Capítulo 2
Eu estava preso naquela maldita cadeira há muitos meses e odiava cada um dos dias. Primeiro, eu não quis sair da cama; neguei que aquilo estivesse acontecendo comigo; preferia mil vezes que aqueles desgraçados tivessem me matado, porque ao menos eu não estaria tão miserável assim.
Trabalhar sempre foi algo importante para mim. Depois dos meus irmãos, o trabalho era o que me dava um propósito, uma noção de que eu não era um merdinha qualquer. Mas agora eu estava na pior situação da minha vida, sem poder andar, sem poder trabalhar, sem poder fazer absolutamente porra nenhuma!
— Está com pressa, gatinha? — gritei sorrindo quando vi Magie correndo para o banheiro. A música ressoava pela casa, e mesmo que fizesse poucas semanas que eu estivesse morando ali com ela, a nossa sincronia parecia de anos.
— PUTA QUE PARIU! — a loirinha gritou assustada, levando a mão ao peito. — Não tem o que fazer não?
— Não, monitorar seu banho é muito melhor. Acho que vou sair para jantar com o pessoal. Deixar vocês mais à vontade. — falei a seguindo e parando na porta do seu quarto.
— Está me pedindo permissão? — ela perguntou debochando, abrindo uma fresta e colocando a cabeça para fora.
— Estou me certificando de que vai sobreviver sem a minha beleza por uma noite.
Magie abriu um sorriso e empurrou meu ombro me afastando um pouco. E por mais que estivesse adorando nossa convivência, eu queria muito que ela e meu melhor amigo se acertassem essa noite. Eles mereciam isso, assim como o bebê na barriga dela.
— Você é um ótimo irmão, sabia? Está até me fazendo pensar que ter sido filha única foi uma bosta.
— Awnn vem aqui, loirinha. Eu te adoro como minha irmã. — puxei a cabeça dela para baixo do meu braço, antes de bagunçar os cabelos que ela tinha acabado de pentear.
— Meu cabelo, Luke! — os dedos finos alcançaram minhas costelas me fazendo cócegas, sabendo ser o jeito mais rápido de me derrotar. — Esquece, já não te quero mais como irmão!
Então eu ouvi um barulho do lado de fora, apesar da música alta e das nossas risadas, eu claramente tinha conseguido escutar o som de passos. Magie tocou meu braço, mas meu corpo todo estava tenso e os ouvidos apurados apenas para tentar ouvir melhor.
Me virei para ela, colocando um dedo sobre os lábios, pedindo para que ela continuasse quieta. Peguei meu celular no bolso e deslizei o dedo na tela, fazendo a música cessar, colocando um fim no elemento surpresa dos invasores e no mesmo momento os passos soaram mais alto.
Os olhos de Magie se arregalaram e eu soube que ela tinha escutado e entendido o que estava acontecendo.
— Entre no quarto e tranque a porta. — sussurrei já segurando nos ombros frágeis e a empurrando para dentro do quarto.
— O que vai fazer? Vem comigo? — ela perguntou em desespero, e eu quase cogitei a ideia por ver seus olhos assustados, mas eu precisava ganhar tempo, o quarto não era um bom esconderijo, não demoraria até nos encontrarem ali.
— Entre e se esconda! Vou chamar a polícia e pegar a arma, já venho.
Corri até meu quarto, me recriminando por deixar a arma no guarda-roupa, se tivesse com ela em mãos, eu poderia ir direto para o quarto com Magie e protegê-la lá. Mas eu não esperava um ataque, por isso não estava preparado. Na verdade, nem tinha ideia de quem poderia estar invadindo a casa: ladrões, alguém a mando do ex-marido dela, ainda tinha a família rica dela.
Eu saí do quarto, destravando a pistola no mesmo instante que a porta foi arrebentada com uma pancada. Não esperei um segundo, já fui atirando e me desviando para o corredor para me proteger das balas que vinham do lado deles. Vi um corpo caindo no chão, mas ainda não era suficiente, tinham muito mais deles ali.
— Seu desgraçado! VOCÊ VAI MORRER POR MATAR MEU IRMÃO! — um deles gritou, e eu me desviei tentando fazer a mira certeira antes que ficasse sem munição. Mas antes que as balas saíssem da arma a janela foi espatifada, um homem pulou entrando em casa e acertando meu corpo com os pés. Minha arma voou para longe com a força, assim como meu corpo cambaleou para trás.
Eu tinha sido encurralado, os homens portando armas bem maiores do que a minha e claramente com um treinamento tático.
— Agora você me paga! — um deles parou na minha frente e acertou um soco em meu queixo, jogando minha cabeça para o lado antes de me dar outro na boca do estômago.
Um dos outros homens foi até o quarto de Magie, seguindo pelo corredor, e eu consegui ouvir a porta sendo aberta, bem antes de acertarem um chute na parte de trás do meu joelho, me fazendo cair no chão.
A joelhada certeira no meu nariz veio logo em seguida, enchendo minha visão de estrelas, enquanto meu corpo tentava assimilar a dor.
— Não é tão fodão agora sem a arma, não é, bonitão? — ouvi um deles debochar, enquanto o outro puxava meu cabelo e dava dois socos em meu rosto.
— ACHEI A VADIA! — ouvi o grito dela e o som estridente que Magie soltou, fazendo meu sangue ferver.
Me debati, tentando me livrar do agarre dos outros e poder brigar por ela, defender a minha amiga e o seu bebê. Mas senti algo pesado bater em minha nuca, me deixando tonto e prestes a desmaiar.
— E o que a gente faz com o cara lá na sala?
— Mata! Ele não tem nenhuma serventia.
Foi a conversa confusa que ouvi enquanto tentava me concentrar em avistar Magie.
— NÃO! SEU DESGRAÇADO! — ouvi o grito dela e aquilo me impulsionou ainda mais a lutar contra minha tontura.
Mas não consegui nem ao menos sair do lugar. Não demorou para saírem do quarto a arrastando enquanto seguravam uma arma apontada para a cabeça dela.
— Me desculpa, loirinha. — sussurrei no instante em que nossos olhares se cruzaram. Magie estava grávida, a última coisa que ela precisava agora era toda essa merda.
— Não é culpa sua! — ela tentou me garantir, mas a culpa já me invadia. — Não desisti, a gente vai sair dessa! — então acertaram a cabeça dela e Magie tombou nos braços do homem.
— Mata ele e sai! — foi a ordem do homem que segurava a loirinha, então todos começaram a sair, um por um, deixando a casa.
Assim que meus braços estavam soltos, meus olhos focaram na arma, eu só precisava ser rápido para alcançá-la. Encarei o único homem que havia sobrado e aproveitei o instante que ele se distraiu olhando para a porta e corri até minha arma.
Foi então que ouvi os disparos e a força acertando meu corpo, me fazendo cair de cara no chão. Eu não tinha entendido como ele conseguiu ser mais rápido, ou onde eu havia sido atingido, mas conseguia sentir o líquido quente escorrendo por meu peito e não nas minhas costas.
Não demorou para que o frio começasse a se espalhar por meu corpo e eu sabia que deveria ser forte e aguentar até que a ajuda chegasse, mas o cansaço e o frio me dominaram aos poucos.
Eu ia morrer ali, ia morrer naquele chão depois de não ter conseguido salvar a vida da minha amiga e do seu bebê. Eu era o culpado por levarem Magie, e foi com isso em mente que apaguei e não vi mais nada.
Eu daria qualquer coisa para ajudar Magie, faria tudo de novo, mas no fim não serviu de nada o meu momento. Eu matei um homem e eles se vingaram tentando me matar, atirando duas vezes. Se não tivesse me virado, nenhuma daquelas balas teria acertado minha coluna, eu com certeza teria morrido. Teria acertado algo vital, mas ao menos eu não estaria enfiado naquela maldita cadeira.
— Me diz de novo por que você está aqui? — questionei John a contragosto.
— Só vim passar um tempo com você.
Não queria ninguém atrás de mim, não queria fiscalização e muito menos uma enfermeira na minha cola. Mas eles continuavam insistindo, eu não tinha para onde fugir. Até mesmo a mãe de Magie me forçou a aceitar uma casa de presente, a porra de uma casa! Como se eu não tivesse a minha própria.
Mas Patrick, John, Sophie, e em especial Rosa, me obrigaram a me mudar, com a desculpa que eu poderia voltar para minha casa depois que eu me recuperasse. Aqueles filhos da puta faziam isso porque sabiam que eu não poderia andar novamente, nunca mais conseguiria me levantar e andar sozinho.
— Pode ir embora, porque eu não quero você aqui! A única coisa que preciso é saber quando Magie acordar e pronto.
Estava feliz que meu amigo e a pequena tinham sido salvos finalmente, foram dias difíceis de preocupação, principalmente com o bebê. Mas agora eu só queria ver ela acordada novamente e bem. Já tinha ido visitar Alejandro e ele foi categórico em me pedir que fosse até uma loja e o ajudasse a escolher uma aliança. Já que ele não podia deixar o hospital, eu fiz isso, gravei metade dos anéis da loja até que ele escolhesse o anel perfeito para a loirinha. Agora só precisava esperar mais um pouco.
Eu estava feliz por eles, Magie tinha sofrido muito longe de Ale e eu sei que ele sofreu do mesmo jeito. Os dois mereciam ser felizes e se amavam, então era mais que perfeito. Infelizmente algumas pessoas não tinham nascido para isso, como eu, ou minha mãe. Acho que a maldição que minha vó falava para ela, que nós não nascemos para ser amados, era verdade.
Mas uma batida na porta me tirou dos meus pensamentos. Eu só queria um pouco de paz e tomar meu banho de sol, antes de me arrastar de volta para a cama.
— Quem diabos você trouxe para acabar com meu sossego? Eu espero que não seja mais uma enfermeira ou eu vou jogá-la na rua como fiz com as outras!
O idiota apenas me olhou e saiu sem dizer nada, ele com certeza tinha trazido outra enfermeira. Nenhum deles aceitava que eu não queria nem precisava de uma babá.
Eu só queria poder ficar sozinho e remoer um pouco a minha vida de merda, antes de dar um jeito de trabalhar mesmo em cima daquela coisa. Ainda estava de olhos fechados quando ouvi John voltar e não estava sozinho.
— Aquele é o Luke! — o ouvi dizer e quis bufar ou atirar algo no idiota, mas apenas fiquei quieto, fingindo que eles não estavam ali.
— Esse... Esse é o homem que eu vou ter que cuidar? — a mulher gaguejou e eu quis abrir meus olhos para vê-la, algo na voz dela me deixou intrigado, mas o melhor era continuar fingindo que não tinha ninguém ali.
— Sim, esse mesmo! Não existe nenhum velho Luke, só aquele ali. — Velho? Aquela era nova, de onde tinham tirado essa de velho? Isso já era demais!
— Me disseram que era um velho ranzinza e amargurado, que chutava todas as enfermeiras para fora...
— Ranzinza sim, amargurado só se for de ter que aguentar gente idiota a minha volta, chuto todas para fora com toda certeza com a perna que não consigo mexer. — gritei com deboche, dando um basta naquela conversa e me virando para eles. — Mas velho querida, é uma coisa que não pode me chamar.
Os olhos dela estavam cravados em meu corpo, esquadrinhando cada pedaço com os olhos de admiração, como todas as enfermeiras antes dela fizeram. Mas isso só me irritava ainda mais, porque me lembrava do que eu nunca mais poderia fazer.
Ao menos a admiração dela me deu tempo de olhar seu corpo de cima a baixo, analisando ela sem ter que disfarçar. A mulher era baixinha, mas o corpo tinha curvas e eu notei isso mesmo com as roupas dela, o quadril largo, a bunda empinada e o par de seios que parecia se espremer dentro do sutiã apertado.
— Com toda certeza, não tem nada de velho aí. — Ela sussurrou e inclinou a cabeça de lado, tentando me olhar melhor, fazendo os cabelos longos e castanhos caírem em ondas para o lado.
Os olhos dela eram duas pedras verdes enormes, brilhando, eu só não sabia se era pelo sol ou pela imagem à sua frente.
— Que bom que percebeu isso, agora já pode ir embora, sou capaz de me cuidar sozinho! — exclamei, levando as mãos às rodas da cadeira, me colocando em movimento, querendo olhá-la mais de perto antes de demiti-la.
— Claro que pode, estar em uma cadeira não te torna incapaz de nada...
— Apenas de me levantar, andar e ter uma ereção! — a interrompi novamente e dessa vez ela engasgou, começando a tossir, mas sem conseguir evitar olhar para o meu pau.
— Você vai poder andar, Luke, para com essa merda! Os médicos disseram que você tem muitas chances de voltar a andar.
— Sim, eles só não conseguem fazer porra nenhuma para me ajudar! — gritei irritado e cansado daquela repetição otimista deles. — Problemas psicológicos, trauma. Eu tomei dois tiros, passei por cirurgias, vai por mim isso não é sobre trauma!
Empurrei a cadeira passando no meio dos dois e não me importando nenhum pouco em ser educado, aquela era a minha vida, a merda do meu sofrimento. Porque eles simplesmente não me deixavam encarar isso como eu queria, do mesmo jeito como sempre encarei a vida, de forma bem realista e nenhuma pouco sonhadora?
— Na verdade, isso é uma coisa boa, significa que você pode voltar a andar antes do que pensa. — a mocinha irritante falou nas minhas costas. — Vai depender da sua vontade de voltar a andar, seu cérebro pode comandar seu corpo e ajudar seu corpo a se recuperar, você só tem que pensar positivo!
Respirei fundo, absorvendo toda aquela bosta de positividade e trabalhar para que meu cérebro me ajudasse. Tudo aquilo não passava de uma ideia estúpida.
Me virei lentamente e a encarei, querendo arrancar o sorriso esperançoso do rosto dela.
— Como é mesmo o seu nome?
— Monalisa Clark! — ela respondeu, abrindo ainda mais o sorriso e me estendendo a mão.
Então uma ideia passou por minha mente e eu retribuí o sorriso, aceitando a mão e apertando de forma inocente, mas o olhar dela mudou no exato segundo em que eu apertei mais forte, antes de puxá-la e fazendo-a cair sentada em meu colo.
O corpo dela se acomodou contra o meu, como se estivesse no lugar mais confortável, ou como se nossos corpos se encaixassem perfeitamente. Mas eu não era hora de pensar nisso!
— Dona Monalisa Clark, obrigada pela visita, mas eu não preciso de uma babá ou de uma enfermeira. — falei, vendo de perto a expressão surpresa dela, e me apressei em direção à porta. — Então tenha um bom dia.
Abri a porta e envolvi a cintura dela, pronto para jogá-la do lado de fora, deixando claro que não a queria aqui.
Mas ela agarrou meu pescoço no mesmo instante em que eu ergui seu corpo, os braços apertados em volta de mim nos deixou perigosamente perto, seu rosto se esfregou contra o meu, e nossas respirações se misturaram quando ela sussurrou.
— Vai ter que aprender a lidar comigo, senhor Luke, porque eu não pretendo ir a lugar nenhum!