Grande enrascada
Sarah
Rachel sumiu o dia inteiro e acabei fazendo toda a mudança para o nosso novo endereço sozinha. Não podíamos levar móveis, só as nossas coisas pessoais, mas era muita coisa para juntar, tanto minhas quanto da minha irmã, e foi bem difícil.
Aluguei um apartamento simples num bairro popular, mas sabia que não poderíamos ficar lá por muito tempo se não conseguíssemos arrumar um emprego logo. Estou temerosa sobre o que a minha irmã pretende fazer e torcendo para ela desistir dessa loucura.
Estava preocupada porque a última vez que ouvi falar dela foi no domingo à noite, quando mandou uma mensagem dizendo que sairia com a amiga Shirley pra tentar esquecer um pouco os nossos problemas e portanto não conseguiria me ajudar na mudança.
Quando Rachel finalmente apareceu no dia seguinte, minha preocupação só aumentou, pois ela trouxe consigo um problema adicional para nossas vidas. Era algo realmente sério e isso abalou minha estabilidade emocional, algo que nem mesmo a recente "pobreza" havia conseguido.
— Como assim você perdeu a virgindade ontem, Rachel?! — Eu quase gritei, sentindo-me completamente descontrolada.
Ela se jogou no desconfortável sofá da sala, passando a mão pelos cabelos em um gesto de desespero.
— Eu não sei como isso aconteceu! — Ela falou com a mesma intensidade. — Estava na boate com a Shirley e admito que tinha bebido muito. Mas...
— Mas...
— Eu acordei no apartamento de um cara, nem quem é.… não sei nem mesmo o nome... tudo o que eu sei é que eu estava nua e ele também e.… Está tudo tão confuso.
Rachel estava se sentindo muito mal, mas ela foi irresponsável e inconsequente, mais do que em toda a sua vida.
— Deixe-me ver se entendi... — Tentei ficar calma e resumir o que ela me contou. – Você bebeu, foi para a casa de um homem e dormiu com ele. Você não sabe quem ele é e nem se lembra do que aconteceu.
— Isso mesmo – confirmou Rachel – Liguei para Shirley, mas ela também bebeu muito e não se lembra de quase nada sobre ontem.
— E onde ela está?
— Ela está em casa.
Como eu já imaginava, apenas Rachel se prejudicou nessa história.
— E agora, Sarah? — Rachel perguntou desanimada. — O que eu faço? Tenho que cumprir minha parte no leilão. Não posso simplesmente dizer que não sou mais virgem.
Eu suspirei de alívio, na verdade. Para a minha tranquilidade, nesse caso não há mais nada a ser feito.
— Às vezes, as coisas acontecem para o nosso bem. — Argumentei de maneira positiva — Eu não concordava com essa ideia e agora está resolvido. Sem virgindade, sem leilão. Fim.
Rachel pareceu ficar ainda mais angustiada e eu entendi que havia mais na história. Frustrada com a loucura em nossas vidas, me preparei para ouvir o que viria.
— Consegui dinheiro emprestado com um agiota e comprei um apartamento para nós.
— Não acredito! Como conseguiu fazer algo assim em apenas dois dias, Rachel?
Rachel me contou que já procurava apartamentos desde quando fez o cadastro no aplicativo de leilão e facilmente conseguiu o dinheiro para fazer a compra, pois o apartamento era ótimo e estava com um preço excelente.
— Agora estamos em uma situação ainda pior!
— Você precisa me ajudar.
Ao ouvir o tom autoritário de Rachel, olhei imediatamente para ela, sabendo onde ela queria chegar. Levantei do sofá e me afastei, não querendo ouvir o que viria a seguir. Seria demais para mim.
— Você tem que fazer isso, Sarah. — Rachel levantou e me segurou, desesperada.
Eu entendia a urgência dela em me pedir ajuda. Mas eu não posso arcar com seus erros e não faria aquilo novamente. Uma situação bem diferente de quando éramos crianças e ela me fazia assumir a culpa por suas brincadeiras proibidas.
— Não posso fazer isso, Rachel. Eu te avisei desde o começo que era uma ideia louca. – Falei calmamente. – Devolva o apartamento, recupere o dinheiro e pague ao agiota.
— Você não entende. – Ela me encarou com medo estampado no rosto tenso. – Vou perder muito dinheiro por quebrar o contrato e o agiota vai querer juros altíssimos. É um valor enorme.
Mesmo sabendo que seria um valor alto, não me comovi com a situação em que Rachel se colocou. Ajudá-la exigiria um esforço enorme, e eu simplesmente não estava disposta. Porém, Rachel começou a chorar desesperadamente e aquilo conseguiu me abalar.
— Vamos manter a calma, Rachel. – A conduzi de volta ao sofá, abraçando-a e acariciando seus cabelos para consolá-la. – Foi sua pressa em resolver tudo que te colocou nessa enrascada.
Ficamos ali por um longo tempo, e mesmo ponderando todas as possibilidades, cheguei à conclusão de que não havia outra saída a não ser cumprir com a parte de Rachel no leilão. Preparei-me psicologicamente para o que estava por vir.
Não bastava termos perdido nosso pai, a única família que nos restava, precisar sair de casa e estar em uma situação financeira frágil. Agora, estávamos envolvidas com agiotas e leilões inadmissíveis.
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Os dias passaram e não encontramos uma maneira de recuperar o dinheiro do apartamento. Rachel estava certa, perderíamos muito por quebrar o contrato e os juros do agiota eram impossíveis de pagar. Não tínhamos opções de empréstimo e ninguém que pudesse nos ajudar.
Apelamos para alguns amigos, aqueles com quem compartilhamos viagens e festas em nossa casa de praia, mas todos estavam ocupados demais com suas próprias vidas e não podiam ajudar duas amigas pobres.
Desde a morte de nosso pai e os rumores sobre ele nos deixar sem dinheiro, nossos amigos desapareceram e ninguém ficou ao nosso lado.
Até Shirley, que era amiga de Rachel há anos e sempre esteve presente em tudo, sumiu desde a noite em que foram à boate e Rachel acabou com um estranho que tirou sua virgindade. Rachel tentou entrar em contato várias vezes, mas Shirley viajou e não respondia suas ligações e mensagens. Agora, só podíamos contar uma com a outra, pois ninguém mais nos ajudaria.
No dia de entregar o item arrematado no leilão online do aplicativo clandestino, eu estava à beira de um colapso nervoso. Pensei em deixar minha irmã enfrentar as consequências de seus atos insanos, talvez assim ela finalmente aprendesse a lição e evitasse se meter em confusão novamente.
Rachel estava sentada no sofá do apartamento que alugamos, pois eu decidi que só iríamos nos mudar para o nosso quando tudo estivesse resolvido. Ao vê-la entregue às lágrimas, fui para o meu quarto me arrumar, deixando claro que só poderíamos prosseguir depois que tudo estivesse resolvido. Não consegui resistir ao olhar para minha irmã chorando, pronta para encontrar um homem que esperava algo dela, algo que ela não poderia mais oferecer.
— Eu irei no seu lugar — disse, enchendo-me de coragem.
Assim que Rachel entendeu o que eu estava disposta a fazer, ela correu até mim e me abraçou com força.
— Obrigada, irmã -- sussurrou baixinho em meu ouvido. - Eu te amo... muito, muito, muito!
— Eu também te amo, apesar de todas as suas loucuras, falta de sensatez... - comecei a dizer.
— Para! — ela me interrompeu sorrindo, com lágrimas ainda escorrendo de seus olhos, borrando sua maquiagem. — Eu sei que tenho muitos defeitos. Me perdoe por te envolver nessa maluquice, como você sempre faz questão de lembrar.
Olhei para ela com amor e vi o mesmo sentimento sendo refletido em seu olhar. Nós nos amávamos e eu sabia que minha irmã também seria capaz de fazer algo tão grandioso por mim.
— Vai ficar tudo bem. Isso é o que realmente importa –- falei, abraçando-a novamente e beijando seus cabelos. — Agora me diga tudo o que preciso fazer e como essa loucura será realizada.
Rachel então me explicou que eu só precisava estar no endereço que ela me mandou por mensagem, me passando o nome do iate em que aconteceria o tal “passeio” e me instruindo a ter certeza de que estava no local certo e no horário que havia sido combinado. Haviam outras garotas e pessoas para me orientar quando lá estivesse.
— Você precisa ir! — Rachel falou assustada, ao consultar o relógio. — Precisa estar na marina no horário marcado. Era um dos termos e dizia que em caso de atrasos, poderia ser descontado do valor que eu tenho a receber.
Fiz tudo exatamente como ela me orientou, e após verificar com um funcionário uniformizado que estava próximo ao iate, caminhei para o local para o qual eu deveria me dirigir e no horário marcado eu estava subindo a rampa que levava ao iate Mary-Mary.
O nervosismo tomou conta de mim enquanto aguardava em um ambiente vazio, após esperar sozinha por mais de quarenta minutos e perceber que nenhuma outra garota apareceu. Finalmente, uma jovem com uniforme de camareira, bonita, mas com expressão antipática, se aproximou da sala. Ela me chamou para acompanhá-la. Concordando, levantei-me e senti meu corpo dolorido devido à tensão do momento. Alisei a saia curta do meu vestido e segui a jovem.
Ela me levou para um dos conveses do iate, localizado na parte de trás. Notei uma mesa arrumada com velas, criando um clima romântico que contrastava totalmente com a realidade do que estava prestes a acontecer. Sorri com cinismo, imaginando que o homem queria amenizar o clima estranho com um jantar chique. A mesa tinha apenas dois lugares, deixando claro que seria apenas eu e ele para o tal jantar.
Senti apreensão ao perceber que o iate já havia deixado a marina e eu estava em uma situação muito diferente do que havia imaginado quando conversava com Rachel. Até aquele momento, parecia que não haveria mais ninguém além de mim, a tripulação e o homem. Não seria simplesmente entrar em uma cabine qualquer e me entregar para ele.