Prólogo
No meio da escuridão, um homem emaciado caminhava por um imenso corredor. Os pés descalços batiam contra o piso, os olhos expressivos procuravam uma saída daquele lugar frio e vazio. O ruído de risadas infantis ecoava pelo breu, Alexander girou os calcanhares e correu para o outro lado. Precisava encontrar a família.
— Acorda, papai! — A voz infantil ecoou.
— Alex! — berrou. — Onde você está?
— Estamos esperando você, pai — respondeu Rodolpho.
— Je t'aime, papa! — declarou Marcelly.
Alexander virou a cabeça para o outro lado.
— Onde vocês estão?
Um pequeno facho de luz mostrava uma saída, havia alguém em meio a escuridão. A mulher caminhava lentamente com uma criança no colo.
— Nicky, me espere! — Ele correu atrás dela. — Quero ver a Jullie.
Tentou se aproximar, mas um abraço esmagador o puxou para longe. Em poucos segundos, Alexander levantou da cama desnorteado e saiu às pressas do quarto na casa luxuosa onde os pais residiam em São Conrado, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Andou pelo tapete vermelho que se estendia até a beira da escada.
Nicole saiu da suíte de Sophie e seguiu distraída por entre as paredes cobertas por um papel arabesco. A pele viçosa brilhava com a luz suave, ela parecia bem mais nova. Alisou a barriga enorme e abaixou a cabeça enquanto mexia no iPod.
— Nicky, cuidado com a escada! — Gritou a voz rouca.
Os olhos claros não acreditaram no que viram, Sophie saiu do quarto em passos lentos.
— Sophie, deixe-a em paz!
O corredor ficou escuro logo depois que Alexander tropeçou e caiu. Tentou se levantar e correu o mais rápido que podia. A matriarca desapareceu.
— Não, não, não! — gritou assim que viu o corpo de Nicole jogado ao chão perto da escada. — Nicky!
Alexander sentiu duas mãos tocarem em suas costas, o corpo rolou pela madeira lisa até parar no último degrau, Nicole não estava lá.
A mente estava confusa, olhou à volta conforme as luzes acendiam uma por uma. Abriu a porta do quarto frio onde uma mulher dormia serenamente. Havia a sombra de um homem com uma expressão tenebrosa perto da janela.
— Vá embora, Marcello! — disse com um tom frio.
Alexander parou do outro lado da cama, o rosto dela estava ferido e a cabeça enfaixada. Os dedos esguios se aproximaram da pele lisa, as luzes apagaram.
As mãos compridas estavam apoiadas ao volante, Alexander dirigia por uma avenida calma. Nessa noite a chuva batia com força contra o vidro do carro, ele acionou o botão do limpador do para-brisa quando o farol iluminou a moça que foi jogada em frente ao automóvel. Puxou o freio de mão assim que avistou os olhos amendoados. Alexander saiu às pressas do carro, Joanna estava abaixada próximo à sobrinha e gritava por socorro.
— Saía de perto dela! — ordenou a voz barítona.
Uma luz branca forçou Alexander a esconder os olhos, o automóvel desgovernado jogou o corpo do homem comprido para longe.
Em certo momento, ele ergueu a cabeça e olhou à volta, estava em casa. O sotaque de Josephiné guiou Alexander até a porta da cozinha. A expressão pétrea encarou a bela mulher de rosto oblongo que apontava uma arma de fogo para Nicole. Dessa vez, ele não permitiria que a machucasse, de novo.
— Não faça isso, Josephiné!
Ele foi até a mulher que não parava de gargalhar, o barulho do tiro fez Alexander recuar. O corpo de Nicole caiu do outro lado do balcão de madeira branca.
— Nickyyyy!
As luzes piscavam enquanto ele corria para o outro lado. A visão oscilava, não conseguia encontrá-la.
A mente não distinguia ilusão e realidade. Diversas mãos o seguravam e tentavam contê-lo.
— Me soltem! — bradou em meio ao desespero
Alexander jogou um dos médicos para longe quando sentou na cama e afastou a enfermeira com o outro braço. Tirou a máscara de oxigênio, os lábios expulsaram um jato gosmento na blusa azul da senhora de meia-idade que tentava acalmá-lo.
— Tenho que salvar a minha esposa.
Alexander arrancou o acesso venoso do braço e puxou o oxímetro do dedo indicador.
— Aplique 1,0 mg de Alprazolam — pediu o neuro à técnica de enfermagem.
Alexander puxou os lençóis e tentou se mover, porém, as pernas não se mexeram. Lutou em vão contra os braços do enfermeiro que o prendeu contra a cama. Gradualmente, o corpo relaxava após a medicação.
— Avise aos familiares que o doutor Bittencourt acordou — solicitou o médico.
O homem calvo e atarracado ajeitou o jaleco branco e olhou com curiosidade o paciente que adormecia. Estava certo que Alexander viveria em estado vegetativo ou talvez não recordasse de nada do que aconteceu nos últimos anos; entretanto, aquele homem era um caso raro de medicina.
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