Capítulo 1 - Ela vai se casar?
Vittorio Castellani
A montanha de responsabilidades e tarefas a serem resolvidas parecia interminável sobre a mesa do meu elegante escritório, localizado na bela Sicília.
Estava atento na leitura de documentos importantes, quando fui surpreendido pelo som de batidas na porta, indicando a chegada de minha secretária, Julieta. Ela entrou com cautela, ciente do peso das obrigações que eu carregava. Senti que ela observou-me por um instante, e eu estava certo de que refletia se deveria ou não interromper-me naquele momento delicado.
Ela suspirou e finalmente tomou coragem para falar:
— Desculpe incomodá-lo, Sr. Castellani — murmurou ela, transmitindo que sua intenção não era banal —, mas há um assunto urgente que precisa de sua atenção.
Meu olhar ergueu-se dos papéis e encontrou o dela, carregado de impaciência e descontentamento. No entanto, compreendi que Julieta não me procuraria sem uma razão válida.
— O que é tão urgente que não pode esperar um momento melhor, Julieta? — questionei, minha voz carregada de seriedade e impaciência.
— Henriqueta acabou de ligar de São Paulo — informou Julieta.
— E o que ela queria dessa vez? — perguntei, manifestando meu aborrecimento.
— Ela queria informar sobre os planos de casamento.
— Casamento? Que casamento? — Perguntei de maneira rude — Vá direto ao ponto, Julieta!
— O casamento de Chiara, senhor.
Poucas coisas conseguem me abalar, porém a notícia de que Chiara tinha planos de casamento me pegou completamente desprevenido. Uma sensação de traição invadiu meu peito. Traição é algo muito grave para nós. Uma mistura de raiva e decepção tomou conta dos meus pensamentos, e eu mal conseguia acreditar que Chiara cogitou a possibilidade de fazer algo sem o meu prévio consentimento.
Sem conseguir me conter, levantei-me de minha poltrona e comecei a caminhar de um lado para o outro, tentando encontrar uma maneira de lidar com essa situação.
Julieta permaneceu em silêncio, compreendendo minha turbulência emocional. Ela sabia que qualquer palavra poderia ser interpretada de forma errada naquele momento.
Logo dispensei Julieta com uma ordem firme e implacável:
— Providencie um voo para São Paulo o quanto antes. Eu irei pessoalmente acabar com esses planos de casamento.
Ela assentiu sabendo que não havia espaço para questionamentos e partiu rapidamente para cumprir a minha ordem, consciente da extrema delicadeza daquele assunto.
Enquanto o avião cruzava os céus em direção a São Paulo, eu revirava em minha mente todas as possibilidades. Ninguém iria se aproveitar da minha afilhada, eu iria garantir isso pessoalmente. Afinal, Don Antonio me deixou com essa responsabilidade e eu não iria falhar com uma pessoa que foi tão importante para mim.
Fui diretamente do aeroporto para a mansão onde Chiara morava desde que eu assumi os cuidados com ela, cinco anos atrás. Hoje com vinte anos, ela ainda está sob a minha responsabilidade e não fará nada sem o meu consentimento. Afinal, eu sou seu tutor e administro todos os bens deixados em seu nome.
— Senhor Castellani! — Henriqueta falou com grande surpresa — O que faz aqui?
Eu encarei a senhora a quem eu deixara responsável diretamente pelos cuidados com Chiara e senti dificuldade em controlar meu temperamento ao falar com a mulher em quem tanto confiei durante anos.
— Como isso aconteceu, Henriqueta? Diga-me como eu só estou sabendo agora que Chiara pretende casar-se?
Meu tom foi duro e cheio de frieza. Eu não pouparia a mulher, uma vez que ela foi ineficiente em suas obrigações para comigo.
— Senhor Castellani, sinto muito. Não imaginei que ela fosse capaz de fazer algo assim — murmurou Henriqueta, com lágrimas nos olhos.
Ela tentou se desculpar, seus olhos marejados denunciavam sua angústia. Explicou que Chiara estava sempre mentindo para ela, escondendo seus encontros clandestinos com a desculpa de estar estudando, e que apenas no dia anterior ela tomou conhecimento sobre o fato.
Eu, embora ainda indignado, entendi que a jovem encontrou formas de enganar a todos e seguir com seus planos sem que eu ou Henriqueta suspeitássemos.
Suspirei, sentindo-me desgastado pelas emoções conflitantes. Sabia que agora não era o momento de buscar culpados, mas de resolver a situação com a minha tutelada.
— Onde está Chiara? — questionei, decidido a enfrentá-la pessoalmente.
Henriqueta informou que Chiara havia saído com a desculpa de que iria resolver alguns assuntos da faculdade. Em meu escritório na mansão, analisei a situação com cautela.
Quando Chiara finalmente retornou à mansão, Henriqueta foi imediatamente ao meu encontro para me informar sobre o fato. Pedi a ela que dissesse que não havia a mínima possibilidade de Chiara fugir de mim desta vez.
O tempo parecia se arrastar, e mais de vinte minutos se passaram. Eu estava prestes a levantar de minha cadeira e procurar Chiara por toda a casa para finalmente confrontá-la.
Lembrei-me de todas as vezes em que Chiara agiu de forma evasiva, sempre se esquivando de falar comigo e apresentando desculpas para evitar me encontrar. Mas dessa vez, as coisas seriam diferentes das tentativas anteriores em São Paulo. Hoje estou decidido a encarar Chiara cara a cara, não importa o que aconteça.
Finalmente, ouvi passos se aproximando e uma leve batida em minha porta.
— Posso entrar? — indagou Chiara ainda do lado exterior.
—Sim! — Eu autorizo sem conseguir conter a irritação em minha voz.
Fiquei genuinamente surpreso com a garota à minha frente. Eu não fazia a menor ideia do quanto Chiara era bela e o quanto ela havia mudado nos últimos anos. Na verdade, ela era espetacularmente linda e me afetou de maneira inesperada. Eu não esperava reagir dessa forma diante daquele fato. Respirei fundo, buscando recuperar o controle das minhas emoções antes de falar.
— Henriqueta avisou que desejava falar comigo.
—Sente-se— A minha voz soou firme e séria e Chiara logo atendeu ao comando — Eu vim até aqui para falar sobre a sua ideia de casamento, Chiara.
Chiara pareceu vacilar por um momento, mas logo seu olhar se tornou desafiador.
— Não entendo o que há para discutir, Vittorio Castellani. É a minha vida, e eu decido o que fazer.
Não me deixei abalar pelas palavras, mesmo que estivesse me sentindo estranhamente desconcertado naquele momento.
— Você é minha tutelada, Chiara, e ainda tem muito a aprender sobre a vida e sobre as consequências de suas escolhas. Esse casamento pode ter implicações que você nem imagina — disse com firmeza.
Chiara revirou os olhos, parecendo irritada com a insistência.
— Eu não preciso do seu consentimento para me casar, Vittorio. Eu tenho idade suficiente para tomar minhas próprias decisões.
Olhei nos olhos de Chiara e respondi com determinação:
— Eu não posso impedi-la de se casar, mas quero que saiba que estou aqui para orientá-la e protegê-la. Se você precisa se casar para ser feliz, eu espero que seja realmente o melhor para você. Mas, saiba que a partir do momento em que concretizar essa decisão, não mais terá direito a nada do que vem usufruindo desde que nasceu.
Os olhos de Chiara se arregalaram diante do que ouviu e ela pareceu demorar alguns segundos para processar a informação.
— Isso é algum tipo de brincadeira, Vittorio? Você está inventando tudo isso para me impedir de casar? — Chiara retrucou com uma mistura de incredulidade e raiva.
Mantive a tranquilidade, mesmo diante do tom acusatório de Chiara.
— Não é uma brincadeira, Chiara. E não estou tentando proibi-la de se casar. Porém, até que complete vinte e um ano, não poderá se casar ou perderá todos os benefícios que desfrutou até agora — respondi com seriedade.
Ela estava visivelmente abalada, mas sua obstinação não diminuiu. Chiara se levantou e me encarou de forma desafiadora.
— Então, o que você está tentando fazer, afinal? Quer me manipular para desistir do casamento? O dinheiro é meu! Minha mãe deixou para mim, e você não pode me tirar isso! — Chiara retrucou, apontando o dedo para mim.
Suspirei e tentei conter-me com grande dificuldade. Qualquer outra pessoa que estivesse agindo como Chiara estava, não iria receber a mesma cortesia da minha parte. Poucos teriam essa coragem, também.
— Está enganada, Chiara. Débora não tinha um centavo. Era uma pobre coitada até você nascer.
— Está mentindo! — Ela gritou de maneira desafiadora.
— Acredite no que quiser, mas saiba que a verdade está à sua frente. Sua mãe não tinha fortuna para deixar para você. Todo esse conforto com o qual está acostumada será perdido no momento em que discordar de mim — declarei com firmeza, olhando fixamente nos olhos dela.
Chiara parecia chocada com as palavras que acabara de ouvir. Seus olhos oscilavam entre raiva e incredulidade, como se estivesse lutando para assimilar a realidade que estava se desdobrando diante dela.
— Isso não pode ser verdade. Minha mãe sempre disse que tínhamos dinheiro guardado, que eu seria bem cuidada, que... — Chiara começou a dizer, mas eu a interrompi.
— Sua mãe disse muitas coisas para te proteger e te dar uma sensação de segurança. O dinheiro que existe nunca pertenceu a Débora. Está sob o meu controle, e é assim que vai permanecer até que você demonstre maturidade o suficiente para lidar com ele de forma responsável — afirmei com calma, mas sem recuar.
Chiara estava visivelmente abalada. Sua postura desafiadora começou a ceder, e ela afundou na cadeira, parecendo desamparada e perdida.
— Não entendo por que está me tirando tudo agora. Por que está agindo assim comigo? — Chiara murmurou, quase em um sussurro — Se o dinheiro que me cerca não pertence a minha mãe, a quem mais?
Respirei fundo. Aquela era uma pergunta que ainda não poderia ser respondida.
— Não quero controlar sua vida, mas você é jovem, impulsiva e inexperiente. Eu só estou tentando protegê-la, mesmo que você não compreenda isso agora — expliquei com sinceridade.
Ela pareceu refletir sobre as palavras que eu havia dito. A tensão no ambiente era palpável.
— Então, o que espera que eu faça? — Chiara perguntou finalmente, sua voz um misto de resignação e confusão.
Eu a encarei diretamente com uma expressão séria.
— Se você está determinada a seguir com o casamento, tudo bem, é uma escolha sua. Mas eu não vou aceitar que você tome decisões impulsivas e se arrependa no futuro.
As minhas palavras pareceram atingir Chiara como um soco emocional. A sua expressão era de choque e extremo desgosto.
— Essa é sua última palavra?
— Sem dúvida alguma.