Day Spa (II)
Eu estava a remexer a comida, sem muito apetite, quando a porta de vidro automática se abriu e vi minha mãe, radiante e linda, como sempre, num belo vestido preto e sandálias da mesma cor.
Calissa Rockfeller era uma mulher alta, morena, de pele clara e cabelos longos e sedosos. Os olhos eram castanho claros e ela tinha seios fartos e pernas longas. Eu e Mariane nos parecíamos com ela.
- Mãe! – Nem cheguei a levantar da cadeira e ela deu-me um beijo na testa, sentando junto de mim, enquanto largava a bolsa pequena, com o enorme logo da marca, sobre a mesa.
- Não pensou que eu fosse deixá-la almoçar sozinha no seu último dia de solteira, não é mesmo?
- Pensei que sim... – Confessei, sorrindo feliz com a presença dela.
Não demorou nem cinco minutos e foi trazido um prato para ela e a mesa foi reposta para duas pessoas. Ela logo serviu-se, elogiando a comida:
- Adoro este tipo de comida, com a preocupação de uma dieta balanceada.
- Como se não fosse assim na nossa casa. – Comecei a rir.
- Sei muito bem que Min-ji dá comidas calóricas para você, mesmo eu dizendo que não deve fazer isso.
Comecei a rir e ela tocou meu rosto, carinhosamente:
- Precisa cuidar sua alimentação agora que vai estar longe de casa. Se comer tudo que tem vontade, ficará gorda e com a pele feia.
Me recostei para trás na cadeira, pondo novamente meus óculos escuros, pois a claridade do sol atrapalhava um pouco minha visão:
- Penso em fazer isso de cuidar a alimentação... Depois que passar um mês comendo tudo que tenho vontade.
- Não... Por Deus, não posso permitir tal absurdo. – Ela fingiu pânico, arregalando os olhos.
- Eu ainda não me conformo de vocês não me cederem Min.
- Eu também não vivo sem Min-ji, meu amor. Mas sei o quanto ela mima você... E sempre que for nos visitar, a deixarei me enganar e lhe dar doces e chocolates.
- Mãe, promete que vai me ligar todos os dias?
- Eu prometo, meu bem.
- Eu vou sentir saudades.
- Só durante a lua de mel, que nem é tão longa assim, afinal, cinco dias passam rapidamente. Depois estaremos próximas. Você poderá usar seu próprio carro, pois não terá seu pai medroso e protetor por perto.
- Como se Colin não fosse quase uma cópia do meu pai. Já disse que devo trocar o carro por um blindado ou só me deixará andar com o motorista. – Revirei os olhos.
- Fico feliz que ele se preocupe com você.
- Sim, ele se preocupa.
- Você será feliz com Colin, minha filha.
- Serei? – Perguntei seriamente, retirando os óculos escuros e a encarando.
- Tem dúvida? Vocês se dão bem... São um casal perfeito. Colin jamais a fará sofrer... Ele faz tudo por você.
- E... É isso que devo levar em conta, mamãe?
Ela arqueou a sobrancelha:
- Como assim?
- Acha que a questão de ele ser bom comigo e nunca me fazer sofrer é suficiente?
- Você o ama, não é mesmo?
- Eu... Amo... Acho que amo.
- “Acha” que ama?
- Eu... Sempre achei que amava... Mas... – fiquei insegura de conversar com ela sobre o que eu realmente sentia, pois nem eu sabia ao certo – Acho que estou nervosa porque logo mais estarei casando. – Finalize, sem coragem.
- Certamente. O dia de noiva é de nervosismo e a hora de entrar na igreja é pior ainda. Sentirá medo, ansiedade, alegria... Tudo junto e misturado. Mas quando estiver no altar, junto de Colin, será tudo perfeito. E saberá que é o seu desejo estar ali.
- Você sempre amou meu pai? Sempre soube que ele era o homem da sua vida?
- Sim, eu sempre soube. Nós sempre fizemos o possível para o casamento dar certo.
- E é preciso fazer o possível? Não há chance de ser tão perfeito que não é necessário alguém abrir mão de algo, pois ambos são como são e se aceitam assim?
- Sempre é preciso se moldar de alguma forma para entrar no mundo do outro... Morar com Colin é diferente de receber Colin na sua casa. Vocês dividirão um mesmo espaço...
- E uma cama... Eu gosto de uma cama espaçosa e vou ter que dividir com ele.
- Esta é uma reclamação pouco convincente, não acha? Vocês podem fazer uma cama do tamanho que quiserem. E posso apostar que Colin não se importaria de respeitar o seu espaço na hora de dormir.
- Sim...Eu sei.
- Filha, Colin é um rapaz extremamente gentil e carinhoso. Ele a fará feliz e eu não tenho dúvidas disso.
- Colin é muito, mas muito correto. E isso me irrita às vezes. – Me ouvi falando.
- Você também é uma garota correta... Sempre foi. Tão correta que só namorou com Colin Monaghan e hoje se casará com ele, sendo o grande orgulho de mim e seu pai.
- Fala pela questão de eu ter tido só Colin de namorado... E nenhum outro homem?
- Também... Mas especialmente por ter escolhido um homem da mesma condição social que você. Este sempre foi o nosso maior medo... Você ou sua irmã se interessarem por alguém que não fosse do nosso nível.
Enruguei a testa, tentando assimilar o que ela falava naquele momento. Mas simplesmente não havia palavras para descrever aquele pensamento tão pequeno e mesquinho.
Ela colocou a mão sobre a minha:
- Sou muito orgulhosa de você.
- Quer dizer que se eu amasse alguém que não tivesse a mesma condição social que nós, vocês teriam impedido o meu relacionamento?
- Se chegasse no nível tão sério quando o do casamento, sim.
Olhei para ela novamente, confusa e incapaz de continuar aquele diálogo pobre de espírito e valores.
- Eu... Acho que está na hora da segunda parte do dia... – Sorri, fingindo estar tudo bem.
Ela levantou imediatamente:
- E eu não quero atrapalhar a noiva mais linda do mundo. Esperaremos você em casa para nos dirigirmos juntos à igreja.
- Ok.
Levantei e saí, deixando-a ali.
A tarde custou a passar. Fiz pé e mãos, massagem com pedras quentes e hidratação facial. Após a maquiagem, um leve ondulado nas pontas dos cabelos, que preferi deixar soltos. Como estavam simples, decidi fazer uso do véu, que colocaria quando chegasse na igreja.
O vestido era assinado por um estilista novo, mas que certamente em breve faria sucesso. Eu quis ousar com uma pessoa que ainda “ousasse” um pouco com a questão da vestimenta da noiva, sem se preocupar com a opinião do povo por detrás dos bastidores. E saiu exatamente como eu desejei.
A escolha foi um tomara que caia, que evidenciaria meu colo e busto. A parte de cima era extremamente simples, clean e sem detalhes. Em compensação ele ousou na saia, longa, cheia de tules brilhantes e amassados, que compunham um belo rodado.
Usei um lindo colar com um valor inestimável, dado pela mãe de Colin, pertencente aos antepassados dos Monaghan, para ser usado naquele momento especial.
Meus sogros eram pessoas simpáticas e gentis. Colin era filho único e muito mimado por eles. Nossas mães eram amigas e organizaram praticamente toda a festa. A sorte é que me deixaram escolher o vestido de noiva. Minha mãe queria um vestido diferente, mas sem saia rodada, querendo que eu apostasse num estilo sexy, talvez curto na frente e comprido atrás. Já minha sogra queria algo tradicional, torcendo pelos sarowsky, que eu detestava. Gostei do colar que ela me deu justo porque era de pedras naturais e raras e ouro, destoando um pouco do tradicional e combinando perfeitamente com o vestido simples e sem detalhes na parte de cima. Não fiz uso de brincos nem pulseiras, quase deixando o estilista louco de tristeza.
Enfim, o resultado final foi o que eu esperava: bonito, mas não chamativo. Exceto os sapatos, que apostei num rosa chiclete com plataforma. Uma pena que ele não aparecia sob a saia comprida do vestido, que ficava na altura do chão.
Enquanto aguardava o motorista, sentei sobre a escada do deck, observando o dia que começava a dar lugar para a noite, conseguindo ver o pôr do sol. Deitei sobre a madeira lisa e morna do sol quente que fez naquela tarde e olhei para o céu, avistando algumas poucas estrelas que em breve estariam brilhando com força. Em uma hora eu estaria casada com Colin Monaghan, o homem que julguei amar desde sempre e que exatamente naquele momento me incomodava o simples fato de não ter querido fazer sexo comigo por ser no quarto dos meus pais, ou não haver preservativo.
Talvez fosse o nervosismo da hora H que se aproximava, afinal, nunca houve dúvidas... E nem teria, se aquele cantor barato de “meia tigela” não tivesse aparecido na minha vida menos de doze horas antes do meu casamento.
Porque quando eu fechava os olhos, só conseguia avistá-lo na minha frente, com o sorriso no canto dos lábios, os olhos verdes estreitos e inquisidores, o cheiro de perfume barato que eu ainda sentia se respirasse mais fundo, a voz suave e sarcástica me chamando de “garotinha”. Ah, como eu queria lhe mostrar que eu não era uma garotinha... Que eu poderia fazê-lo enlouquecer com o fogo que queimava meu corpo.
Sim, eu senti vontade de beijar e me entregar para o cantor do bar de beira de estrada, que me fez beber tequila e cantou “Star me Up” para mim.