Capítulo 4
Ele estendeu a mão, agarrou-me pelo lenço e me puxou para ele com um puxão. - Você realmente quer ver por que eu tenho um fetiche, garotinha? -
“Cuidado, talvez eu goste”, sussurrei, perto de seu rosto. Eu estava furiosa.
Nada nele era legível. Começando pelo corpo completamente coberto por roupas grossas e terminando com a cabeça e o rosto muito bem cobertos por um capacete, um cachecol e óculos vintage. Tudo nele estava afogado em incerteza. Ele era o nada, o vazio. Era uma sombra que aparecia e desaparecia à vontade. Ele existia e não existia ao mesmo tempo. Como se pertencesse a uma dimensão diferente ou estivesse isolado do próprio mundo. Uma anomalia, um detalhe invisível, mas indispensável.
Era esse erro fixo que me incomodava todos os dias, essa fixação que ficava na minha cabeça, talvez mais por curiosidade do que por qualquer outra coisa.
Era a parte ruim de cada um de nós, que surgia à noite como morcegos, que vagava pela escuridão em busca de suas vítimas, que trazia consigo uma marca e uma reputação aterrorizantes.
Quem é o rei das caveiras?
Quem é você?
- Você se disfarça de homem para esconder um segredo que, tolamente, revelaria com as próprias mãos em uma luta. Sabe como é... ter os mesmos ferimentos que seu alter ego não seria mais uma boa combinação. -
Eu estava prestes a responder, mas fui pego de surpresa. -E como você sabe disso? -
- É bastante óbvio! Ele estendeu a mão e passou os dedos por minhas franjas. Embora suas palavras fossem cruéis e cortantes, seu toque era gentil. Muito gentil. - Você as tinha há tanto tempo... um verdadeiro desperdício cortá-las assim! -
É o Nate! E ele! Só ele sabe todas essas coisas.
Não, não, não! Esse cara também me conhecia antes, mesmo quando eu as tinha há muito tempo.
Merda! Estou de volta ao topo novamente!
- Força. Vou levá-lo para casa! - Ele agarrou meu pulso, puxando-me em direção à bicicleta e eu instintivamente segui seus movimentos, embora não estivesse totalmente convencido de que era a escolha certa. A presença dele tinha a capacidade de me confundir, e descobri que, às vezes, minhas decisões sobre os homens sempre acabavam me metendo em muitos problemas.
- Espere! Interrompido! Como você sabe onde eu moro? -
- Eu lhe disse. Eu sei tudo sobre você. - Ele deslizou mais para dentro do tanque para permitir que eu subisse atrás dele, ainda segurando meu pulso como se não confiasse em mim para soltá-lo, como se tivesse medo de que, quando eu o soltasse, ele pudesse fugir.
- E - e o capacete? -
- Não tenho mais... mas não se preocupe, vou devagar. - Ele sorriu.
Sim, é claro... Claro que sim!
Quando eu estava sentada na bicicleta, livre de seu aperto, o calor de seu corpo me protegeu dos ventos frios de dezembro. Eu não conseguia nem tocar suas costas porque me sentia tensa. Estendi as mãos à minha frente por um momento e, quando as vi tremendo, coloquei-as no bolso com vergonha.
Eu queria parar de me sentir tão pesada, parar de ficar tão nervosa perto dele, parar de esperar vê-lo de novo e de novo.
Isso estava errado. Tudo em nosso relacionamento estava errado.
Bati minha cabeça contra a jaqueta dele e o senti enrijecer ao toque. - O que - o que você está fazendo? - ele me perguntou. Foi estranho ouvi-lo hesitar. Por um momento, quase pareceu que meu gesto o havia envergonhado, pego de surpresa.
- Só estou cansado. - E talvez não fosse o tipo de cansaço físico em que basta um cochilo e você está como novo. Eu me sentia cansada por dentro, dividida ao meio entre dois eus que eu não reconhecia.
Eu não era nenhum dos dois. Quem era eu? No que eu havia me transformado?
Observei-o pegar minha mão às cegas, sem se virar, e quando ele a apertou, ficou parado por um momento, aquecendo-a entre as suas. - Você não precisa ser sempre perfeita, ser sempre a garota modelo que todos querem. Não precisa fingir ser outra pessoa. Não precisa sorrir o tempo todo... mesmo quando algo está errado. -Ela apertou minha mão com mais força e eu arfei. - Você também pode cair e cometer erros. Você pode chorar, gritar e dizer basta. Às vezes, você pode ser egoísta... porque você nunca é. Você pode, Samuel... -
Eu queria dizer a ele para parar. Para ficar em silêncio. Para não dizer aquelas coisas. Para não encher minha cabeça com aquelas frases gentis que me justificavam, que me acariciavam como carícias e me confortavam.
E, em vez disso, fiquei imóvel, com a testa ainda colada em seu casaco, os olhos arregalados e as lágrimas silenciosas caindo sem que eu pudesse fazer nada para impedi-las.
Essas eram as palavras que eu sempre esperei ouvir, que eu sempre procurei.
Uma confirmação, uma permissão.
A possibilidade de poder escorregar de novo, de novo, de cair. Permitir-me o luxo de cometer alguns erros, mesmo que meu passado já estivesse cheio deles. Para tirar o fardo daquele dedo constante apontado para mim, pronto para me apontar e julgar.
Ele me puxou para junto dele, de modo que fiquei em sua cintura. - Mas segure-se firme... não caia comigo. Eu não vou fazer você cair. -
Eu corei e o abracei fracamente, frágil como eu estava naquele momento. Eu me sentia como se estivesse na ponta dos pés em um novo caminho da vida, cheio de novas emoções e novos obstáculos a serem superados. Eu não estava preparada. Eu estava com medo.
Ele começou com calma e foi sincero, não muito rápido. Deixou que meus olhos se acostumassem com a velocidade e a escuridão das ruas secundárias, deixou que meu rosto fosse acariciado e esbofeteado pelo vento toda vez que eu me inclinava ou se aquecia toda vez que me abrigava atrás dele.
Não foi uma viagem longa, mas foi o suficiente para deixar meu nervosismo de lado e me desconectar. Senti que estava deixando minhas preocupações para trás, substituindo-as pela emoção da viagem e pela excitação dos meus braços ao redor do corpo dele.
Quando ele parou e desligou o motor, antes de sair, toquei levemente os contornos do desenho em minha unha: uma caveira com uma coroa e, embaixo, as palavras “las calaveras”. Parecia personalizado, pelo menos a coroa, como se tivesse sido adicionada mais tarde.
Eu não tentava mais descobrir como ele sabia onde eu morava. Agora eu entendia que ele não me responderia. Simplesmente desci da motocicleta e consertei meu chapéu, que já havia corrido o risco de cair muitas vezes ao longo do caminho.
Batendo os dedos no tanque, ele se virou para me olhar. Eu teria preferido segurar melhor seu olhar, tão escondido atrás das lentes de seus óculos. - Samuel Quinto... Um passado como bandido, um presente como modelo falso e um futuro... Como você será no futuro? Já decidiu? -
Ah, boa pergunta!
Torci o nariz. Encerrar-me nesses termos diminuía muito minha personalidade. Afinal de contas, eu não era apenas isso. Eu era muito mais. Ou talvez eu apenas esperasse isso. - Vejo que você fez sua lição de casa. Parabéns! - eu disse, apontando com o braço para o prédio atrás de mim, o mesmo onde eu morava. - E quanto a você? Já que perguntou... imagino que já tenha em mente qual será o seu futuro, Lorde Rei dos Crânios. -
Foi uma estranha coincidência: um rei dos crânios e uma rainha dos escorpiões. Aquele motoqueiro misterioso e eu nos complementamos muito bem!
Ele encolheu os ombros. - Não tenho muitas expectativas para o meu futuro, para ser sincero. -
- Ah, droga... me desculpe! Não tenho lenços de papel para enxugar as lágrimas de sua vitimização. -
Ele riu e eu senti meu rosto esquentar sem motivo aparente. Com o lenço para esconder até mesmo sua risada, tudo nele estava envolto em um véu de mistério. No entanto, ele me chamava, me atraía.
O lado sombrio era a tentadora isca contra a qual eu lutava constantemente.
Estendi a mão, tocando o tanque da motocicleta com meus dedos, estava quente como se sangue quente fluísse para dentro dele, como se estivesse vivo. - Talvez eu devesse ir embora. -
- Eu diria que sim... mas você não está se esquecendo de algo? -
Fingi pensar sobre isso por um momento, batendo no queixo com o dedo indicador. - Você está dizendo que eu deveria lhe agradecer? -
Ele riu. - Estou dizendo que você deveria...
Eu teria agradecido. E não por ter intervindo na briga, mas por todo o resto. Pelas palavras, pela passagem, por ele. Por sua mera presença.
Eu teria feito isso, mas do meu próprio jeito.
- Bem, então, obrigado. - Mantendo meus dedos apontados contra a carenagem da motocicleta, aproximei-me de seu rosto e deixei que meus lábios se encaixassem perfeitamente nos dele, escondidos pela camada de tecido. Eu o ouvi respirar pesadamente contra o tecido, contra minha boca. Uma troca de respirações e suspiros. Nada parecido com beijos de verdade, mas mais intenso do que eles, como se sua força devastadora não fosse de forma alguma contida pelo impedimento do cachecol.
Eu o ouvi sussurrar meu nome, seguido de uma maldição colorida que só fez meu desejo aumentar ainda mais.
E então, agarrando-me pela cintura, ele me puxou para si, deixando o beijo durar mais do que deveria.
Senti seus dentes rasparem o tecido, apertando meu lábio inferior até eu gemer. Levantei a mão para acariciar suas bochechas, embora escondidas, e apertei o tecido do cachecol, mas antes que eu pudesse puxá-lo para baixo, ele me impediu. “Não... não posso”, ela ofegou, e foi emocionante senti-lo chegar tão longe.
Então eu não era a única que sentia um exército de borboletas no estômago toda vez que o via.
“Talvez seja melhor eu ir”, ele sussurrou, ligando a motocicleta.
“Quero vê-lo novamente”, eu disse de repente, agarrando seu braço.
Ele passou o polegar em meu lábio inferior, limpando qualquer resíduo de batom. A outra parte boa havia sujado seu lenço. “Eu também”, admitiu ele.
E sem dizer mais nada, ela se afastou.
Fiquei parado no local por um tempo indefinido, segurando o casaco de Takeru com o saco de doces ainda em minhas mãos.
Decidi voltar para dentro de casa porque ficar parado como um bacalhau no meio da rua era inútil e também porque, se eu não me aquecesse, meu nariz cairia.
Subi as escadas externas quase casualmente, cheguei à porta e comecei a mexer na minha bolsa à procura das chaves.
Quando levantei a cabeça, a plataforma escapou de minhas mãos e meus olhos se fixaram na pessoa que acabara de sair da escada. Märten, nossa vizinha, também estava voltando para casa.
Em suas mãos, ela segurava um prego que parecia ter se soltado recentemente e um capacete que parecia muito, muito familiar.
Ódio.
Ficamos olhando uns para os outros por um longo tempo. Todos ficaram parados como se tivéssemos sido colocados em pausa.
Meu rosto começou a ficar vermelho rapidamente, uma explosão de calor quase me sufocou, meu coração começou a tremer na caixa torácica como se eu estivesse histérica. Prendi a respiração e tenho certeza de que meus olhos não saíram das órbitas por pura sorte. Eu estava tão nervoso que minhas pernas estavam tremendo.
Märten olhou primeiro para o prego e o capacete, depois para mim... ele parecia prestes a dizer algo, mas, abaixando-me, peguei as chaves e comecei a mexer no buraco da fechadura. “Boa, boa, boa noite”, gritei, batendo a porta atrás de mim assim que entrei na casa como um tornado.
Fiquei encostado na madeira da porta recuperando o fôlego, com uma mão contra o peito para evitar que o meu coração disparasse para fora da caixa torácica como uma bala no cano de uma arma.
Então não é o Nate, o motoqueiro.
E ele! É aquela Märten. Droga! Que diabos está acontecendo?
Tirei os sapatos e entrei cambaleando na sala, com o Muffin correndo entre os meus pés. “Eu sei, estou em casa”, murmurei, subitamente confuso, atordoado.
Ele tinha acabado de beijar minha vizinha? No entanto, havia tantos detalhes sobre ele que se chocavam com a imagem embaçada que eu tinha do motoqueiro. Embora eu nunca o tivesse visto fora de sua moto, Märten parecia decididamente mais alto.
Apoiei a cabeça em minhas mãos e soltei um grunhido.
Quem é você, o Rei da Caveira, hein? Quem diabos é você?