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DOCES OU TRAVESSURAS? - Parte 1.

Lili.

Dezessete anos antes...

Morar em um internato não é algo confortável principalmente para uma criança que conheceu de perto o calor dos seus familiares e você deve estar se perguntando como eu vim parar nesse lugar. Bom, o meu fim não foi diferente de muitas dessas garotas que vieram parar aqui. Para começar a minha história, eu perdi a minha mãe em um grave acidente de carro quando tinha apenas dois anos de idade e por um bom tempo éramos apenas o meu pai e eu vivendo em perfeita harmonia, no único lugar onde eu podia sentir o caloroso do amor dos meus pais. Até um certo dia ele conhecer a Júlia Clarck. Uma linda e provocante mulher, provida de uma elegância que deixava qualquer homem jogado aos seus pés. Contudo, infelizmente ela escolheu o meu pai para ser o seu marido. Donovan Ricci era bem jovem na época e além de muito rico, ele também era cobiçado pelas mulheres do estado de Massachusetts, porém, não demorou muito para eles se casassem e ela vir morar conosco. Então eu pensei, caramba, eu ganhei uma nova mãe! Até ela mostrar a megera que realmente era. Uma mulher ambiciosa e sem escrúpulos que em vez de mãe se tornou-se uma madrasta malvada, e até já tinha os seus planos traçados para mim. A princípio a sua missão era manter o meu pai longe de mim e meses depois do casamento o perdi para um ataque fulminante do coração.

Esse com certeza foi o meu fim.

Dias depois de sua morte, Júlia me chamou para uma conversa em meu quarto de mulher para mulher – disse ela, e sem rodeio algum fui informada de que sairia da minha casa para ir morar em um internato por tempo indeterminado. A sua desculpa? Júlia Ricci não tinha tempo para cuidar de uma criança pois era uma mulher muito ocupada e eu ganharia uma excelente educação naquele lugar. Me lembro que no momento pensei em meus avós como a minha única esperança. Eu só precisava ter a chance de falar com eles, com certeza me acolheriam em sua casa. Entretanto, ela já os havia convencido de que eu ficaria bem no maldito colégio interno e a minha dor não podia ser maior. Droga, eu tinha apenas nove anos quando o meu mundo desabou por inteiro e o pior de tudo é que eu estava por minha conta agora! E falando no colégio interno, bom, é uma escola especial só para garotas e aqui tem meninas de várias idades, no entanto, somos separadas pela faixa etária, assim as maiores não maltratam as menores, e embora tenha uma quantidade enorme de crianças aqui, eu me sinto muito só. Esse lugar é tão grande que chega a preencher pelo menos três quarteirões e contém muitas salas para uma variedade de aulas como a dança, artes, jogos intelectuais, laboratórios, entre outros. Também tem consultórios de psicologia, dentistas, enfermarias e muitas salas de aula também, além dos incontáveis dormitórios. Mas a parte que eu mais gosto fica bem do lado de fora porque tem um imenso pátio ladeado por um lindo e interminável jardim que dá vida e beleza a entrada com seus largos portões largos de ferro, pintados de branco. Tem também uma pequena de praça com seus bancos de madeira pintados com a mesma cor do portão. Nos fundos do internato comportam duas piscinas grandes que são usadas para a prática de esportes e de exercícios. Como podem ver é um lugar completo que tem muito para nos oferecer, mas como eu disse anteriormente, nada disso se compara ao nosso lar e ao calor de uma família. O uniforme que usamos praticamente o dia inteiro é algo tão formal quanto impessoal. Uma saia azul-marinho de pregas, que vai até a altura dos joelhos, uma blusa branca de botões com mangas curtas, um colete azul marinho de botões por cima, meias brancas e sapatos pretos. E a poucas roupas que trouxemos conosco, batizamos de roupas de gala, pois só usamos raramente, quando recebemos visitas de parentes, ou quando visitamos a nossa família nas festas de final de ano.

Lembra da parte que me sinto sozinha aqui? Pois é, um dia algo mudou, pelo menos para mim. Eu me lembro de cada detalhe desse dia, estava frio e chovia muito quando ela apareceu. A garotinha parecia tão frágil e ela sentia tanto medo, dava para perceber no seu corpo trêmulo e no olhar receoso. Alice Flores era o seu nome e ela tinha apenas nove anos quando chegou aqui. E nossa, ela se parecia tanto comigo! Eu podia ver todos os meus medos e receios estampados em suas retinas e desde que ela veio parar aqui eu grudei nessa garota. E por sermos tão parecidas física, e emocionalmente tornamo-nos amigas inseparáveis. Logo passamos a dividir os mesmos gostos literários, os mesmos filmes e acredite as roupas também. Nas horas livres conversamos sobre tudo por incansáveis longos minutos, principalmente sobre as boas lembranças do passado. É incrível como tínhamos tanto para falar! Entretanto, a parte mais divertida da nossa dupla era sempre encobrir as novas travessuras – digo, travessuras dela e não minhas. Ah sim, a minha amiga gosta de se envolver em algumas enrascadas vorazes vez ou outra e eu me incumbia de livrá-la desses furos. Como no dia em que ela surgiu bem na minha frente toda suada, ofegante igual uma condenada e segurando a barra da blusa amarrotada entre as suas mãos. A garota me abriu um sorriso extravagante e travesso, e afastou um pouco o tecido revelando alguns cookies que havia roubado da cozinha.

— Você não me viu passar por aqui! — Ela disse me deixando confusa, porém, assim que vi três as irmãs tagarelando e andando desbaratinadas entre as alunas pelo longo corredor, entendi tudo rapidinho. Alice imediatamente correu para atrás de uma mureta e se agachou ali encolhendo-se no canto da pequena parede. Eu respirei fundo e me preparei para mais uma mentira do secular.

— Você viu a Alice por aí? — A irmã perguntou esbaforida com cara de poucos amigos. Arqueei as sobrancelhas para elas e pensei em ganhar tempo.

— Irmã Clarice, como a senhora está linda nessa manhã de domingo! — A doce senhora diminuiu os olhos e fez uma linha fina com os lábios.

— Você viu, ou não viu? — Oh grosseria! Resmunguei internamente e fiz cara de Amélia.

— Ah, me desculpe, eu não ouvi bem a sua pergunta!

— Lili, não me absorva! Você viu a Alice ou não viu?

— Ah, a Alice? — Forcei um sorriso amigável. — Sim, eu a vi, ela está estudando atrás daquela mureta ali. — Aponto para o pequeno muro atrás de mim e rapidamente elas correm para o local. Curiosa, eu vou atrás das senhoras e como havia imaginado, Alice estava debruçada em cima de um banco com vários livros abertos e fugindo ler um a um.

— Eu não entendo, madre! — A irmã sibilou confusa. — Eu jurava que era ela na cozinha há poucos minutos! — resmungou com voz trêmula.

— Deus é misericordioso, irmã Judite. Você precisa rezar mais, levantar falso testemunho é pecado! — A madre rosnou um tanto irritada, segurou a orelha da pobre irmãzinha e o trio saiu apressadamente na direção da capela. Travessa, Alice ergueu a cabeça para mim e disparou em uma sonora gargalhada.

— Você ainda vai nos meter em uma furada, garota! — resmungo achando graça de toda essa confusão e vou para perto da minha amiga. — O que você tem aí? — Ela imediatamente puxou a sua bolsa de debaixo do banco e encheu as mãos com a bolachinhas.

— Muitas gotinhas de chocolate — disse me entregando uma parte delas. Só para vocês saberem, Alice é mais nova do que dois anos, portanto, me sinto como sua irmã mais velha, e por isso tenho todo esse cuidado especial. Agora me falem se não somos uma boa dupla?

***

Alguns dias...

— Lili, está chegando o nosso grande momento. — Desperto do meu sonho acordado quando a minha amiga cochicha, deixando uma cotovelada do meu lado. — Está preparada para mais uma aventura fora dessas paredes? — Ela pergunta com uma animação contida que me faz baixar a cabeça para esconder o meu riso. Imediatamente ergo um pouco a cabeça para ver onde está a professora. Mas enfim, volto a repetir, esse lugar não é de todo ruim e o fato de ser um prédio antigo ele chega a ter algumas passagens secretas que nos levam tanto para alguns lugares aqui dentro do prédio, como fora dele. É Claro que isso é um segredinho só nosso e quando estamos cansadas de olhar para essas paredes de tijolos avermelhados, damos algumas escapadas rápidas, e cá estamos com mais um plano de fuga.

— Fala baixo, sua maluca, quer que nos descubram? — repreendo-a com sussurro e olho ao nosso redor para ter certeza de que ninguém nos ouviu. — E sim, estou superanimada para essa noite! — confesso. A menina segura um gritinho animado e eu rio da sua empolgação.

— Atenção meninas, está quase na hora da aula de artes e eu preciso que organizem os seus materiais. Por favor, pensem em nosso próximo tema para debatermos na próxima aula. — A professora Anne pede, chamando a atenção de todas as alunas para si.

Anne Taylor é uma senhora de aparentemente trinta e cinco anos. Ela tem um rosto bondoso e um olhar doce, mas não se enganem, porque quando estamos na sala de aula a mulher usa a sua voz autoritária e pulsos firmes com suas alunas. Contudo, como acabei de falar fora dessas paredes ela é a doce Anny que de vez em quando nos traz balinhas de goma da cozinha para fazer o nosso dia mais açucarado, palavras dela. Sorrio. Voltando ao que estava dizendo, Alice se tornou o meu foco aqui dentro, com ela sempre por perto não sinto falta de mais nada e até já temos alguns planos para quando saímos definitivamente desse lugar. Não, não pretendemos voltar para casa até porque não faz sentido voltar para quem não nos quer por perto, certo? E pensando nisso, combinamos de alugar um bom apartamento e de arrumar um bom emprego para vivermos juntas como irmãs que somos. Amor? Dou de ombros. Ainda não temos planos para esse sentimento. Por enquanto seremos apenas ela e eu, e acreditem, por ela eu sou capaz de tudo, a final o fato de sermos irmãs de sangue fala bem mais alto do que a própria razão.

Calma, eu vou explicar essa parte pra vocês. Quando eu digo irmãs de sangue, eu quero dizer de sangue mesmo, pois fizemos um tipo de pacto para nunca, em hipótese alguma nos separarmos, não importa o motivo e nem as circunstâncias, estaremos sempre juntas e sempre iremos apoiar uma à outra. Deu pra entender tamanha ligação?

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