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Capítulo 1

Fary

O vento forte da costa da Flórida bate em meu rosto, enquanto o sabor salgado do mar permeia minha pele. Fecho os olhos, ouvindo o barulho do mar, a voz de Avicii é transmitida no rádio do meu conversível amarelo. No porta-malas e no banco de trás do carro estão todos os meus pertences, tudo o que havia no apartamento que dividi com Jason em Oregon. Minha mão desce até minha barriga, onde está nosso filho, não, onde está meu filho, esse bebê é meu, só meu e farei qualquer coisa por ele.

- Quando as nuvens de tempestade começam a cair

Acenda um fogo que eles não podem apagar

Esculpa seu nome naquelas estrelas brilhantes – canto junto com Avicii, olhando a linda paisagem de Palm Beach.

A voz profunda de Jason invade meus pensamentos, a acusação de que o filho não é dele, a briga que tivemos, o décimo segundo tapa em menos de um mês, tudo isso vem à tona novamente. Respiro fundo, sentindo o lado do meu rosto ainda quente, como se Jason tivesse me dado um tapa naquele exato momento. No começo tudo era tão mágico que Jason me fez sentir imortal, como se o mundo fosse pequeno demais para nós dois. Foram três anos, duas internações e cinco ossos quebrados, um ciclo que nunca terminou, até o teste dar positivo, até nascer o meu lado materno.

Achei mesmo que o Jason ficaria feliz em saber que ele seria pai, organizei tudo com amor, seríamos uma família, criaríamos nosso filho em um bom lar e tudo ficaria perfeito. Mas não foi. Jason disse que eu sou uma prostituta e que deveria ter dado para vários homens, e que o bebê dentro de mim não era dele. Brigamos e ele me bateu de novo, só que dessa vez foi diferente, porque dentro do meu ventre existe um ser, um ser que precisa ser protegido de todas as coisas. Aí meu orgulho gritou, nasceu Mãe Fary e num ato de bravura peguei todas as minhas coisas e saí do apartamento, saí do Oregon e desde então estou vagando pelo país, sem destino claro.

- Seremos só nós dois - murmuro em direção à minha barriga, sentindo-me completamente livre daqui a três anos - serei a melhor mãe do mundo para você, prometo.

Olho para Palm Beach e uma paz percorre meu corpo, talvez o litoral seja um bom lugar para criar meu filho. Com uma mão na barriga e outra no volante, viro para a estrada que leva à cidade. Um suspiro escapa dos meus lábios quando vejo a seta apontando para a reserva, mostrando que estou quase sem gasolina. Toco o volante com os dedos, torcendo para que haja um posto de gasolina por perto para evitar uma grande dor de cabeça. Não quero gastar dinheiro com reboque, claro que tenho boas economias, não faria essa viagem se não tivesse dinheiro para isso. Posso ser irracional sair sem rumo, mas nunca faria isso se não tivesse uma boa quantia de dinheiro guardado.

"Vamos, universo, me ajude", peço baixinho, a voz de Avicii ainda enchendo o carro.

Acho que depois de levar tantas bofetadas do universo, ele deve ter ficado com pena de mim e colocado um posto de gasolina bem perto. Solto um gritinho de emoção e faço uma mini dança comemorativa, talvez as coisas estejam voltando ao normal. Manobre cuidadosamente em direção à entrada do estabelecimento, dirigindo-se para a lateral da bomba. Desligo meu conversível, que minha avó me deu quando completei um ano, sinto falta da minha avó, ela saberia me ajudar agora. Ter um filho aos vinte e três anos será uma grande responsabilidade, mas sei que posso fazer isso porque tenho que fazer isso por ele.

O cheiro de gasolina faz meu estômago revirar e pego um pano para pressioná-lo contra o nariz. Abro a porta do tanque e pressiono a bomba para encher o tanque, pego a mangueira e coloco no lugar esperando o gás descer e ir para onde precisa ir. O pano ainda está no meu nariz, bato o pé esperando e bufo quando percebo que está faltando a bomba, está funcionando? Isso é muito mais fácil em Oregon. Sim, provavelmente o universo está me dando um tapa de novo, com um pouco de raiva, chuto o pneu do carro e grito.

-É uma menina, está tudo bem? - uma voz masculina me tira do meu momento de raiva - quer ajuda?

Viro o rosto e encontro um jovem parado ali, com as mãos nos bolsos da calça de moletom fina. Seu cabelo é preto, com mechas de comprimento médio e formato ondulado, sua pele é branca, branca demais para ser morador de uma cidade litorânea, mas ele é alto e muito, muito bonito. Sorrio um pouco e aceno com a cabeça, porque realmente preciso de ajuda para encher meu tanque. Jason não me deixava conversar com muitos homens e quando o fazia, geralmente eu dormia com o rosto no chão frio do apartamento. Fico com um nó na garganta quando me lembro disso, são cenas que nunca deixarei meu filho testemunhar.

- Sim! Preciso de ajuda – respondo, tirando o pano do rosto – sou Fary.

-Como está o país? - Assento - original, Guilherme.

- Está tudo bem Guillermo, só preciso de uma ajudinha para fazer isso funcionar aqui – explico fazendo um gesto com as mãos – em Oregon isso era mais fácil.

- Ah, claro – brinca com a minha cara – deixa eu fazer isso.

Reviro os olhos fracamente e entrego a mangueira para Guillermo, que escreve algo na bomba e então a coisa começa a funcionar. O cheiro de gasolina entra em minhas narinas e sinto a vontade subir até minha garganta, inclino meu corpo para frente, abro a boca e esvazio o sanduíche que comi em uma cafeteria horas atrás. Tenho vomitado muito desde que engravidei, claro, além da minha menstruação não ter parado, vômitos frequentes eram sinal para comprar o teste de gravidez.

Quando tudo acaba, limpo a boca com as costas da mão, vendo qual ponto foi vítima do meu vômito. O desespero toma conta de mim quando vejo que o local eram os sapatos bem ilustrados e reconhecidamente super caros do Guillermo, que agora estão cobertos pelo meu almoço. Há nojo no olhar dele, bom, se a situação fosse inversa, eu também estaria olhando a cena com nojo. Tenho várias tosses até me acostumar a não vomitar mais, essa é a parte da gravidez que mais odeio.

- Me desculpe, o cheiro de gasolina me deixou ansiosa - justifico o que aconteceu, com um olhar completamente envergonhado - Sinto muito Guilherme, estou grávida e ainda não aprendi a controlar meus vômitos.

- Você acabou de vomitar nos meus pés - murmura aquele de cabelos ondulados, sem acreditar no que aconteceu - caramba, você percebeu o que fez? Você sabe quanto custam esses malditos sapatos?

– pedi desculpas – respondo ao seu tom rude – não sei se você ouviu, mas estou grávida!

Quando ela ouve a palavra “grávida” novamente, seu rosto relaxa e um suspiro escapa de seus lábios. A bomba apita, mostrando que encheu todo o tanque, sem prestar atenção ao vômito em seus sapatos, ele retira a mangueira e gesticula para que eu passe o cartão de crédito para pagar a gasolina. Tiro o cartão da capinha do celular e vou até a bomba, faço o pagamento. Minha cabeça lateja um pouco e minha barriga ronca automaticamente, estou com muita fome, porque agora estou comendo por dois.

- Desculpe a grosseria, é que não é todo dia que alguém vomita nos meus sapatos - explica Guillermo, tentando conseguir um sorriso - vamos fazer assim, você me compra um sanduíche no posto de gasolina e estamos quites. .

- É verdade, e posso limpar seus sapatos se você quiser - ofereço também, sem saber bem o que fazer - Desculpe mais uma vez Guillermo.

- Ok, Fary – mas pela sua voz fica claro que nem tudo está bem – entre, vou abastecer o tanque do meu carro e nos vemos em breve.

Olho para trás e vejo um Porsche branco estacionado, enquanto meu Volvo conversível quase desmorona, dou-lhe outro sorriso amarelo. Certamente o universo deve ser meu inimigo número um. Respiro fundo e entro no carro, puxando-o para fora do local apropriado para reabastecer e fazendo marca para estacionar em uma das vagas. Pego minha bolsa no banco do passageiro e saio do carro, torcendo para que ninguém roube meus pertences. Observo Guillermo de longe, enquanto ele segura a meia e se livra dos sapatos caríssimos. Uau, ele é muito bonito.

Decido parar de secar e vou até a loja de conveniência que é misturada com restaurante, o nome do posto é “Blue Thunder” e tem um trovão azul desenhado bem no meio do estabelecimento. Quando abro a porta da frente a típica campainha toca e eu rio, o gerente sorri para mim e eu sorrio de volta. Não tem ninguém na cafeteria, escolho uma mesa perto da janela e sento, observando o estabelecimento. É lindo, claro, é lindo no restaurante de beira de estrada, mas o que o diferencia é o clima praiano, porque é anterior ao centro de Palm Beach.

A campainha toca informando que o Guilherme está entrando no local, nos pés tem dois chinelos, como ele conseguiu, não faço ideia. Meus dedos tremem embaixo da mesa, ainda sem acreditar que vomitei nos sapatos dele, pelo menos ele não me bateu, se eu fosse Jason já estaria no hospital. Ele está com um sorriso no rosto e cumprimenta o gerente calorosamente, ele mora aqui, tenho certeza disso, embora seu tom de pele não combine com o fato de Palm Beach ser uma praia. O Guilherme já não parece bravo, pelo contrário, acho que tudo isso o diverte, gosto de gente que leva a vida com leveza.

- Quantos meses? - pergunta o garoto, sentando na cadeira a minha frente.

- Dois meses - respondo sorrindo, colocando a mão esquerda na barriga.

- Que bom que você não disse semanas, minha cabeça sempre fica confusa – aceno com uma risada, a minha também – parabéns, espero que seu bebê não esteja vomitando.

- Haha engraçado – reviro os olhos e dessa vez é o Guillermo quem ri – e pede desculpas novamente.

- Ok, eu juro, eu nem gostei desses sapatos – ele gostou – você é do Oregon, certo? - aceno com a cabeça - O que te fez atravessar o país?

- Um novo começo, para mim e para meu filho - respondo sem olhar nos olhos dele e um "ah" escapa de sua boca - aliás, você conhece algum lugar que precise de empregadas domésticas?

- O Marco Resort sempre precisa de novos funcionários – responde Guillermo e faço uma anotação mental para investigar – bateu em você? - um silêncio constrangedor toma conta do estabelecimento, como ele deduziu isso, não faço ideia.

- Enfim, o que você quer pedir? - Pego o cardápio da mesa e começo a ler, nada parece bom para comer. Não quero falar com um estranho sobre o que vivi com Jason e os motivos que realmente me fizeram deixar minha cidade natal.

- A comida aqui é péssima - ele confessa e coloca as mãos atrás da cabeça - Fary, você tem uma boa situação financeira?

- Mais ou menos – digo franzindo a testa, omitindo que na verdade estou com uma situação econômica péssima e que precisarei sacrificar diversas coisas para dar uma vida boa ao meu filho – e a comida, o que você quer pedir?

- Você quer dar uma vida boa ao seu filho, certo? - Faço que sim com a cabeça, toda mãe quer e eu quero mais que tudo - Ótimo, vou te contar uma história e te fazer uma proposta.

- Proposta? - pergunto, demonstrando uma expressão confusa, o que diabos o Guillermo quer com tudo isso?

- Minha família é muito rica, muito rica mesmo, e as famílias ricas sempre querem se unir às famílias ricas - claro que sua família é rica, o modo aristocrático de se comportar deles mostra isso - tenho um casamento arranjado desde pequeno com uma menina quem eu simplesmente odeio.

- Sinto muito, espero que você consiga sair desse casamento arranjado – digo sinceramente, meu estômago revira só de imaginar casar com alguém que não amo – seus pais sabem o que é o século?

- Sabe, o pior é que você sabe disso – uma risada sem humor escapa de seus lábios – mas agora me ocorreu algo, algo muito incrível.

Olho seus olhos castanhos, como eles transmitem profundidade, não sei exatamente quem é o Guillermo, mas posso ver através de seus olhos que ele é um sonhador, que deseja um futuro incrível para si. Seu lábio treme um pouco, por mais confiante que ele esteja, sei que ele está confiante, sua suposta proposta não está passando tanta confiança nele.

- Eu cuido do seu bebê e ajudo com todas as despesas financeiras e em troca você diz que engravidou de mim e impede que esse casamento aconteça - suas palavras vêm à tona, mas não acredito no que ouvi.

Então eu rio. Risada super alta. Porque o que acabei de ouvir é totalmente louco.

Guilherme Marco

Quando saí do resort esta manhã, mal sabia que meu dia terminaria sentado na frente de uma estranha, que, aliás, vomitou em meu Testoni, pedindo para cuidar do bebê que ela carregava. Talvez seja o meu desespero falando mais alto, o casamento com Willow já tem data marcada, os dias se aproximam e o relógio da minha liberdade está correndo. Amo meus pais, mas ao mesmo tempo os odeio por terem arranjado um casamento para mim quando eu ainda era uma garotinha. Então talvez Fary possa ser minha salvação e eu a dela.

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