Coincidências
Sentada no sofá, Bárbara segurava o cartão que já havia amassado, jogado na lixeira, pego de volta e esticado o máximo que pôde. Perguntava-se se deveria ou não ligar… O que aquele homem estaria pensando dela? Não era tola, havia percebido o tom diferente que ele usou para dizer “ligue se por acaso se lembrar de alguma coisa, qualquer coisa mesmo”, mas seria prudente? Tinha sentimentos confusos em relação ao detetive. Sentia-se fortemente atraída por ele, mas, ao mesmo tempo, algo o repelia ainda que ela não admitisse… E mesmo que ligasse, será que seria bem-recebido, o telefonema? O que havia feito naquela noite foi loucura, o que ele estaria pensando dela? Bárbara não era machista, mas sabia em que mundo vivia e não se iludia quanto ao pensamento masculino em relação a uma mulher que vai para a cama com um homem na primeira noite… E ainda mais sem dizer nem ao menos o próprio nome!
Decidiu largar o cartão sobre a mesinha onde estava o telefone, levantou-se, olhou pela janela, sentiu o vento fresco da noite no seu rosto.
Voltou para o sofá, respirou fundo e pegou o telefone, decidida…
***
Em sua mesa, Luís observava uma pilha de arquivos que deveria organizar. Finalmente terminara um caso e fora bem-sucedido, pensava no mais novo caso que tinha para resolver e a absoluta falta de pistas. Isso o preocupava… Será que se tornaria mais um dos casos de assassinato não resolvidos, que tanto o frustravam? Se sim, pelo menos que acabasse por aí… Mas seus instintos gritavam que era apenas o começo de algo grande… Seriam mesmo os instintos ou a vontade de rever aquela mulher?
Estava tão distraído, que não ouviu o toque do seu celular por duas vezes, só no terceiro toque que voltou para a realidade. Ao atender, uma surpresa… Aquela voz, a mesma que havia sussurrado no seu ouvido dias atrás. Levantou-se da cadeira e ajeitou a camisa, por puro reflexo, já que Bárbara não podia vê-lo. Ela queria encontrar com ele.
Decidiram se ver no mesmo bar onde se conheceram. O telefonema fora rápido, combinaram apenas o horário e ele ficou sem saber qual o assunto que ela queria tratar, mas sabia exatamente qual assunto ele queria tratar, e não era trabalho…
O bar estava cheio e o falatório das pessoas animadas conversando mal permitia que se ouvisse a música que era executada ao fundo. MPB, executada em violão. Ainda que Luís gostasse muito de MPB, não conseguia identificar o som… Havia demorado mais que o normal para se decidir sobre o que vestiria, com medo de parecer formal demais ou informal e pretensioso. Decidiu-se por uma calça jeans e uma camisa social branca que lhe caía muito bem.
Olhou em volta, procurando por ela. Em uma mesa, mais ao canto, estava Bárbara com os seus longos cabelos negros e bem-tratados caindo sobre os seus ombros. Usava um vestido rosa, de tecido macio, insinuando mais do que mostrando, o belo corpo da mulher que o aguardava.
Aproximou-se da mesa se sentindo inseguro… Logo ele, que costumava se orgulhar da sua frieza, admitia para si mesmo a insegurança momentânea.
“Essa feiticeira !”
Ensaiou diversas vezes o que iria falar, tentando se adequar a qualquer situação que se apresentasse, mas naquele momento, tudo que poderia ter ensaiado desaparecera… Aproximou-se e disse apenas o óbvio:
— Boa noite!
— Boa noite, que bom que pôde vir…
— Não tinha razão alguma para não aparecer… Quer beber alguma coisa? — Perguntou, tentando parecer natural enquanto se sentava.
Fez um gesto autoritário com a mão chamando o garçom, que perambulava carregando uma bandeja cheia de copos vazios.
Ela foi direto ao ponto:
— Coincidência interessante, não acha? Pensei que não o veria nunca mais…
— Isso seria bom ou ruim… digo... Não me ver mais?
— Não sei ao certo, as circunstâncias que o levaram até mim não são as melhores… — Disse exibindo o seu belo sorriso.
— Teria te procurado se tivesse pelo menos me dito o seu nome. — Falou, devolvendo o sorriso e sentindo-se mais relaxado...
Afinal, não seria uma conversa formal e “que se danem as formalidades!”
Os dois conversaram de forma descontraída, nada sobre o crime foi dito durante o encontro, eram apenas um casal tentando se conhecer melhor. Detetive Oliveira se mostrava interessado em tudo que ela falava sobre a sua vida, embora ela parecesse reticente quando a conversa caía em âmbito mais íntimo e familiar. Por outro lado, parecia estar muito interessada na profissão do seu interlocutor, demonstrando ser uma excelente ouvinte. O barulho do bar diminuía conforme o tempo passava e o músico começou a tocar Djavan e ele a convidou para dançar. Ele levou-a até o meio do salão, passou o braço pela cintura de Bárbara e aproximou o corpo dela do seu. Ela pôs as mãos em volta do pescoço dele, aproximaram os rostos.
O perfume que ela usava era delicioso. Parecia não haver mais ninguém ali além deles, movimentos lentos e suaves ao ritmo da música, rostos colados e ele a beijou. Um beijo que começou suavemente, sorriram um para o outro e beijaram-se novamente, mas dessa vez com mais paixão e permaneceram assim mesmo depois que a música acabou.
As horas passaram e não se deram conta. Ela olhou para seu relógio de pulso, já havia passado das duas da manhã. Ela tinha que ir embora, deveria acordar cedo na manhã seguinte para trabalhar. Ele ofereceu-se para levá-la de carro e no caminho, voltaram ao assunto que possibilitou o reencontro deles, ainda assim, era extremamente desagradável.
— Acredita que quem o matou estava naquele ônibus? — Ela perguntou.
— É bem possível, não parece ter sido um crime cometido ao acaso ou um assalto, na verdade, disso eu tenho certeza! Poderiam estar esperando por ele no caminho, ter um encontro marcado, ou estar no mesmo ônibus que vocês estavam. Não adianta te perguntar se viu alguém estranho, porque, dificilmente um criminoso é diferente de mim ou de você e perguntar se viu alguém suspeito é tolice. Ninguém que pretenda cometer um crime vai sair pela rua “parecendo suspeito”.
— É verdade, ainda assim, é estranho pensar que tinha um assassino no ônibus em que eu estava...
— Eu pensei numa coisa… Pensa que o que ele disse sobre loucos pode ter sido por estar com medo de alguém que estivesse por perto?
— Não… Pelo menos... — Disse enquanto procurava se lembrar de algo ou escolhia as palavras apropriadas… — Agora não posso dizer ao certo, porque, poderia estar sendo influenciada pelo conhecimento do crime já cometido, quer dizer, muita gente é influenciável a esse ponto, que escuta um barulho de moto e, ao se lembrar, acredita ter visto a tal moto…
— Tem razão, muitas vezes nos deparamos com esse tipo de testemunha e torna tudo mais complicado do que já é. Você é uma mulher inteligente. Linda e inteligente… Não tem um namorado?
— Não tenho namorado nenhum… — Ela sorriu tímida ao responder. — Não é fácil arrumar um namorado hoje em dia, parece que os homens têm medo de relacionamentos mais sérios, não acha?
Nisso ela acertou precisamente, fazia muito tempo que Luís não estava mais interessado em compromisso, até porque, era complicado conciliar compromisso com os seus horários como detetive de polícia. Achou melhor não dizer nada no momento. A maioria das mulheres se mostrava ciumenta e nada compreensiva, então ele começou a viver um dia de cada vez, sem se apegar a ninguém de forma romântica.
Seu último relacionamento duradouro com uma mulher havia acabado mal. Estava envolvido numa investigação difícil, que o ocupava muito e quase não dispunha de tempo para sua noiva. Chegou a passar vários dias dormindo fora de casa até que, quando finalmente encerrou o caso, decidiu fazer uma surpresa, mas ao chegar ao apartamento da sua noiva a encontrou com outro homem. Foi como sentir o mundo desabar sob os seus pés, teve problemas com álcool por causa disso.
Não gostava de admitir, mas sua vida desregrada em relação às mulheres tinha uma causa… A traição daquela que agora era sua ex-noiva. Os dois anos que se seguiram foram de muitas mulheres e nenhum envolvimento. Por mais que estivesse empolgado com Bárbara, não queria pensar no futuro e nem em compromissos.