores ao pé do túmulo e acariciou o rosto do irmão com dois dedos. Eu o vi engolir, tentando engolir a dor. Um momento depois, ele se afastou e exalou ruidosamente.
Ele parecia tão pequeno com aquela jaqueta comprida que abraçava seus joelhos, com aquele lenço cobrindo a maior parte do rosto, como se estivesse tentando se esconder do mundo.
Porque o mundo é assustador, ele machuca, machuca mais do que uma faca ou uma bala.
Estendi a mão e peguei sua mão agora livre. Eu o vi pular e tremer, mas ele não cortou o contato, pelo contrário, entrelaçou seus dedos com os meus e apertou com mais força.
Não fiquei surpreso com esse gesto, embora eu fosse Samuel e não Samuel.
Às vezes, quando você está sofrendo, você simplesmente se agarra ao abraço mais próximo.
Eu queria fazer mais, abraçá-lo e dizer a ele que a dor um dia diminuiria, que deixaria uma cicatriz e desapareceria. Mas isso seria uma mentira.
A dor nunca diminui. Talvez ela possa ficar adormecida por um tempo, dar um tempo, fazer com que você pense que ela se foi; mas ela está sempre lá, à espreita, pronta para lembrá-lo de quem e do que você perdeu.
-Como ele era? - aventurei-me. Eu nunca teria tido a coragem de perguntar a ele do que ele morreu e, a menos que ele tivesse me contado, eu nunca teria perguntado.
- Oh, você teria gostado dele. Ele era um cara muito legal. -
- Certamente teríamos nos aliado contra você. -
Lattner assentiu com a cabeça, um lampejo de alegria cruzando seu rosto, breve e evasivo como um sopro de vento. - Como você definiu seu irmão? Um chato, certo? Bem... Samuel era um pouco assim. Um grande chato, um nerd. Mas entre os dois... ele era o melhor, em todas as frentes. -Ele voltou a fumar. Agora eu entendia que esse vício dele estava bem ligado à dor em seu coração. Quando ele estava tenso, ansioso, triste... ele fumava. - Ele era gentil, talvez gentil demais... educado, correto, bom na escola... na verdade, eu diria que era um gênio. Ele queria ser professor de matemática. - Ele soltou uma risada seca, segurando o cigarro entre os dentes.
Ah, não... agora eu entendi!
Eu estava começando a entender muitas coisas. Tudo muito doloroso. Muito difícil de suportar sozinha, sem ninguém em quem se apoiar quando o peso parecia muito grande.
Eu sabia o que significava ser a filha errada, a menos talentosa, a mais problemática. A filha vergonhosa, aquela que nunca foi adequada, nunca foi suficiente.
O peso que esmagava sua consciência devia sufocá-lo dia após dia, semelhante à sensação sufocante de duas mãos apertadas em volta do pescoço.
Agora eu entendia aqueles olhares vazios dele, entendia aquelas expressões tristes e dolorosas, entendia aquela tentativa deslumbrante de rir de tudo, de viver.
Exceto em Missan. Era lá que Samuel estava. Lá ele se vestia com os sapatos do irmão e se comportava de maneira digna dele, de sua memória.
Ela havia voltado atrás em seus sonhos, em suas ambições. Ela havia seguido o caminho que ele queria seguir.
Mas, dentro dessas escolhas, onde estava Lattner? Quem era ele?
Onde Thomas havia se desviado?
- Mas o que você gostaria de fazer quando crescesse? -
Lattner olhou para mim com o canto do olho e sorriu levemente. - O astronauta. -
Tentei conter uma risada que saiu com um bufo nasal. - Pare com isso! -
Ele deu de ombros e olhou para Samuel. - Acho que nunca pensei em minha vida em termos de futuro antes de escolher ser professor. E, acredite, ninguém me obrigou a fazer isso. Eu não escolhi o caminho do meu irmão para... não sei, para satisfazer seus desejos. Simplesmente aconteceu. Foi apenas uma sucessão de eventos estranhos que me levaram até lá, exatamente no mesmo caminho que ele. -
- Então você gosta de ser professor? -Não era mais uma pergunta.
Eu penso sobre isso. - Sim, eu diria que sim. E então, ser professor, ser o Sr. Lattner e não apenas o Thomas... isso me liga ao que é certo... e não apenas ao que eu gostaria. - Ele soltou uma baforada de fumaça, soprando-a pelas narinas. - Sabe, Samuel... Eu sempre fui um cara que nunca se importou com nada. O que eu queria, eu tinha... é claro. Sem nunca pesar os prós e os contras, apenas satisfazendo todos os meus caprichos, mas... - Ele ergueu os olhos para o céu e sorriu, talvez para o próprio Samuel, quem sabe, talvez ele realmente estivesse nos observando lá de cima. - Mas eu entendo. Percebi que toda ação tem um peso... e não vale a pena carregar toda essa merda nos ombros. -
- Então, como você era antes? -
Ele se virou e, usando o polegar e o indicador, jogou a bituca de cigarro para longe dele. - Eu não era nada como sou agora. Não tinha estabilidade, nem valores. Eu era um rio furioso, um vulcão ativo, um maremoto, um furacão. Eu era a essência da rebeldia, da impetuosidade e da total indiferença. -
Eu ria. - Palavrões. -
“Eu juro”, disse ele, sorrindo e passando a mão na nuca em sinal de constrangimento. Suas bochechas estavam vermelhas e ele não me olhou nos olhos.
- Você? Só você? Mas agora você é um tolo endurecido e um travesso e perturbador criador de travessuras até a medula. -
Exceto quando está no trabalho. Há o impenetrável Sr. Lattner, o excelente professor.
Mas agora eu entendo, sabe?
São todas máscaras. Máscaras que você usa para esconder suas fraquezas, para evitar que as cicatrizes do seu coração apareçam.
Estendi minhas mãos para bagunçar seus cabelos, ele ficou surpreso com essa iniciativa, mas reagiu imediatamente. Ele agarrou meus pulsos e me empurrou para frente.
Naquele pequeno espaço entre nossos corpos, o calor de nossas respirações deslizava de uma boca para a outra como se estivéssemos nos beijando. Senti que ele fazia cócegas em meus lábios como se estivesse esfregando os seus contra eles. Estávamos tão próximos que bastaria um passo para nos vermos fundidos em um emaranhado de camadas de roupas e corpos sólidos.
Eu queria beijá-lo.
Era um impulso incontrolável e primitivo, desprovido de lógica e, ainda assim, tão profundamente enraizado em minha mente.
Eu queria gravar em sua pele, em seus lábios, todas as sensações que ele conseguia me proporcionar dia após dia; beber seu perfume de seu corpo, afogar-me em seus sabores. Eu queria transmitir a ele minha paixão, meu desejo, meu desejo. Queria consumi-lo, esgotá-lo; admirava suas expressões mais íntimas, aquelas concedidas somente àqueles que haviam compartilhado sua cama.
Eu tremia, dominando com dificuldade esses apetites. Corei com meus próprios pensamentos.
- E - e quanto a esse Thomas? - gaguejei, concentrando-me insistentemente naquela boca. O suficiente para me forçar a engolir em seco.
Tive que me acalmar. Eu era Samuel, não Samuel.
Um suspiro escapou dele. Uma luz ardia em seus olhos que eu não reconhecia, um sentimento para o qual eu não conseguia encontrar um nome. - Ele está sempre aqui... você não consegue ver isso? - ele sussurrou.
Antes que eu pudesse responder, ele me puxou para si e me abraçou. Eu o senti tremer como uma criança assustada, desintegrando-se e mantendo os pedaços juntos apenas por causa daquele aperto sólido. Ele estremeceu e eu poderia jurar que ouvi um soluço.
Naquele momento, ele tirou todas as máscaras. Parecia frágil e despedaçado. Verdadeiro de todos os ângulos, mais real e vivo do que eu jamais ouvira antes.
-Thom--
“Não diga nada”, ele murmurou, contra meu pescoço. Sua respiração atingiu minha pele até que todos os pelos do meu corpo se arrepiaram. Um instante depois, senti o formigamento de seus lábios, a um passo de minha pele, tocando-a tão levemente que fez minhas pernas tremerem.
Eu me arrepiei.
Ficamos assim por vários minutos que encontraram seu próprio tempo em minha cabeça.
Seu corpo perto do meu, seu calor tão envolvente, sua estatura capaz de se sobrepor a mim; todas essas sensações eram tão intensas que preenchiam cada canto de mim.
Fui forçada a passar a língua sobre meus lábios ressecados várias vezes antes de falar: “Olha, Samuel... Eu vou cuidar dele, ok? Eu cuido dele, ok?”. Prometo ser um bom colega de quarto e me certificar de que ele se alimente de forma saudável, permaneça limpo e não se meta em problemas... portanto, não se preocupe com seu irmãozinho, está bem? - eu disse em voz alta, olhando para o túmulo do meu irmão ainda envolto em meu abraço.
Lattner se afastou de mim abruptamente, tão rápido que cambaleou; imediatamente pensei que havia cometido um erro, que o havia ofendido. Então notei que seu rosto estava vermelho como eu nunca tinha visto antes. Ele cobriu a boca com as costas da mão e, quando percebeu que eu estava olhando para ele, afastou-se de mim. - Fo - Talvez seja melhor irmos comer alguma coisa, já está ficando tarde. -