1- Maria Eduarda Lindsay Silva
Corro pela calçada movimentada porque estou muito atrasada. Atravesso a rua, apressada, num malabarismo, segurando minha pasta como se isso dependesse minha vida, desviando do trânsito frenético de Londres. Olho para o relógio antes de entrar na editora que trabalho como jornalista. Eu estou meia hora atrasada. O dia não começou fácil.
Droga! — Exclamo quando começa a chover forte. Meu cabelo ficará armado. A vontade de colocar a pasta na cabeça é grande, mas eu posso molhar as fotos, então a protejo colocando-a dentro do meu terninho preto do conjunto que estou usando.
Já posso imaginar o olhar de desaprovação de meu editor chefe McCartney, só de pensar fico aterrorizada, pois é a terceira vez na semana que eu estou chegando atrasada. A primeira vez foi o carro que quebrou, a segunda vez eu me atrasei pois, antes de ir para o trabalho, levei o carro ao mecânico.
Hoje fui pegá-lo, só que o mecânico demorou um pouco para me atender. E quando me atendeu, foi para me dizer que ele ainda não está pronto.
Segundo ele, hoje à tarde ele me entregava o meu MG, que tem dez anos de uso. Eu sou a segunda dona dele. Nada mal para um carro velho. Segundo o eletricista que trabalha com eles, foi pane elétrica, devido a um curto circuito.
Passei pela recepção e de relance vejo a recepcionista rir dos meus cabelos molhados, mesmo assim não passo no banheiro e corro para o elevador que graças a Deus estão com as portas abertas. Aperto o décimo andar e mesmo quando elas se fecham, não me sinto aliviada. Eu estou irritada, tudo para mim parece estar em câmera lenta.
Tão logo elas se abrem no meu andar, avanço depressa pelo grande salão onde as pessoas trabalham separadas por biombos. Vou cumprimentando as pessoas que rirem quando eu passo.
Nossa! Minha aparência está tão mal assim?
Eu detesto chamar a atenção, se eu soubesse que o carro não estaria pronto, teria ido direto para a revista.
Antes de colocar os meus pés no meu espaço, eu o avistei. Retenho a minha respiração. Com um sorriso sarcástico Zachary olha o relógio. Seus olhos parecem penetrar a minha alma.
Agora mudei de ideia, se fosse meu editor chefe McCartney seria bom, mas Zachary, não!
Isso é de matar!
Eu desvio meus olhos e coloco minha pasta na mesa. Nela estão todas as minhas anotações sobre restaurantes e as inovações na cozinha.
Pensando em Zachary, exclamo para mim mesma: Idiota!
A amargura toma conta do meu ser. Toda vez que eu avistar aquele diabo sedutor, tenho que lembrar de como ele não presta. E assim vou sobreviver a ele. Vou aguentar essa barra, pois preciso do emprego e tenho um filho para sustentar, que é dele por acaso.
Suspiro, abrindo a pasta.
Agora vou transformar tudo em um belo artigo para a revista Inove. Digitar tudo o que vi e colocar minhas impressões pessoais. Nelas estarão contidas a entrevista com os chefes de cozinha. Depois passarei as fotos pelo escâner e juntarei tudo e esperar a aprovação do chefe.
Suspiro novamente.
Uma sombra se projeta na minha mesa, eu quase dou um pulo ao sentir o perfume que revela a presença de Zachary.
— Boa tarde. — Zachary diz com ironia. Ergo meu rosto e dou com aqueles olhos negros, sérios. Um dia me perdi neles.
—Senhorita Silva, acompanhe-me até minha sala.
Eu sinto meu coração bater no ouvido. Desde que ele começou na editora, é a primeira vez que ele me dirige a palavra.
Tentando acalmar minha respiração eu me levanto e pego a pasta.
—Deixe a pasta aí. —Diz e se vira. Caminha em direção à sua sala, com aquele andar de predador que eu conheço. Fico nervosa, ao ponto de ter vontade de fugir.
Não! Fica firme!
Eu ergo meu queixo e caminho com passos seguros atrás dele. Nessa hora, não consigo deixar de reparar no lindo terno negro que cobre seu corpo alto, 1,80 de altura. Os ombros largos evidenciados pelo corte do paletó, que deve ser feito sob medida.
Passamos pela antessala, onde a senhora Clark sorri para mim. Aquela senhorinha não falta. Nunca a vi chegar atrasada.
Eu desvio meus olhos dela e o acompanho.
Sabe uma pessoa enigmática? Esse é o meu chefe. Ele é um canalha que esconde bem seus sentimentos, mas ah, eu o conheço bem.
Mentiroso!
Duas caras!
Com trinta e seis anos, continua bonito. Sem dúvida. Os olhos negros, a tez morena, os cabelos lisos, cheios, grossos e negros como carvão. Tudo herdado da sua natureza espanhola.
Suspiro.
E pensar que tivemos um relacionamento no passado. Saímos durante três meses. Fomos namorados. Ele partiu meu coração em mil pedaços. Eu era romântica, sonhadora. Mas isso antes de Zachary Ralph Taylor passar pela minha vida como um trator.
Na época descobri que ele estava comigo, mas era casado com outra mulher, isso foi endossado depois que os avistei em um shopping com ela.
Lembro-me bem daquele dia. Na época eu tinha vinte anos e ele trinta e um. Era início do mês de dezembro e o frio intenso fazia nossos corpos tremerem. O céu estava em azul vivo e era um belo dia de Sol. Eu estava parada em frente a uma vitrine num shopping com minha mãe, quando eu o avistei ao lado de uma mulher. Eu a puxei imediatamente e nos escondemos. Então pude reparar neles melhor.
Ela tinha o corpo cheinho, cabelos negros, estatura mediana. Eu quase entrei em parafuso quando ela pegou a mão dele e o puxou para ver algumas joias. Ele com um suspiro, assentiu. Ela em resposta sorriu e o puxou para um beijo na boca e entraram na joalheria.
Aquilo foi o fim.
Quando eu o encontrei novamente, o coloquei contra a parede e ele não negou. Disse que tinha um casamento de conveniência, sem amor. Eu não quis ouvir mais nada, saí da vida dele de forma brusca. Me mudei para Liverpool, fiquei na casa de minha tia Elizabeth, onde lá, tive meu filho. Depois entrei para a faculdade de jornalismo e me formei.
Foi uma surpresa para mim quando há quatro dias atrás, ele começou na editora, substituindo o antigo diretor. O senhor Roger Walter se aposentou.
Lembrei-me do dia que eu o avistei saindo do elevador, caminhando em minha direção fazendo o caminho para seu escritório. Quase entrei em choque, em colapso nervoso. Quando seus olhos negros me fitaram, senti seus olhos quentes sobre mim. Seu rosto então ficou sério e ele segurou seu olhar na minha figura e me cumprimentou com um aceno de cabeça, antes de caminhar novamente como se não me conhecesse. Aquilo me incomodou, pois eu não vi em seus olhos o brilho da surpresa. Isso tem me preocupado. Era como se ele soubesse antecipadamente que eu trabalhava na Inove.
Com as pernas moles continuo seguindo Zachary.
Deus! Agora que eu verei o jogo ele fará, se ele vai continuar me ignorando ou comentar sobre o nosso passado.
Entro na linda e oponente sala de carpete cinza e vidros transparentes com uma belíssima vista do Big Ben. Ele rodeia a grande mesa de madeira maciça com lindos desenhos talhados nas bordas e se senta em sua cadeira de couro vermelha numa elegância que lhe é natural.
Eu procuro com os olhos sua mão esquerda.
Nenhuma aliança. Ou se separou, ou continua o canalha de sempre.