Capítulo : 05
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Dois dias depois…
Como a tampa de um jato, a noite sufocara a aldeia na sua sombra opaca. Na praça central, uma multidão de caçadores enxameava, suas silhuetas recortadas na escuridão como espectros silenciosos. Apenas Alex, isolado em sua casa do outro lado da praça, parecia imune à agitação lá fora, desfrutando de um sono profundo e restaurador.
___Onde está escondido o seu líder ?, exclamou uma voz rouca da multidão.
___ Trancado em casa, respondeu outra voz, tingida de amargura.
___ Vá buscá-lo, é hora dele retomar seus treinos e assumir suas responsabilidades ! — ordenou um líder autoritário, batendo com o punho na sólida mesa de madeira.
Um homem se separou da massa de caçadores e correu para os becos escuros, indo em direção à casa de Alex. Enquanto isso, o dorminhoco solitário finalmente acordou, assustado por uma inexplicável sensação de urgência.
___ Como pude cair num sono tão profundo em plena luz do dia ? ele se repreendeu, balançando a cabeça em desolação. Há dois dias que não treino por causa do que está acontecendo comigo.
Um arrepio de repente o percorreu quando percebeu um cheiro furtivo se aproximando de sua porta. Com um salto ágil, ele se levantou.
___ Bater ! Bater ! uma campainha tímida tocou em sua porta.
___ Quem está aqui ? Alex perguntou com uma voz cautelosa, apertando a lanterna com força contra o peito.
___ Não se engane, meu amigo, respondeu o homem com uma voz suave e suave. Um lembrete urgente é convocado pelos ex-caçadores. Os caçadores reúnem-se na praça da aldeia. Sua presença é necessária.
___ Entendo, Alex respondeu em tom neutro. Tenha certeza de que não perderei esta reunião crucial.
O homem curvou-se respeitosamente e saiu noite adentro, deixando Alex sozinho com seus pensamentos atormentados. Depois de se preparar com pressa febril, saiu de casa pronto para enfrentar o desconhecido. Mas assim que cruzou a soleira da porta, uma sensação estranha tomou conta dele. Apesar da escuridão que envolvia a aldeia, Alex conseguia discernir cada movimento, cada silhueta, como se a noite fosse subitamente iluminada por uma luz sobrenatural.** Atônito, esfregou os olhos vigorosamente, convencido de uma alucinação, mas a visão permaneceu inalterada. .
___ Outro mistério para acrescentar à pilha já crescente, ele murmurou, franzindo a testa.
Sussurros furtivos chegavam aos seus ouvidos, como sussurros levados pelo vento. Ele instintivamente se dirigiu para a orla da floresta, atraído por uma força invisível. Graças aos seus olhos com poderes extraordinários, ele conseguia observar com uma precisão formidável cada criatura que se infiltrava nas profundezas da floresta.
___ Já é hora de eu começar a desconfiar de mim mesmo, pensou ele, dominado por um sentimento de incompreensão. Não sei mais quem sou, nem o que sou capaz de fazer.
Levado por seus pensamentos atormentados, ele abriu caminho entre a multidão de caçadores reunidos na praça da aldeia. Sussurros febris percorreram a assembléia, despertando curiosidade e preocupação. Finalmente sentou-se num velho toco de madeira, pronto para ouvir a tão esperada mensagem que poderia esclarecer os mistérios que o assaltavam.
O grande líder dos caçadores, um imponente homem parecido com um urso, com o rosto marcado por uma cicatriz em forma de raio, estava em pé sobre uma caixa de madeira. O silêncio caiu instantaneamente, pesando como uma mortalha na praça da aldeia.
___ Escutem com atenção, meus irmãos de caça, disse ele com voz profunda e oca, porque a notícia que vou lhes trazer é tão sombria quanto a própria noite.
Um murmúrio de medo percorreu a multidão. Alex sentiu uma onda de gelo percorrer seu corpo. Ele se lembrou das estranhas visões que o haviam assaltado antes, da sensação de ser observado pela própria floresta, como se ela abrigasse um mal à espreita nas sombras. Estaria ligado ao desaparecimento de uma patrulha ?
___ Uma matilha de lobisomens, rosnou o líder, seus olhos penetrantes examinando a assembléia, atacou nossos irmãos nas profundezas da floresta. Eles não deixaram rastros, nem piedade.
Um silêncio de terror caiu sobre a praça. Os caçadores se amontoaram, os rostos pálidos de medo. Alex cerrou os punhos, a raiva fria crescendo dentro dele. Essas criaturas vis ousaram tocar seus companheiros, sua família.
___ Não vamos deixá-los ficar impunes ! o líder rugiu, sua voz soando como um trovão. Partiremos de madrugada, armados até os dentes, e caçaremos esses monstros até os confins da terra se for necessário !
___ Quando eles foram embora ? Alex perguntou.
___Ontem à noite, respondeu o cacique, achamos que você estava entre eles, não temos nenhuma noção de que nossos homens estavam indo caçar.
___Eu não sabia de nada.
___Você foi escolhido para permanecer a frente de seus homens Alex gritou o líder, já pensou nas famílias deles ? Para seus entes queridos ou algo mais ? Não, o cavalheiro estava dormindo.
___ Eu deveria ir treinar esta tarde, mas fui atingido por um sono profundo. Eu não tinha ideia de que eles iriam para a floresta. Como você sabe que eles foram atacados por matilhas ?
___Um chefe que passa o dia todo dormindo, isso não é verdade Alex. Quando você parou de treinar outras pessoas ? Você sabe muito bem que estamos passando por coisas com esse lobisomem.
___ Desculpe.
___ Encontramos seus corpos. Acho que você está orgulhoso.
___ Talvez outros ainda estejam lá, vivos.
___ Ninguém Alex, ninguém, gritou o líder.
Os gritos do líder ficaram tão altos que parecia que iriam furar as orelhas de Alex. Ele respirava cada vez mais rápido, como se não conseguisse recuperar o fôlego. Um arrepio percorreu suas costas e ele cerrou os punhos no banco com tanta força que pareciam garras. Um rosnado baixo saiu de sua garganta, um barulho estranho, como o de um animal pronto para rugir.
Seus olhos, geralmente tão gentis, tornaram-se muito pequenos e amarelos, como os de um gato selvagem faminto. Um calor estranho percorreu todo o seu corpo, seus músculos tensos sob as roupas, como se ele fosse pular. Seus pés, geralmente tão leves, afundaram no chão, os dedos dos pés curvando-se como se ele quisesse se segurar no chão.
O rosto de Alex se transformou, ele parecia que ia explodir de raiva. Sem dizer uma palavra, ele levantou-se repentinamente do banco, mais rápido que o normal. Ele acelerou no meio da multidão da aldeia, esforçando-se um pouco para passar mais rápido.
Alex fugiu em direção a sua casa, com as pernas queimando embaixo dele como se fosse açoitado por um fogo interno. Chegando em casa, fechou a porta atrás de si com um estrondo forte, como se quisesse excluir o mundo exterior e seus tormentos.
Ele se aproximou do espelho, seu reflexo olhando para ele como um estranho. Um arrepio gelado percorreu-o quando encontrou o olhar dela no espelho.
Seus olhos, geralmente tão azuis e serenos, tornaram-se amarelos e brilhantes, como os de um animal selvagem. Seus dentes, geralmente tão brancos e perfeitos, tornaram-se afiados e pontiagudos, semelhantes aos de uma fera carnívora.
Suas mãos, geralmente tão suaves e carinhosas, transformaram-se diante de seus olhos, suas unhas crescendo descontroladamente, transformando-se em garras ameaçadoras. Alex deu um passo para trás, aterrorizado com a imagem monstruosa à sua frente.
O rosto que ele conhecia tão bem havia se transformado, suas feições marcadas pelo medo e pela confusão. Sentia-se um estranho para si mesmo, prisioneiro de um corpo que já não lhe obedecia.
Um uivo doloroso escapou da garganta de Alex, um grito primitivo que perfurou o silêncio da noite. Aterrorizado com sua própria transformação, ele foge de casa, com as pernas impulsionadas por uma força desconhecida.
Ele corria sem rumo, os olhos amarelos fixos na escuridão da floresta que se estendia diante dele. Um chamado selvagem o puxou para suas profundezas, uma sede ardente que queimou suas entranhas.
Ele correu para a floresta densa, seus passos pontuando as batidas de seu coração no peito. Os galhos se separaram quando ele passou, como se a floresta o acolhesse em seu seio escuro.
Quanto mais fundo ele ia na floresta, mais a sede o consumia. Já não era uma simples vontade de beber, mas um impulso primitivo, uma fome sanguinária que o corroía por dentro.
Seus olhos brilhavam na noite, refletindo a lua que aparecia por entre a folhagem. Seus sentidos se aguçaram, captando o menor ruído, o menor cheiro. Ele havia se tornado um caçador, um predador em busca de sua presa.
A floresta inteira parecia vibrar enquanto ele passava, os animais escondidos em suas tocas, aterrorizados com essa aura de perigo que emanava de Alex. Ele havia se tornado um estranho para si mesmo, uma criatura movida por uma sede insaciável.
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Continua…